Continuando a série “receitas pra entreter” , tenho o prazer de apresentar meu patê preferido no mundo inteiro: mutabbal. Meu amor por essa iguaria palestina é tanto que já me peguei pensando que gostaria de nadar em uma piscina de mutabbal. Essa idéia eu roubei de Maxime, a menina que cuidei durante meus anos de universitária em Paris, que sonhava em ganhar de presente de aniversário uma piscina de nutella. Sendo a pessoa estranha que sou, nunca dei a mínima pra nutella e a piscina dos meus sonhos é preenchida com purê de berinjela.
No reino dos vegetais, a berinjela está longe de ser o legume mais apreciado. Eu mesma só provei berinjela depois dos 20, misturada a outros legumes na famosa “ratatouille” francesa. Eu tinha escutado a fama de amarga que a berinjela tem e, não sendo uma apreciadora de coisas amargas, nunca me interessei em prová-la. Mas ao comer minha primeira ratatouille percebi que berinjela não tinha nada de amarga. Na Palestina berinjela é o legume mais popular (mesmo se botanicamente é uma fruta). Dois anos morando aqui, e depois de ter consumido dezenas de quilos de berinjela, nunca achei uma que amargasse. Como pode esse pobre legume/fruta ter essa horrível reputação? Quem andou difamando minha amada berinjela? Semana passada desvendei o mistério: o tipo de berinjela cultivada no Brasil é diferente da cultivada nos outros países. O porquê de plantarem berinjela amarga no nosso país, isso ainda não descobri.
O fato é que mesmo tendo desenvolvido uma certa simpatia pela berinjela na França, graças à ratatouille (o prato, não o rato), ela continuava lá no final da minha lista de legumes preferidos. Até que vim pra cá e minha relação com berinjela nunca mais foi a mesma. Pastas à base de berinjela são comuns em vários países do mundo, mas cada lugar tem seu método de preparação e temperos próprios. Aqui no Oriente Médio eles assam berinjela no forno e, dependendo do lugar, acrescentam alho, cebola, sal, cuminho, azeite e/ou tahina e chamam a preparação de “baba ghanoush”. Na Palestina a receita é muito parecida mas o nome muda: aqui pasta de berinjela é chamada de “mutabbal”.
A receita do melhor mutabbal que já provei me foi dada não por uma palestina, mas (pasmem!) por uma alemã. Conheci Johanna em 2007, quando vim passear por essas terras pela primeira vez. Um dia ela colocou na mesa um prato de mutabbal que me deixou pra lá de impressionada. Ela aprendeu a prepará-lo com um amigo israelense e desde então é a única receita de mutabbal que entra na minha cozinha. Hoje Johanna é uma das minhas melhores amigas e tenho certeza que o sentido cósmico do nosso encontro foi introduzir mutabbal na minha vida.
O segredo pra fazer um mutabbal de cair pra trás está na maneira de preparar a berinjela. A grande maioria das pessoas gosta de assá-la no forno, o que é totalmente aceitável mas que produz um resultado menos espetacular. O mutabbal cinco estrelas é feito com berinjelas assadas diretamente na chama do fogão. Assim elas vão adquirir um delicioso sabor defumado e vão te dar vontade de nadar em uma piscina de mutabbal. Juro.
Os temperos também têm um papel importantíssimo. Eu sou uma purista do mutabbal e na minha receita só aceito tahina, suco de limão, alho, sal e pimenta do reino. Tive a infelicidade de cruzar com um pseudo-mutabbal, preparado com (sacrilégio!) maionese. Algumas receitas usam cominho mas, embora eu adore cominho em outros pratos, o sabor forte dessa especiaria acaba não sendo feliz ao lado do defumado da beringela.
Mesmo se você não for fã de berinjela, dê uma chance a esse patê. Escolher berinjelas de ótima qualidade vai ajudar a diminuir o amargor e no final o sabor defumado e os tempeiros vão acabar dominando. Confie em mim, eu sou uma especialista do mutabbal.
Mutabbal (patê de berinjela palestino)
Use as melhores berinjelas que encontrar. Uma boa berinjela é firme, lisa, brilhante, sem manchas, amassados ou furinhos. Os furinhos indicam que ali tem bichinho, enquanto que uma casca opaca significa que há grandes probabilidades da berinjela estar amarga . Como expliquei no texto acima, usar a chama do fogão pra assar as berinjelas vai fazer o patê passar de “gostoso” pra “espetacular”, mas se você só tiver um fogão elétrico pode usar o forno. Mas não deixe de experimentar a versão defumada pelo menos uma vez (em um churrasco, talvez?). O modo de preparo parece longo porque detalhei bastante o método de preparação da berinjela, mas na verdade esse patê é simplérrimo de fazer.
1 berinjela média/grande (1x de polpa, depois de assada)
1 dente de alho pequeno ralado (ou pilado)
3cs de tahina
2cs de suco de limão
uma pitada de pimenta do reino
sal a gosto
Lave e seque a berinjela inteira. Coloque-a diretamente sobre a chama do fogão e deixe assar, virando de vez em quando pra assar uniformemente de todos os lados, até a casca ficar completamente carbonizada. Eu sempre escolho uma berinjela que tenha um cabinho longo e, segurando o cabinho entre os dedos da mão esquerda e com a ajuda de uma colher na mão direita, viro a berinjela de 5 em 5 minutos, até todos os lados ficarem assados. Coloque a berinjela na maior boca do seu fogão, pra dar mais equilíbrio e impedi-la de cair, e asse-a em fogo alto. Não seja tímida, quando digo que é pra assar a berinjela até ela ficar completamente carbonizada não estou exagerando: a casca tem que ficar preta e quebradiça. Ao ser manipulada, pode ser que a casca se rompa em alguns lugares e um pouco do líquido da berinjela escorra, fazendo uma sujeira danada no seu fogão. Não tem problema, continue assando até ficar totalmente queimada em todos os lados. Pra saber se a berinjela está pronta enfie uma faquinha fina no centro: a polpa tem que estar ultra macia e, depois de furar a casca queimada, a faca tem que deslizar com muita facilidade. Se for preparar a berinjela no forno, coloque-a inteira diretamente sobre a grelha e asse até a casca ficar chamuscada e a polpa ficar bem macia (use a faca pra testar). Depois de assada, transfira a berinjela pra uma tábua de cortar legumes e deixe esfriar durante 5 minutos. Nesse ponto sua berinjela vai estar horrorosa e você vai achar que estragou a receita mas não se desespere. Embaixo da casca chamuscada você encontrará uma polpa macia e deliciosamente defumada (veja fotos mais embaixo).
Segure a berinjela pelo cabinho e corte-a ao meio, no sentido vertical. As duas metades vão ficar presas somente pelo cabinho. Corte o topo da berinjela, separando as duas metades (ver foto). Com uma colher, retire cuidadosamente a polpa da berinjela e coloque em um recipiente pequeno. Se alguns pedacinhos de casca queimada se misturarem à polpa não tem problema. Junte os outros ingredientes (comece com 1/3cc de sal e acrescente mais depois, se preciso) e bata com um garfo até a polpa da berinjela virar purê, se misturar com os outros ingredientes e se transformar em uma pasta homogênea. Prove e junte mais sal, se necessário. Sirva com torradinhas. Eu gosto de espalhar uma camada generosa de mutabbal em uma fatia de pão integral ligeiramente grelhado e colocar tomate e pepino picadinho, temperados com sal, suco de limão e salsinha, por cima. Pode ser servido como entrada, aperitivo ou até mesmo como um almoço/jantar leve. Se conserva alguns dias na geladeira, em recipiente fechado, mas é bem melhor quando degustado logo depois de ter sido preparado. Rende 1x.
Colega Xambra… Aqui no Mato Grosso do Sul tem árabe pra todo lado, vivo topando com baba ghanoush e outras delicinhas feitas com tahine nas festas, nos restaurantes… Adoro 🙂
Agora que eu to sabida, vou chegar botando banca e perguntando se, por algum acaso, eles fizeram a berinjela na chama do fogão.. hihi…
bjs
Então prepare a versao defumada do baba ghanoush e leve pra proxima festa. Garanto que os arabes vao ficar impressionados. Nao se espante se começar a receber pedidos de casamento…
Beringela é uma fruta? então está entre as minhas preferidas! Ela sempre esteve presente na mesa de minha casa seja recheando charutos de couve – folha de uva aqui é difícil e ainda prefiro couve manteiga para charutos do que repolho -, em conserva – preparada com pimentões coloridos – recheadas – ai fica por conta da sua imaginação – ou na forma do “seu patê preferido” – nunca o fiz chamuscado apesar de ter sido também a receita como chegou a mim originalmente (o forno sempre me quebrou este galho 🙂 Acho que acostumei-me tanto com seu sabor que não percebo que os daqui são amargos. Quer dizer que mutabbal de terras Palestinas são bem melhores é??? Sinto que minha viagem se aproxima rsrs… *)
Te achei pq estava procurando uma receita exatamente como a sua! eh este sabor defumado que me enloquecia quando crianca no pate de uma amiga libanesa de minha mae….AMO TD DE BERINGELA!! mas este pate me fascina!
Pasmem!!! Estive na Grecia em junho e enloqueci meu marido e amigos pq so queria comer pate (p/ eles salada) de beringela em todo restaurante que entrava…kkkkkk, e nao consegui achar o sabor de defumado dos pates de minha infancia!!
Obrigada, agora vou fazer meu pate, gracas a voce!
Disponha, Soraya:-)
Fez sucesso esse patê lá em casa! e realmente o gostinho defumado é especial!!!
Adoro e faço muito esta beringela diretamente no fogão. Só que coloco apenas azeite de oliva e alho…. uma delícia. Parabéns pelas receitas…
adoro ler sua receitas,sua maneira engraçada de escrever,estou na tentativa, mudança da alimentação você me inspira! bisousxxxx
Fico muito feliz em inspirar mudanças positivas nas pessoas, Regiane:)
Minha melhor amiga de infância era judia, e eu me lembro de sua mãe preparar a beringela em cima da chama do fogão, só que ela usava uma chapa de ferro quadrada. Tentei várias vezes fazer igual, mas não ficava bom, até descobrir que o “pulo do gato” é carbonizá-la por fora! Obrigada pela dica!
Disponha, Yara:)
nossa, isso é muito bom! uma vez eu fiz e uma amiga experimentou e disfarçou uma careta hahaha. entao eu perguntei o que ela tinha achado (já sabendo a resposta) e ela ia dizer que estava bom, mas eu nao deixei ela mentir. ela tinha detestado e confessou ter achado que a receita tinha “queimado”. pena, esse sabor forte e complexo nao é pra ela =P
ps.: tinha ficado uma delicia, fato confirmado por outros convivas que fizeram uma outra expressão ao experimentar: a de deliciosidade!
Mas eu fiquei um pouco inseguro na hora de assar. da proxima vez vou seguir o seu procedimento à risca: até carbonizar!
abração a todos os adoradores de beringela e baba ganoush
Gosto é que nem nariz, né?:-) Tem gente na minha família que também não gosta desse patê, enquanto eu o acho sublime…
Já fiz diversas vezes aqui em casa e o meu namorado adora! Obrigada por compartilhar! Acho que é a receita mais radical que já fiz, imagina só, carbonizar uma berinjela!
Mas como se pronuncia “mutabbal”? Para impressionar os amigos… rsrsrsrs
Eu tenho um amigo francês que chama essa receita de “o sacrifício da berinjela”. A gente carboniza, corta no meio e depois joga suco de limão por cima dela, uma tortura só:) Mutabbal se pronuncia do jeito que se escreve, mas com uma pequena pausa depois da segunda sílaba (o que é transcrito com o duplo ‘b’) “muta.bal” e o ‘l’ final é pronunciado como ‘l’ e não como um ‘u’ curto como a gente faz no Brasil. E a palavra é paroxítona. Espero ter sido clara, Flávia.
Maravilha, Sandra! Muito obrigada! Me tirou uma dúvida de meses! Agora sim vou poder apresentar essa iguaria como se deve! Beijos e fica bem aí! 😀
Mutabbal e Baba Ganoush são a mesma coisa? Bjs!!!
A resposta simples é: sim. Na Jordânia chamam ‘baba ganoush’ e na Palestina, ‘mutabbal’. A resposta complicada é: entre meu amigos árabes há muita discussão sobre a diferença entre um e outro. Tem gente que diz que baba ganoush não tem tahina, tem gente que diz que a diferença está no tamanho da berinjela (picada#amassada)…
Nossa! Q deliiicia! Ja tinha feito a pasta com grao de bico, mas com a beringela ficou imbativel! Obrigada por compartilhar essas delicias! :*
Sandra, essa versão do patê foi um sucesso na festa árabe que fizemos neste final de semana; sem contar que tivemos que comprar os ingredientes novamente pra refazer, in loco, o seu mutabbal porque não deu vazão! E olha que eu dobrei a receita, rs. Muito obrigado por me introduzir ao delicioso sabor defumado do mutabbal.
O que é tahina, onde se compra???
Tahina (ou tahine) é uma pasta de semente de gergelim. Você encontra nos supermercados grandes (geralmente na seção ‘dietéticos/orgânicos’), lojas de produtos naturais e lojas especializadas em produtos árabes.
Por gentileza, pois sou novato na cozinha… na sua receita, quando consta “3cs de tahina e
2cs de suco de limão” – qual é essa porção “cs”?? Por favor me ajude!!!
Olá, Mauro. CS significa ‘colher de sopa’.
Quando você diz nadar na piscina de Mutabbal tenho que concordar. Fiz e fica uma loucura. Aproveitei e coloquei por cima da minha pizza de tomate, flor de manjericão, abobrinha e cebola caramelada, intercalando com pequenas gotas de tofupiry. Ficou simplesmente a pizza maravilhosa que eu já provei (comparando com a época em que comia queijo). E quanto ao Mutabbal, minha mãe perguntou se tinha presunto defumado na receita kkkkk. Ou seja, pra agradar até onivoros.
Já experimentou com shoyu e alho ou gengibre ralado?
Oi, eu fiz mutabbal e………ficou DIVINO! Obrigada por nos ensinar algo tão delicioso!
Vou testar outras consinhas!
🙂
Fantástico!!! Paladar excelente!!! Nunca comi algo igual. Baba ganoush e bom. Mutabal e delicia! Parabéns pelo blog. Divino!!!
Posso trocar tahina por outro ingrediente?? Aqui onde moro nunca vou encontrar tahina…
Keyla, a tahina é essencial nessa receita. Mas você pode fazer um ‘caviar de berinjela’, uma receita tradicional da França. Basta deixar a tahina de fora e usar 2-3 colheres de sopa de azeite pra finalizar. O sabor será totalmente diferente, mas também é gostoso.
O meu ficou com um gosto de queimado, mesmo retirando a parte carbonizada. É assim mesmo?
Olá. Eu sei que este post é bem antigo., mas eu só vi hoje (ainda não li o GIGANTE blog inteiro, né?).
Tenho uma pergunta: alguma sugestão para substituir tahine? Não tenho e apetecia-me muito experimentar isto com o resto de beringela que tenho. 😀
Eu sempre faço essa receita sem o tahine, porque realmente é bem gostosa. Espero um dia poder fazer a versão original, mas sem tahine já fica ótima!
Okay, obrigado. Vou experimentar.
Tem uma versão do yotam ottolenghi com melado de cana.
Simplesmente divina
ótimas receitas e o texto divertido e esclarecedor, mas fica a pergunta porque voce nao deixa a gente copiar? é um recurso para quem como eu não está on line full time poder acessar suas receitas…
Acabei de fazer…. receita ma-ra-vi-lho-sa!!!
Obrigada, beijos 🙂
🙂
Isso é delicioso! Já é a 2a vez q faço, e é ótimo para passar no pão! Quem precisa de queijo, hã? Foi aqui que aprendi a fazer tb o hommus que meus amigos onívoros sempre cobram qndo vamos nos reunir! Acho q vão se surpreender com esse! Só não gostei muito do queijo de castanhas fermentado.. Não usei a cevada maltada, tlvz por isso ele tenha ficado com um gosto meio “ardido”.. O aroma depois de fermentado tb n me atraiu muito, lembrava massa de esfirra/pão crua, eh normal? Acho q tenho de me acostumar com a tal da fermentação, porque se um alimento muda um pouco de sabir ou de aspecto, tendo a considerá-lo estragado, aí já vou meio ressabiada ao pote. Enfim.. Alguma dica de patê pra gente q não gosta de coisa temperada pela manhã? Tenho paladares a agradar! 🙂
o meu ficou bem mais escuro o que seu! será que exagerei na tahina?
Vige, que negócio bom!
Olá Sandra. Eu faço este baba há uns 8 anos e todos dizem que é o melhor baba que já comeu na vida. A única diferença da sua receita é que eu coloco 4 colheres de tahine. Amo. Muito obrigada por compartilhar.
Há 8 anos? Que emoção!
Gosto muito dessa receita, justamente pelo gostinho de defumado.
Minha avó, espanhola, fazia uma salada de tomate com pimentão assados na boca do fogão e temperados com alho cru, vinagre, sal e azeite. É maravilhosa. Experimente fazer e vc não vai se arrepender.
Obrigada pela muitas receitas deliciosas juntamente com os textos igualmente saborosos.
beijos
Ivani Ollier
Obrigada pela receita da sua avó <3 Vou testar, sim.