Dois anos atrás eu e Anne alugamos uma casinha num vilarejo da Toscana e passamos férias deliciosas (as mais deliciosas da minha vida, literalmente). Eu já tinha visitado a Itália duas vezes, mas minhas viagens tinham se limitado às grandes cidades. Foi a primeira vez que pude explorar as paisagens do interior, as cidadezinhas pitorescas e os famosos campos de girassol dessa que muitos consideram como a região mais bonita da Itália. Também foi a primeira vez que visitei o país depois de ter me tornado vegana. Lembro, sem orgulho nenhum, de ter comido linguiça seca de javali e muita pizza com anchova nas minhas passagens anteriores e estava ansiosa pra descobrir o que os menus tinham a me oferecer em matéria de pratos vegetais.
Pra minha grande surpresa, comi muitíssimo bem durante a semana em que estivemos na Toscana. As pizzas, mesmo sem anchova e sem mozzarela, eram sublimes e cobertas com legumes grelhados, os antipasti eram tão bons, e variados, que podiam ser degustados como prato principal, as saladas eram fresquíssimas, o pão era delicioso e sempre servido acompanhado do perfumado azeite italiano e até experimentei um surpreendente risotto feito com vinho tinto (e azeite, ao invés de manteiga, um pedido que o garçon gentilmente atendeu). Pra completar minha felicidade, pertinho da nossa casa tinha uma cooperativa orgânica que vendia legumes e frutas excelentes, produzidos na região, e pude preparar refeições maravilhosas na nossa cozinha alugada. O jantar mais memorável da viagem foi preparado em casa: tagliatelle com creme de trufas negras (vegano, óbvio), que comprei em uma lojinha em Siena, e sálvia do nosso jardim, degustado à luz de velas, embaixo das árvores que cercavam nossa casa. Digno de uma serenata!
Resumindo, não só não passei fome como pude me deliciar com pratos autênticos, saborosos e totalmente em acordo com minhas convicções éticas. Ouvi alguns veganos afirmarem que deixam o veganismo de lado quando viajam, pois acham impossível manter esse regime na estrada, mas até hoje nunca tive problemas desse tipo.
Mas estou relembrando isso tudo porque teve algo que provei durante a viagem e que ficou gravado na minha memória desde então. Já contei aqui que sou louca por gelato e justamente por isso encarei com certa apreensão essa viagem à Itália, onde eu tinha me deliciado com os gelati mais maravilhosos que minhas papilas já provaram (mesmo durante o inverno, enquanto navegava pelas águas geladas de Veneza). Será que eu ia encontrar meu amado gelato em versão vegana? Que os deuses abençoem os italianos! Descobri que os gelati de frutas eram preparados sem leite e pude encher a pança dessa delícia todos os dias (às vezes duas vezes por dia!). Mas o verdadeiro achado foi o gelato de chocolate amargo, presente em várias gelaterias, que junto com o de frutas vermelhas forma a dupla gelada mais perfeita que conheço. Que os deuses abençoem os italianos e os seus filhinhos!
Durante dois anos pensei nesse gelato e até selecionei algumas receitas que pareciam se aproximar dele. Mas me faltava um instrumento essencial: uma máquina de fazer sorvete. Como ganhei uma de presente da madrinha de Anne no natal passado, pude enfim testar a receita que me pareceu mais próxima da versão original. Meu objetivo era reproduzir o gelato de chocolate amargo que provei na pequena cidade de San Gimigniano e que foi eleito por mim e por Anne como o melhor gelato do mundo. A versão que preparei ontem (chamada originalmente de sorbet e encontrada aqui) chega muito perto da versão premiada, acho que a diferença está somente na qualidade dos ingredientes utilizados. Usei um chocolate muito bom, presente de uma amiga do Luxemburgo, mas o cacau que encontro aqui em Belém deixa muito a desejar. Mesmo assim o resultado foi maravilho. Eu, que não sou muito fã de chocolate, não pude resistir à tentação de provar o gelato em todas as etapas da fabricação e mal a mistura começou a gelar na máquina de sorvete que enfiei a colher dentro, quase quebrando minha máquina que só tinha sido usada duas vezes, e derramando gelato em cima do motor, que fiz questão de lamber… até me dar conta que a situação era ridícula e que aquela mistura marrom estava controlando minha mente.
Esse sorbet humilha com força os outros sorvetes de chocolate, até mesmo os daquela marca famosa que começa com häagen e termina com dazs. E o mais lindo nisso tudo é que ele é feito com água. Isso mesmo, amigos, água. Peço aos céticos que deixem as desconfianças de lado e acolham essa receita com uma mente aberta. Os italianos sabem o que fazem (pelo menos quando se trata de comida). Eu confiei neles e fui recompensada com um sorvete estupidamente cremoso e intenso. Tão estupidamente cremoso e intenso que comecei a me perguntar por que cargas d’água tem gente entopindo seus sorvetes de creme, leite e (arg!) gemas de ovos quando podemos alcançar um resultado espetacular com água. Fora que, sendo a água desporvida de gosto, o sabor do chocolate brilha como fogos de artifícios na boca. Que os deuses abençoem os italianos, seus filhos, netos, bisnetos e as gerações futuras!
Sorbet intenso de chocolate
Mantive o título original, mas não se engane: esse sorbet é tão cremoso quanto um gelato. Eu usei chocolate com 70% de cacau, como mostra a foto acima, mas o resultado foi intenso demais até pra mim que estou acostumada com chocolates fortíssimos. Por isso recomendo um chocolate com 60% de cacau. A receita diz pra você usar 1x de açúcar, o que fiz, mas da próxima vez usarei menos (2/3x ou 1/2x). Mas isso, claro, só é indicado se você tiver uma tolerância mínima a açúcar, como é o meu caso. Com 1x o resultado tem mais chances de agradar pessoas acostumadas com sobremesas tradicionais no Brasil. Uma máquina de sorvete é essencial pra fazer essa receita (perdão, pessoas sem máquina de sorvete!). Detesto ser esnobe, mas vou repetir: use chocolate e cacau de excelente qualidade, o melhor que você encontrar (ou que sua carteira puder comprar). Com os chocolate/cacau encontrados no mercado brasileiro o resultado será pálido e não muito interessante, então se você puder usar produtos europeus sua recompensa será triplicada. Último aviso: esse gelato é uma bomba achocolatada! Somente pessoas que adoram chocolate amargo, intenso e potente devem se aventurar por aqui. Se você prefere chocolate ao leite, discreto e caladinho, procure outra receita (como essa).
170g de chocolate com 60% de cacau, picadindo
3/4x de cacau em pó (amargo)
1x (não precisa encher até a borda) de açúcar
550ml de água
1 favo de baunilha, ou 2cc de extrato de baunilha
Em uma panela média, misture a água, o cacau e o açúcar. Leve ao fogo e cozinhe, mexendo com um batedor de arame pra dissolver o cacau, até começar a ferver. Desligue o fogo e junte o chocolate picado. Mexa até derreter completamente e junte as sementes do favo de baunilha, ou o extrato. Bata a mistura no liquidificador por 20 segundos pra aerar um pouco. Espere esfriar e transfira pra geladeira. Quando a mistura estiver bem gelada coloque na máquina de fazer sorvete (siga as instruções do fabricante). Depois de pronto, o sorbet precisará de algumas horas no congelador pra atingir a conscistência ideal. Rende aproximadamente 750ml.
*¬*
ai que delíciaaaa
hum, esse Sorbet fica com uma cara ótima..
Não tem a ver com o assunto, mas vc já usou ágar-ágar em sobremesas no lugar da gelatina? Essa semana fui comprar ágar-ágar e me assustei com o preço, estava 28 reais 100 gramas, será que é esse preço mesmo? Não tenho a minima idéia de quanto se usa para fazer uma gelatina de ágar-ágar com frutas, e pelo preço que encontrei nem arrisquei levar :/
Natalia, ja usei agar, sim, mas confesso que estou longe de ser uma expert no assunto. Não sei se o preço no Brasil é esse (aqui onde moro é mais barato), mas sei que você so precisa de um pouquinho então deve compensar. No pacote que tenho aqui em casa tem escrito pra usar 1cc cheia por litro de liquido pra atingir a conscistência da gelatina que conhecemos. Nunca testei, até hoje so usei agar pra fazer queijo vegetal. A chef vegana Renata Octaviani usa agar pra fazer mousse e no site dela tem uma receita de mousse de maracuja que parece otima. Dê uma olhada la: http://vegvida.com.br/modules/recette/article.php?storyid=32
Eu comprei um pacotinho de agar-agar de 50 gramas por aproximadamente 15 reais. É caro mesmo. E ainda não consegui usá-lo propriamente, pois o queijo de macadâmia que fiz ficou uma verdadeira porcaria incomível. Ou seja, desperdicei 1 pacotinho de macadâmia de uns 200 gramas (9 reais) e mais umas colherezinhas de agar-agar.
Mas sobre esse sobert…. Sacanagem eu ler isso em plena hora de almoço. Mas ele vai ter q esperar eu comprar uma máquina de fazer sorvete 😛
Nusss…. Pra acabar, hein?
E as férias desse ano, colega? Que país vamos conhecer através de suas imagens e receitas?
bjs
Você vai descobrir em breve, colega. Amanhã levanto vôo mais uma vez. Espero conseguir achar forças pra fazer minha mala hoje…
Colega, eu vou ter um bebê!!!!!
Obrigada pela dica, olhei o site e o mousse de maracujá me pareceu bem gostoso, como vc disse que é pouco que se usa, talvez seja uma boa idéia comprar um pacotinho, não sei se vou conseguir bons resultados, mas não custa tentar né 😀
Também detesto ser esnobe, mas ainda bem que vc não vem à Natal pois cairia na tentação de convidá-la para vir passar uns dias em Fortaleza; mas depois desta receita só daria hospedagem se você trouxesse a máquina de sorvete + chocolate 60% cacau de excelente qualidade + cacau em pó europeu! 😉
Boa Viagem e divirtam-se!!!! 🙂
como eu queria pegar essa colher da foto e dar uma lambidinha! essa história dele só ser feito apenas com água me lembra o bolo vegano, pois ensinei uma amiga minha a fazer o bolo sem ovo e sem leite e ela adorou a consistência e o gosto do bolo, e de agora em diante ela diz que vai chegar ao bolo feito por apenas farinha.
nos bolinhos de “O Cara” eu coloquei uma cebola picadinha com alho para dourar e depois passei no líquidificador com um pouquinho de água, depois eu misturei tudo(okara,cebola e alho) com coentro picadinho, sal e duas colheres de sobremesa de farinha de trigo para dar a liga. para empanar passei um pouquinho de leite de soja com amido de milho sobre a superfície do bolinho e em seguida cobri com farinha de rosca.
beijos!
porque nao tenho maquina de fazer sorvete??? vou comprar uma amanha mesmo!! Parece delicioso!!!! Faço minha as palavras de Raissa… adoraria lamber, como vc, todas as colheres utilizadas em todas as etapas do sorbet!!!
precisamo ter uma máquina de fazer sorvete? não dá pra fazer, sei lá, na batedeira ou algo assim? pq eu queria muuuito fazer esse sorvete, parece tão simples, bom e ainda é vegano! =)
Precisa, Rafael. Eu já fiz alguns sorvetes sem máquina, congelando os ingredientes e passando no liquidificador, mas como esse sorbet é à base de água não me atreveria a aconselhar fazê-lo dessa maneira. Porém nem tudo está perdido! Tem outra receita de sorvete de chocolate no blog que não precisa de máquina: http://papacapimveg.wordpress.com/2011/05/05/intenso-cremoso-delicioso-e-saudavel/
Puxa, valeu mesmo! Só preciso ver se eu encontro umas tâmaras a tempo então. heheh.
Valeu!
*precisa msm ter…
Meu irmão chegou hj de madrugada dos EUA com uma máquina de sorvete de presente pra mim!! Estou super empolgada! A coisinha já tá no congelador! Essa vai ser a primeira receita que vou testar!! Vc tem outras receitas com a máquina pra me passar? Encontrei alguns na internet, de sorbet de frutas, que tb quero provar! Parece tão gostoso!!! Hmmm! Mal posso esperar!
Que sorte a sua, Aline. Não tenho nenhuma outra receita pra dividir com você, mas o verão está chegando por aqui e com certeza criarei outras em breve.
Explosão deliciosa de chocolate! overdose! Nossa! Não dá pra acreditar como fica cremoso!!! Que delícia!!! Pessoal repetiu várias vezes! Minha amiga nem falava nada… só comendo quietinha – mineira! Hmmm!!! Nem se compara com sorvete de chocolate comprado!!
Tava tão empolgada com a máquina e ainda não tinha testado, que cheguei em casa e bati no liquidificador o abacai que já estava cortado (e super doce!) com leite de coco! Ficou tipo pina colada, delícia tb!! Deve ficar bom com alguma coisa alcoolica tb!!!
Aiai!! Só imaginando o próximo sorvete!!!
Com certeza esse sorvete faz vergonha a todos os sovetes de chocolate vendidos no mercado. Abacaxi com coco é um dos meus preferidos, mais até do que o de chocolate, mas eu sempre coloco um tiquinho de rum (o álcool também ajuda a deixar o sorvete mais cremoso).
Querida Sandra, este blog está sendo um vício e uma terapia para mim, parabéns por todas suas experiências culinárias, são fantásticas.
Fiz esse sorbet e achei explosivo, não consigo achar outra palavra… acrescentei um pouco de geléia de amora negra que eu sempre faço na hora de servir e virou outro sorvete, depois um pouquinho de castanha de cajú caramelizada e outro sorvete… concluí que não gasto mais dinheiro com potinhos de plástico… muito obrigada novamente!
bjos da Daniella
Daniella, como deve ter ficado delicioso o seu sorbet de chocolate com geléia de amora negra! Fico feliz em saber que essa receita está te fazendo economizar dinheiro com os potinhos de plástico:) E o sabor desse sorvete é bem superior, não é?
Aos 12 anos para mim foi fácil passar para uma alimentação vegetariana, mas depois disso resisti amargamente ao veganismo por conta dos doces (eu odeio queijo, eu adoro legumes, mas todos doces maravilhosos que eu amo tem um ovo ali e manteiga lá, creme sei lá onde).
Esse seu post deu a esperança que faltava, se existe sorvetes incríveis veganos então minha vida está salva. É claro que ainda não tenho uma maquina de sorvete, mas isso é uma questão de tempo…
Suas receitas de sobremesa estão me dando um incentivo incrível, o jeito que você consegue fazer doces elaborados totalmente veganos é uma inspiração.
Não se desespere! Garanto que tem inúmeras sobremesas veganas tão gostosas que você nem vai sentir falta do ovo, manteiga, creme.
Onde encontro uma máquina para sorbet aqui no Brasil?
Da pra substituir o açúcar por tâmaras?