Tem pessoas que entram na nossa vida pra nos ensinar algo. Enquanto alguns recebem revelações cósmicas-espirituais-filosóficas de terceiros, várias pessoas parecem ter entrado na minha vida pra me ensinar…. receitas. O universo deve saber o que o nosso “eu” profundo procura e como meu “eu” profundo parece ser meio superficial, e faminto, acho que ando pelo mundo procurando receitas. (Sigmunds de plantão: não, eu não passei fome quando era criança!)
Teve a mãe da primeira criança que tomei conta na França que me ensinou a fazer quiche. A mãe de outra criança que tomei conta mais tarde me ensinou a fazer gratin dauphinois. No meu primeiro ano de faculdade em Paris conheci uma mexicana que me ensinou a fazer queijo de cabra quente*, servido numa cama de alface, outra especialidade francesa (poderia ter me ensinado um prato típico do seu país, mas ela estava tentando esquecer suas raízes e isso incluía as raízes gastronômicas). Não estou me referindo aos amigos ou parentes que te ensinam a fazer sua especialidade, ou a famosa receita da avó ou da tia. Meus amigos me ensinaram muitos pratos, é verdade, mas as pessoas citadas acima entraram e saíram da minha vida sem deixar marcas e se não fosse pela receita transmitida, eu já teria esquecido completamente que um dia elas cruzaram meu caminho. Como se a única razão do nosso encontro fosse essa: me ensinar uma receita. Talvez essa seja uma análise egocêntrica dos fatos, ou talvez eu seja tão obscecada por comida que minha memória só selecione a parte comestível da história.
Pouco tempo depois de ter me mudado pra cá conheci uma alemã linda, mas jovem demais pro meu gosto, que fez parte da minha vida por exatas duas semanas (prefiro não comentar). Quem acha que passo os meus dias aqui correndo das bombas, como a minha irmã do meio imagina, está redondamente enganado. A terra santa, por mais conflituosa e espinhosa que seja, me rendeu uma aventura (a dita alemã), uma história de amor intensa mas que não vingou e um casamento. Eu ganho pouco (na verdade nada), mas me divirto pra caramba. Almas solitárias a procura da tampa da panela, venham pra cá!
A tal moça já teria se evaporado da minha mente há muito tempo se não fosse por essas panquecas de batata. Ela fez um jantar pra mim um dia e, não sabendo o que preparar pra uma vegana, procurou ajuda no livro de receitas alemãs que tinha trazido de casa. Quem conhece um pouco a cozinha alemã, recheada de linguiças e outras carnes, vai pensar que essa não foi uma idéia muito feliz, mas surpreendentemente o livro escondia uma pérola vegetal. Ela explicou que cresceu comendo essas panquecas, que seu pai preparava nos brunchs do domingo, mas a receita clássica, a que ela estava acostumada a comer, levava ovos. Depois de provar a versão vegana do livro, ela declarou que as panquecas eram tão gostosas quanto as do seu pai. Eu, que nunca tinha provado as panquecas do pai da moça, achei aquele prato absolutamente delicioso (que idéia de girico essa de colocar ovo dentro!). Como eu tinha conseguido viver tanto tempo sem aquela delícia? Elas são crocantes por fora e macias por dentro e o contraste do salgado da panqueca com o doce da compota é perfeito. É difícil acreditar que três ingredientes tão humildes (batata, cebola e maçã) formem algo tão saboroso quando combinados, mas todas as pessoas pra quem eu servi esse prato adoraram.
Quando a moça apareceu na minha casa com cara de enterro e anunciou que estava indo embora (da minha vida, não do país), eu coloquei a mão em seu ombro e disse “Vá em paz, minha filha, sua missão por aqui terminou no dia em que você me ensinou a fazer panqueca de batata.” Na verdade não foi isso que eu disse, mas confesso que encarei sua partida com um certo alívio. Na época eu amava outro, mas a relação era bem complicada. Depois do pé na bunda eu tomei coragem, comprei uma passagem pra Noruega e fui viver minha paixão. Como eu disse antes, meu trabalho não é remunerado, é perigoso, mas eu me divirto muito.
*Hoje faço versões veganas da quiche e do gratin, mas infelizmente ainda não inventei nada que pareça com queijo de cabra vegetal.
Panqueca de batata alemã
Essas panquecas são um ótimo acompanhamento, entrada ou aperitivo. Também são perfeitas pra servir num brunch: você pode prepará-las na véspera, guardar na geladeira e esquentar no forno antes dos convidados chegarem. Bonus: assim elas ficam ainda mais crocantes. Sirva com uma dose generosa de compota de maçã em temperatura ambiente. Pode parecer um acompanhamento estranho, mas confie em mim quando digo que panqueca de batata e compota de maçã são sublime juntas.
6 batatas médias
1 cebola média
2cs de amido de milho (maizena)
sal e pimenta do reino a gosto
azeite pra cozinhar
Compota de maçã
6 maçãs grandes (escolha um tipo de maçã doce, sem muita acidez)
Comece preparando a compota. Descasque as maçãs e corte-as em pedaços pequenos (descarte o miolo). Cozinhe a maçã em uma panela pequena coberta, em fogo baixíssimo, até ficar bem macia. Não precisa acrescentar água. Deixe esfriar e passe a maçã cozida no liquidificador. Reserve a compota.
Enquanto a maçã cozinha, prepare as panquecas. Descasque as batatas e rale no ralo grosso. Coloque a batata ralada em um tecido fino (uso um tipo de “voil”, mas na falta um pano de prato fino – e limpo- também funciona), torça as bordas formando uma trouxa e esprema a batata com a mão pra retirar o máximo de líquido possível. Devolva a batata ao recipiente onde foi ralada. Descasque e rale a cebola sobre as batatas. Junte o amido de milho, o sal e a pimenta do reino. Misture bem com as mãos pra dissolver o amido e distribuir a cebola e o tempeiro de maneira homogênea. Aqueça um pouquinho de azeite em uma frigideira anti-aderente (ou, melhor ainda, de ferro) e despeje colheradas da mistura de batata. Com as costas da colher, alise a batata, fazendo um pouco de pressão, espalhando a mistura pra formar um círculo (não precisa ser perfeito) de espessura uniforme. Use uma colher de sopa cheia de massa pra cada panqueca pois é mais fácil preparar panquecas pequenas (não se desintegram ao virar e cozinham mais rápido). Cozinhe tampado até ficar dourado do primeiro lado. Isso vai criar vapor na frigideira e ajudar a cozinhar o centro da panqueca. Use uma espátula pra virar as panquecas e deixe cozinhar do outro lado, dessa vez descoberto, até o exterior ficar bem dourado e crocante. É importante cozinhar o segundo lado descoberto, senão as panquecas não ficam crocantes. Transfira as panquecas prontas pro forno, em uma placa ou diretamente sobre a grelha, e acenda na temperatura mais baixa. A idéia é manter as panquecas quentes e crocantes enquanto você prepara o resto, mas fique de olho no forno pra elas não queimarem. Repita a operação com o resto da massa. Sirva acompanhado de compota de maçã. Rende de 12 a 15 panquecas, o suficiente pra servir 4 pessoas.
Adorei o post!
Colega, descobri um produtor de semente de chia do RS que faz entregas no Brasil inteiro. Dê uma olhada no meu post sobre chia, acrescentei informações sobre o produtor no final. Você vai ficar linda e chiando!
o/ Eba!!
ainda bem que essa menina cruzou a sua vida, porque essas panquecas parecem ser maravilhosas!! 🙂
ps: fiz a receita do gnocchi!
bjos
Acho que você vai gostar das panquecas, sim. Os gnocchi ficaram bons?
Você está bem inspirada hoje e me fez rir muito kkk 🙂 É isso aí garota, o que se leva dessa vida é a vida que se leva.
Ah alemanzinha abençoada!!! sobrou inspiração em algo tão simples que será degustado por mim por toda a semana. 😉
Minha vida… Papacapim ja marcou por alguns motivos – a minha “conversão”, vir da terra que tenho grande fascínio (sim, aí acho que é algo cósmico/espiritual hehe), e ser escrito por você que, sem rasgação de ceda, tem toda a minha admiração pela forma que se porta diante daquilo que defende (veganismo), e personalidade autêntica.
Salaam :))
E apois:-) Ficou muito, muito feliz em saber que meu humilde Papacapim marcou sua vida de maneira positiva. Espero que continue assim.
Batata, cebola e maçã? Eu sou meio chata pra comer (e odeio isso, to tentando mudar…rs) e não gosto de comida agridoce, mas olha…Deu uma vontade de comer, viu?!
Gosto de fazer panquecas e essas parecem ser uma boa opção.
Seu post me fez lembrar um livro (5 pessoas que a gente encontra no céu) que mostra algumas pessoas que passam por nossas vidas, que a gente neeem lembra, mas que fizemos algo que mudou a vida delas…Enfim!
Toda vez que eu passo aqui, fico com fome 😀
Pois é, também achei estranho no começo, mas bastou a primeira garfada pra eu me apaixonar. Nunca tinha ouvido falar desse livro, mas perguntei mais detalhes ao pai google e parece ser muito interessante (vi o trailer do filme).
Se vc quiser eu empresto, hehe 🙂
Deve demorar para chegar ai, mas chega!
sandra, só hoje li os links que vc mandou, das suas entrevistas… vc tem algum email pro qual eu possa escrever?
Você pode me contactar no papacapimveg@gmail.com
“Toda vez que eu passo aqui, fico com fome” [2]
Fiz a receita!! Deliciosa! Parece um “bolinho de batata” que minha avó do sul faz, receita também proveniente da Alemanha, já que somos descendentes! Lá eles acompanham esse bolinho com pêssego em calda, mas não sei se o “em calda” já não é uma adaptação brasileira.
Meu pai, minha prima e meu irmão adoraram com a maçã! Minha mãe prefere sem a maçã, hehehe!! Eu gostei muito também!
Que bom essa alemã passar pela sua vida, heim! A gente sempre tira algo de bom de qualquer experiência!
Se as panquecas foram aprovadas pela sua familia alemã então isso é mais que um elogio pra mim:-) Tem gente que não gosta de misturar doce com salgado, mas eu adooooooro. Mas cada qual com seu cada qual, como diz minha mama.
Deve ficar gostoso tb ralar uma cenoura e misturar com as batatas! Estou visitando seu site pela primeira vez, e estou maravilhada, apesar de ser uma carnívora assumida, tô aqui com o caderno do lado anotado essas receitas maravilhosas. Parabéns!
Confesso que gosto tanto da mistura batata/cebola/maçã que nunca tive vontade de juntar mais nada, mas a cenoura pode ser uma boa ideia, Ana. Não sei se vai ficar doce demais junto com a compota de maçã, só testando pra saber.
Ei!!! eu de novo!
fiz parte da receita (só as panquecas) e ao invés de pimenta do reino, coloquei orégano…ficou ótimo! Na próxima vez pretendo fazer a receita completa, e como por aqui não existe esse suco de maçã concentrado, irei de cidra mesmo, o que até prefiro hehe ;). Abçs!
Oi, menina.
Queria antes de tudo, agradecer a receita e sua história. Foi inspiradora, tanto que eu escolhi pra fazer como a última receita de 2012, recebendo a visita de um amigo muito especial (além das duas melhores amigas, fiéis escudeiras). Foi um jantar cheio de afeto e cuidado e acho que a gente conseguiu passar pra comidinha.
E queria compartilhar uma foto, também. Tá aí no link!
[http://sphotos-c.ak.fbcdn.net/hphotos-ak-ash4/206645_10151178858847096_1980351710_n.jpg]
Obrigado, viu?
Valeu demais!
Abraços
César
Disponha, César! Vi a foto das suas panquecas com compota e achei de dar água na boca:)
Fazemos esta panqueca com ovo e agora não farei mais, pode deixar! Também aprendemos com os amigos estrangeiros que vem e vão.
Mas, comemos geralmente com um molho de tomates que fazemos com bastante cebola e alho, jogamos assim…por cima..fica bom também. Abraço.
Fizemos sua panqueca hojeeeeee Ai que delícia garota! Ficaram maravilhosas! Dá um supermedo tampar a panela e esperar que daquela massa bem seca vai sair algo redondinho, crocante e delicioso x]
Fiquei impressionada. Olha a foto que tirei dela com a compota antes do meu irmão devorar http://urlmin.com/panquecaalema0 bjos =*
Conheci seu site hoje, estou amando todas as receitas.. esta da panqueca de batatas então..rsrs!!!
Coloca-la em prática no almoço de amanhã. Abraço
O que pode substituir o amido de milho, já que a maioria é TRANS?
Polvilho doce. Ou amido de batata, se você encontar.
sandra seu blog tem algum post ensinando como congelar alimentos, legumes, verduras e qual a melhor maneira de congela-los?
O “Livro Essencial da Cozinha Vegetariana” (português de portugal) tem uma receita deliciosa que junta maçãs, cebolas e batatas assadas todas juntas no forno, talvez tenha um creme junto, não me lembro ao certo. Fiz duas vezes, eu e os onívoros adoramos! 😀
Acho que é uma boa combinação mesmo!