Eu tenho uma relação ambígua com a culinária indiana. Eu adoro, mas não consigo comer muito nem com muita frequência. Acho as primeiras garfadas uma delícia, mas depois de terminar a refeição (às vezes até antes) me sinto ligeiramente enjoada. Aquela ruma de especiarias, sempre acompanhada de bastante gordura (ghee, óleo ou leite de coco), pode ser muito pesado no estômago de quem não tem costume de comer desse jeito. Sem falar na pimenta. Nunca vi comida tão ardente quanto a desse povo e olha que aprecio uma pimentinha. Minhas experiências gastronômicas na Índia foram bem traumáticas. E estômago tem memória.
Um mês naquele país deixou marcas profundas no meu ser e principalmente no meu estômago. Do meio pro fim da viagem já não conseguia comer muita coisa. Meu corpo rejeitava tudo que fosse um pouco mais condimentado e sobrevivi com pão, chai, frutas e iogurte (ainda não era vegana) durante as últimas semanas. Na época eu usava uma máquina analógica e essa é a única foto que tenho aqui comigo (as outras estão em um álbum e não foram escaneadas). Eu estava pálida, muito, muito pálida. Aquelas pimentas estavam acabando comigo!
Eu escrevi um diário de bordo durante as semanas que estive lá e essa passagem descreve um almoço na cidade de Hydrabad: “Eu pedi um prato com gengibre que, embora delicioso, foi a coisa mais apimentada que comi na vida. De tanta pimenta meu nariz escorria, meus olhos não paravam de chorar e até meu couro cabeludo doía. Enquanto comia usei todos os guardanapos que estavam sobre a mesa pra assoar o nariz e enxugar as lágrimas. Quem assistia ao espetáculo devia pensar que eu tinha acabado de perder metade da minha família em algum desastre e estava inconsolável! Saí do restaurante com a estranha sensação de que minha boca, língua e gengivas tinham duplicado de tamanho e fiquei algum tempo sem poder articular uma palavra.” Eu não estava brincando quando falei das pimentas daquele país.
Mas o objetivo desse post não é falar mal da culinária indiana, que além de ser extremamente saborosa e rica, é uma das mais vegan-friendly que existe. Há milênios que a maior parte da população indiana é vegetariana*, então eles tiveram muito tempo pra desenvolver uma infinidade de pratos vegetais elaborados, complexos e deliciosos. Talvez pros nossos paladares acostumados com comida menos condimentada (a menos que você tenha nascido na Bahia) esse tipo de comida precisa de um certo tempo, e algumas tentativas, antes de conquistar. Mas basta diminuir a pimenta e moderar um pouco as especiarias que ela fica acessível a todos. O que nos leva à receita de hoje.
Esse ensopado não é autêntico e uma cozinheira indiana provavelmente torceria o nariz pra ele. Porém essa receita consegue captar o espírito da comida indiana, sem no entanto ser exótica demais. Não me entenda mal, eu gosto de comida indiana pura e dura (só não como com frequência, lembre-se que tenho um estômago traumatizado) e faço um curry arretado! Mas pensei que pros noviços no assunto e aqueles querendo degustar um prato com um gostinho indiano, mas sem muita complicação, esse ensopado cairia muito bem. Eu adaptei essa receita (a foto é de dar água na boca), deixando as coisas um pouco mais simples (comida indiana geralmente vem com uma longa lista de ingredientes e pede muito trabalho na cozinha). O resultado ultrapassou minhas expectativas! Além de nutritivo e perfumado, esse prato é uma agradável mudança do tempero que estamos acostumados a comer. E garanto que não vai traumatizar ninguém.
*Sempre penso nos indianos quando escuto alguém dizer que é impossível viver sem carne. Se ser vegetariano e ter saúde fosse realmente impossível, não teria mais nenhum indiano (hindu) vivo, não?
Ensopado de legumes indiano
As especiarias são numerosas, mas resista à tentação de deixar alguma de fora (lembre-se que essa já é a versão resumida da maneira tradicional de temperar dos indianos). Se quiser experimentar um prato de inspiração indiana ainda mais sutil tente o meu quase upma.
1x de grão de bico cozido
4x espinafre picado (meça depois de cortado)
1 batata média em cubos pequenos
1 cebola picada
4 dentes de alho amassados/ralados
1cs de gengibre fresco ralado
2 tomates picados
1cc de cominho + 1cc de semente de coentro em pó + 1/3cc canela + 1/3cc cardamomo em pó + 1/3cc pimenta do reino + 1/3cc cúrcuma + 1/2cc pimenta calabresa em flocos (opcional)
Um punhado de coentro picado (aproximadamente 1x)
1cs de óleo
Sal a gosto
Cozinhe a batata na água até ficar macia, mas não se desintegrando. Reserve a batata e a água do cozimento. Refogue a cebola picada no óleo até começar a dourar. Junte o alho e o gengibre, deixe cozinhar 30 segundos. Junte os temperos em pó e mexa bem. Toste a mistura durante alguns segundos, até o aroma das especiarias ficar mais intenso, e acrescente os tomates picados. Deixe cozinhar coberto, mexendo de vez em quando, até os tomates se desintegrarem completamente. Junte então o grão de bico cozido, a batata cozida e o espinafre e acrescente 1 1/2x da água do cozimento da batata. Tempere com sal e deixe cozinhar coberto até o líquido se transformar em um molho espesso. Prove, corrija o sal, junte o coentro picado e deixe descansar 5 minutos, com o fogo desligado, antes de servir. Sirva acompanhado de arroz (melhor se for do tipo basmati). Rende 3-4 porções. Os sabores ficam ainda melhores com o tempo, então guardo um restinho pra degustar no dia seguinte.
Tô com água na boca! Que delícia! Não sou baiana, mas adoro comida bem temperada! (apesar de ser bem sensível a pimenta)! E aceito a receita do “curry arretado” rsrs!!
Faz tempo que penso em publicar meu curry arretado aqui… aguarde.
Eu também gosto de comida indiana, apesar de nunca ter estado lá.
Aprendi a apreciar nos anos que morei no Japão (amamos curry, e há milhares de misturas prontas, em tabletes e granulado).
A melhor comida indiana que comi foi no bairro hindu de Cingapura. Experimentamos um cogumelo frito muito perfumado.
Uso muito o garam masala, que é feito com as especiarias da sua receita + cravo. Muito útil!
Eu faço meu garam masala em casa, tostando as sementes inteiras e moendo só a quantidade que preciso pra fazer o prato e posso garantir que o sabor é muito melhor, mas quis oferecer um atalho nessa receita. Porém a receita do curry virá com o devido mix de especiarias.
Amei o site, as dicas, tudo. Apesar de ser, ainda, por enquanto uma carnívora, creio q em breve este estilo de vida me tomará por completo. Já comecei a adaptar coisas q eu não comia ao meu dia-dia, e olha q eu axo q não existe nada q eu não goste!
Um abraço e tudo de melhor pra vocês aí!!!
Seja muito benvinda, Fran. Espero que você se divirta bastante por aqui.
Eu adorei muito a sua receita, eu adoro comida com bastante tempero. pena que eu sou a unica na minha casa que gosta. o único problema vai ser achar o cardamomo.
Sobre o problema com a comida indiana, que é muito forte, eles costumam servir a comida com algum molho a base de iogurte ou outro laticínio pra minimizar a ardência da pimenta. Mas o veganismo não permite os laticínios e eu vi na televisão uma reportagem sobre uma cidade na china que serve um prato a base de carne que é tão apimentado que nem o leite resolve e la eles servem aquele prato com leite de amêndoas e que de acordo com eles o leite de amêndoas é a unica coisa que resolve depois de algo tão apimentado.
Acho que seu leite de amêndoas vai melhoras a sua relação com a comida indiana.
Eu sempre comia o iogurte e o arroz branco que eles serviam pra apagar o fogo depois de uma refeição apimentada, o que aliviava um pouco, mas acontecia também da comida vir sozinha e aí o bicho pegava. Um dia comprei um omelete que parecia tão inocente e qual não foi a minha surpresa quando mastiguei um pedaço de pimenta! O danado estava recheado de pimentinhas verdes brabíssimas! Mas agora que você deu a dica do leite de amêndoas já posso voltar pra Índia:-) Obrigada, Izabella.
Opa! adorei a receita, sou louca com temperos e principalmente fã do curry. Só tô com receiro de não achar o bendito do cardamomo (dedos cruzados!). Mas vim aqui também pra falar que depois de anos e anos (a minha vida toda) invejando o povo que comia cereais com leite de manhã (já que eu parei de tomar leite aos 4 anos por não suportar o gosto/cheiro), enquanto eu tinha que me contentar com um mísero pão com café, fiz e aprovei demais a sua papa de aveia rs. Fiquei emocionada quando vi que daquelas amêndoas esquisitas boiando, realmente saiu um leite gostoso e perfumado…so amazing!!!! Agora fico por aí toda besta me achando porque também como cereal com leite de manhã hahaha! Valeu dona Sandra Papacapim, meu paladar e saúde agradecem d+. Bjs =)
*fiz tb os crackers (pra aproveitar o resíduo da amêndoa), e ficaram ótimos!
Benvinda ao grupo dos que comem cereal com leite (de amêndoas) de manhã, Mariana. Estavámos sentindo muito a sua falta no grupo, agora ficou completo:-)
uhnnn parece tão bom!! meu estômago paulista também é sensível a comida muito condimentada,por isso adaptações assim me enchem os olhos!! aqui em Santos tem um restaurante indiano que estou louca pra ir, eles até tem uma feirinha de orgânicos..bjs
ps.: amaaaaamos o livro
Oi Sandra, eu estou te escrevendo hoje não por conta da receita, que é ótima (e eu já testei!), mas por conta de uma dessas coisas que acontecem sem explicação na vida da gente, mas que são fascinantes! Ontem foi o aniversário do meu filho mais velho. E, como é de costume nas nossas festinhas, procuramos oferecer umas comidinhas integrais, a maioria vegetariana e suco de frutas. Pra minha surpresa, os amigos do meu filho, que já é um pré-adolescente, aceitaram muito bem, mas uma garota em especial me chamou a atenção. Ela se interessou por tudo desde o início e veio conversar comigo, dizendo que várias pessoas da família dela são vegetarianas, inclusive uma tia, que é vegana. Ela mesma disse que ficou sem comer carne um tempão, mas acabou voltando a comer, porque as pessoas fazem uma certa pressão, por conta do crescimento… enfim, conhecemos bem essas coisas, não é? Mas ela, tão fofa, continuou conversando comigo até o momento em que ela disse:”Sabe, a minha tia vegana tem o blog e o nome dele é PAPACAPIM!!!!). É isso mesmo, sua sobrinha Lara estuda na mesma sala do meu filho João. Não é engraçado! Eu que virei sua seguidora, que já li inúmeras histórias suas, que já testei um número bem grande de receitas, que comprei seu livro… agora encontrei sua sobrinha no aniversário do meu meninão. Achei o máximo! Tirei uma foto com ela e vou te enviar por e-mail! Beijo grande
Que mundo pequeno, Fernanda! Eu que nem sabia que você era de Natal descubro agora que estamos muito mais próximas do que imaginava. Que bacana! Lara e Luna, a irmã dela, se interessam muito por nutrição e adoram minhas comidas. Luna, que é a mais velha, vive lutando pra se tornar vegetariana, mas, como Lara explicou, a pressão é muita e nessa idade elas ainda não tem conhecimento suficiente pra se alimentar direito nem poder pra decidir como querem se alimentar. Sem o apoio dos pais é impossível. Vou esperar a foto de Lara e agora que sei que você mora aí, vamos tentar nos encontrar na minha próxima passagem por Natal.Beijos.
Olá Sandra!
Como vai?
Conheço seu blog há pouco tempo, adorei!!! Optei por tirar a lactose do dia-a-dia e ao ver seus posts sobre vida sem queijo eu fiquei tão, mas tãããooo feliz…
É realmente complicado desenvolver uma rotina longe do queijo, sou mineira e a gente tem uma relação muito pessoal com os queijos! Hehehe! Adorei as receitas de entradas e acompanhamentos, obrigada por dividir conosco.
Ah, então, vi que você tinha uma máquina de fazer leite de soja, eu estou louca pra comprar uma, mas para fazer leite de arroz e de castanhas. Não sei de ninguém que tenha, então decidi vir aqui te perguntar. Você fazia leite de arroz ou de castanhas na sua máquina? O leite de arroz ficava bom? E o de castanhas? O leite de arroz no liquidificador fica ruim demaaaais! Hehehehe!
Um abraço!
Fernanda, só usei minha máquina pra fazer leite de soja. Leite de castanhas e de amêndoas eu faço no liquidificador, mesmo, e de arroz eu nunca fiz em casa. Infelizmente não posso te ajudar com conselhos sobre esse assunto. Mas percebi que leite de arroz e de aveia, além de leites de castanhas e amêndoas, pode ser feito sem problema no liquidificador. Eu acho todo leite de arroz ruim, então acho que feito na máquina não seria diferente..
Olá Sandra! Mais uma receita incrível, parabéns! Tinha feito já o ensopado marinho e agora fiz esse indiano! Ficou muito bom! E olha que o meu grão de bico cozinhou demais e o danado sumiu no ensopado… Comemos com pão pitta e adoramos! Não consegui ainda achar uma receita vegana do pão naan, aí foi o pitta mesmo!
Um grande abraço!! Obrigada por compartilhar as suas receitas!
Robiana (Curitiba – PR)
Fico feliz por você ter gostado, Robiana. Gostaria de ter uma receita de naan pra dividir, mas infelizmente não tenho:-( Um abraço
Esta receita é sensacional, uma verdadeira viagem para Índia.
Sempre gostei de uma pimentinha e pratos codimentados m,as acho que exagerei um pouquinho na pimenta porque o meu ficou bem ardido, mas absolutamente delicioso.
Fique pensando, se este ensopado é a versão light dos pratos indianos, socorro: os indianos devem andar na rua cuspindo fogo!
Agora entendi as lágrimas rsrs.
Amei a receita já está no meu caderninho.
bjs
Você não tem ideia do grau de ardor da comida indiana, Susana! O pior é que como eles comem assim desde criança, eu via um menino de seis anos comer algo e pensava: “Se essa criancinha aguenta, não deve ser tão apimentado assim” Mas na maior parte do tempo eu estava enganada:-(
Descobri! repeti pela terceira vez( sério) e agora que esfriou percebi que a pimenta deu uma assentada e ficou no ponto.
Meu namorido que não é chegado em comida indiana( detesta cominho, coentro, etc) adorou!
Sandra fazendo milagres..
com o que sobrar desse ensopado, pode colocar no liquidificador com um tiquinho d’água que vira uma sopa-creme deliciosa. fiz isso hoje e foi sucesso aqui em casa. =)