O clima aqui na Palestina começou (enfim!) a esfriar. Os dias estão mais curtos, o sol se põe as 16h30 e a falta de luz me faz querer passar o dia inteiro de pijama, tomando chá e…comendo. O outono é a minha estação preferida e a que mais abre o meu apetite. Enquanto no verão eu sou capaz de passar semanas me alimentando unicamente de saladas, no outono eu só penso em comida que faz peso no estômago, como batata, aveia, pão e muita, muita sopa.
Trabalhei muitos anos como baby sitter na França. De vez em quando eu cuidava de um menina chamada Lucy. Um dia a mãe dela me ensinou a fazer um dos pratos típicos do inverno francês: gratin dauphinois. Não me lembro de quase nada da mãe de Lucy (nem sequer do nome dela!) mas nunca esqueci a receita. Batata, queijo e creme são a base da maioria dos pratos de inverno. Claro que isso é uma bomba calórica e depois de comer um prato cheio da mistura, você não tem mais forças nem pra se levantar da cadeira. Mas eu gostava de comer esse tipo de comida de vez em quando, mesmo se depois eu ficava com a impressão de ter me transformado em uma jibóia que acabara de engolir uma capivara e tinha que ficar paradinha até terminar a digestão. Foi então que o veganismo entrou na minha vida e eu tive que adaptar essa receita. A original usava creme de leite e queijo gruyère. Substituí o creme de leite por creme de castanha, juntei um pouco de cebola e alho refogados (pra aumentar o sabor) e fiz uma farofinha de castanha do Pará (que uso da mesma maneira que usaria parmesão ralado) e voilà: nasceu um gratin bem mais leve e tão saboroso quanto. A batata cozinha no creme e absorve uma parte dele, ficando ultra macia e saborosa. A “farofa” acrescenta, além de sabor, um contraste de texturas (macio/crocante) e deixa o prato mais interessante.
Nessa receita, e em todas as que preparo na minha cozinha, não uso creme de soja por três motivos. Primeiro porque não é vendido onde moro. Segundo porque prefiro limitar o consumo de soja e seus derivados aqui em casa. E, finalmente, porque prefiro o gosto do creme de castanha de caju. Faz dois anos que adotei esse creme e mesmo depois de ter testado creme de soja, de arroz, de aveia e até de amêndoa ele continua sendo, de longe, o meu preferido: suave, ultra cremoso e com zero gosto de castanha. Quando um amigo onívoro come esse creme pela primeira vez sempre pergunta “Isso é creme de leite?” Sei que é mais prático comprar creme de soja no supermercado (pra quem encontra esse produto onde mora, claro) mas colocar castanha de molho algumas horas e triturar no liquidificador com um pouco de água não é tão complicado assim e o resultado é muito superior.
Acredito que aí no Brasil os termômetros não parem de subir mas não deixe a temperatura alta ser um obstáculo entre você e esse gratin. Quando colocar a primeira garfada na boca feche os olhos e imagine que a neve está caindo lá fora. Se preciso, abra todas as janelas e ligue o ventilador.
Gratin Dauphinois Vegano (batata gratinada com creme)
Essa receita fica perfeita em uma travessa de 26cmx15cm. Se a sua travessa for maior, a camada de batata ficará muito fina e o creme vai secar antes da batata cozinhar. Se você só tiver travessas grandes, eu aconselho dobrar a quantidade de ingredientes. Se sobrar gratin, guarde o resto na geladeira e aqueça no forno, coberto com papel alumínio, antes de servir. O prato pronto se conserva dois dias na geladeira. Sirva acompanhado com salada verde e, se quiser um prato ainda mais robusto, tofu grelhado.
4 batatas médias
1 cebola
2 dentes de alho
¾ x de castanha de caju natural (do tipo que não foi torrada, nem salgada), de molho por 6 horas
1 ½ x de água
½ cc de amido de milho (maizena)
1 cs de azeite
1/3 cc de noz moscada, de prerefência ralada na hora
sal e pimenta do reino a gosto
pra polvilhar:
10 castanhas do Pará
2cs de farinha de rosca
1cs de azeite
¼ cc de sal
Aqueça o forno em temperatura média/alta. Descasque a cebola, corte ao meio (no sentido horizontal) e faça fatias finas. Descasque e pique o alho. Aqueça 1cs de azeite em uma panela pequena e refogue a cebola durante alguns minutos. Quando estiver bem dourada, junte o alho e refogue mais dois minutos. Desligue o fogo e reserve. No liquidificador, junte as castanhas escorridas (jogue fora a água na qual elas ficaram de molho), 1 1/2 x de água, o amido de milho, a noz moscada e uma pitada generosa de sal. Bata durante um minuto, ou até que as castanhas se desfaçam completamente (esfregue um pouco do líquido entre os dedos, se não sentir mais nenhum grãozinho está pronto). A mistura ficará bem líquida, mas ela vai se transformar em um creme espesso no forno. Reserve esse líquido (deixe dentro do liquidificador). Descasque e corte as batatas em fatias finíssimas, quase transparentes. Eu uso a faca, mas se preferir pode usar um aparelho manual pra fatiar (alguns ralos tem uma parte específica pra fatiar). Como já disse, o ideal é usar uma travessa pequena, de 26cmx15cm. As instruções que vou dar agora são pra uma travessa com essas dimensões. Espalhe um pouco de creme no fundo da travessa e por cima disponha 1/3 da batata, arrumando cada fatia ligeiramente sobre a outra (coloque uma primeira fatia, ponha a segunda em cima da metade da fatia anterior e assim por diante). Tempere generosamente com sal e pimenta do reino e espalhe metade da mistura de cebola e alho refogados. Regue tudo com 1/3 do creme. Repita o processo mais duas vezes. No final você terá três camadas de batata, duas de cebola e alho e tudo terá sido temperado com sal e pimenta e regado com creme. Cubra tudo com papel alumínio e asse até a batata ficar bem macia. Pra testar, espete o gratin com um garfo: ele tem que atravessar as batatas sem nenhuma resistência. Quando a batata estiver cozida, retire o papel alumínio e deixe gratinar descoberto por mais 5 minutos.
Enquanto o gratin está no forno, prepare a mistura pra polvilhar. Em uma frigideira pequena, toste (a seco) as castanhas do Pará, até que elas fiquem ligeiramente douradas de todos os lados. Transfira pra uma tábua de cortar legumes e deixe esfriar. Na mesma frigideira, aqueça 1cs de azeite e doure a farinha de rosca, mexendo sempre com uma colher de pau pra não queimar. Alguns minutinhos são suficientes pra deixar a farinha de rosca crocante. Desligue o fogo e deixe esfriar na frigideira. Com uma faca bem amolada, pique as castanhas do Pará o mais fino possível. Uso uma faca grande e pesada e em menos de um minuto transformo as castanhas em farofa. Imagino que um pilão faria esse trabalho em menos tempo. Junte a farinha de rosca com as castanhas picadas, acrescente o sal e misture bem. Quando o gratin estiver pronto, polvilhe com essa mistura antes de servir. Sirva acompanhado de uma salada verde. Serve duas pessoas (com fome) como prato único, ou quatro pessoas como acompanhamento.
A castanha que é pra por de molho é a torradinha?
Não, a castanha que uso pra fazer creme é natural, nem torrada nem salgada, aquela branquinha. Vou especificar isso na lista dos ingredientes.
Essa receita parece incrível. Quando vi me veio à cabeça ratatoiulle.
fiz essa receita ontem. que coisa maravilhosa. simples, até pra mim que tenho duas mãos esquerdas na cozinha. não saiu caro. gostei demais, só arrumar mais castanhas e faço de novo. e não sou vegana, nem vegetariana rs