Eu adoro cozinhar, mas na lista de pratos que mais gosto de preparar, bolo está provavelmente em último lugar. Só faço bolo quando alguém pede e foi o que aconteceu hoje. Uma amiga vegana sugeriu que eu preparasse um bolo pra uma amiga onívora que vive fazendo piada do nosso regime vegetal. A vegana já não aguenta mais a chacota feita pela onívora e, como se isso não bastasse, ela incentiva os três filhos a zombar de comida vegana na frente dela. Como hoje é o aniversário de doze anos do filho mais velho da amiga onívora, a amiga vegana insistiu pra que eu fizesse um bolo ultra-maravilhoso-delicioso pra família onívora ver o quanto a comida vegetal é saborosa e deixar a gente em paz de uma vez por todas. Como a amiga onívora, e o marido, se empolgaram pra experimentar o meu bolo e que as intenções da amiga vegana eram nobres, aceitei fazer esse sacrifício terrível que é passar o dia inteiro mergulhada em chocolate (estou enjoadíssima até agora!). Eu sei que muita gente adora isso, mas se eu tiver que escolher entre o melhor bolo de chocolate do mundo e um prato de sopa, escolho o prato de sopa sem pestanejar.
Ainda não sei se o meu bolo fez a família onívora mudar de opinião sobre comida vegetal, mas decidi uma coisa: independente do resultado da boa ação da amiga vegana, nunca mais vou fazer bolo de chocolate. Fiz alguns bolos deliciosos desde que me tornei vegana (outros nem tanto) e consegui conquistar o estômago de vários onívoros pelo caminho, mas a gente só faz bem aquilo que realmente gosta. Nesse caso eu deveria dizer que a gente só cozinha bem aquilo que gosta de comer. A montanha de louça suja e o enjoo que me causa o malvado não compensam. Gosto de degustar uma sobremesa bem feita ocasionalmente, mas do tipo sorvete, pudim, torta ou crumble e geralmente à base de frutas. Esses são os únicos tipos de doce que vou preparar quando não estiver fazendo algo salgado. Au revoir, bolos de chocolate! E já que não vamos mais vê-los aqui no blog, aproveito a despedida pra tirar do baú os melhores bolos de chocolate que fiz nos últimos anos.
Pra fazer o bolo de hoje usei uma receita da chef vegana americana Fran Costigan, a “rainha da sobremesa vegana”. O bolo ficou perfeito: rico em cacau, fofinho e úmido. Só achei doce demais, mas como minha tolerância pra doce é limitadíssima, acho que só será um problema pras minhas papilas. Como não fiz nenhuma modificação na receita original, não vou reproduzi-la aqui. Basta consultar essa página e a receita é sua. Está em Inglês, mas nada que o Google Tradutor não possa resolver em segundos. Porém tem um ingrediente impossível de achar no Brasil: xarope de bordo. Ele tem um sabor especial que deixa o bolo mais gostoso, mas imagino que melado pode ser um substituto interessante, embora ele tenha um sabor muito mais forte, que algumas pessoas não gostam. Acredito que também seja possível omitir o xarope de bordo e aumentar a quantidade de açúcar pra uma xícara (ao invés de meia xícara). Mas não posso garantir o sucesso dessas versões, já que não testei na minha cozinha.
Recheei o bolo com peras caramelizadas com baunilha, porque é época de peras aqui, e cobri tudo com ganache de chocolate, porque é minha cobertura preferida. Pra fazer o recheio descasquei peras bem maduras, cortei em fatias, aqueci um pouco de azeite na minha maior frigideira e cozinhei as peras até começar a caramelizar. Mexi de vez em quando, pra dourar de todos os lados, e deixei as peras ficarem bem bronzeadas. Depois de desligar o fogo juntei as sementes de um favo de baunilha. Fiz uma receita de bolo, mas assei em quatro formas pequenas ao invés das duas formas grandes sugeridas nos site. Em seguida cortei cada bolinho ao meio e fiz dois bolos, com quatro camadas cada um. Pra isso usei 1,4kg de peras no recheio, mas se você seguir as instruções da receita original e fizer dois bolos grandes, provavelmente precisará de menos recheio. Pra cobrir os dois bolos derreti 200g de chocolate amargo (70% de cacau) com 8cs de leite de coco. Descobri que gosto mais da ganache com creme de leite de soja ou de aveia, então é isso que aconselho. Mais uma vez, se estiver fazendo um bolo grande (ao invés de dois pequenos), provavelmente seja necessário menos ganache pra cobertura. Se quiser uma ganache menos amarga, use um chocolate menos forte em cacau. Decorei o bolo com avelãs tostadas, porque acho que combinam muito com chocolate e pera e gosto do contraste de texturas. E antes de me despedir de vez do assunto, uma última dica: bolo de chocolate é sempre melhor no dia seguinte, então prepare o seu na véspera, se possível.
Agora com licença que ainda tenho que limpar o chocolate da cozinha, e do corpo, antes do jantar. Que será sopa, obviamente!
PS Depois que escrevi esse texto ontem à noite recebi uma mensagem da amiga onívora, que é francesa, dizendo que o bolo era “excellent et magnifique”. Mesmo assim continuo decidida a enterrar minha carreira de fazedora de bolo de chocolate.
Saudade daqui. Olá Sandra! Como está?
Isso soa um pouco triste, mas concordo nada pior do que fazer aquilo que não se gosta. Mas como primeiro comemos com os olhos só digo: “excellent et magnifique”.
Quem comeu gostou, mas eu ainda estou tão enjoada que nem pude degustar minha última criação:(
Ola Sandra, voce acha que aquele xarope de agave poderia ser um bom substituto para o de bordo? Não me lembro mais do sabor deste ultimo, provei a muito tempo.
Eu também não sou de chocolate não, interessante como as pessoas se surpreendem ao dizer que prefiro algo simples como um iogurte do que uma mousse de chocolate…
abs,
Inessa
Inessa, o xarope de agave substitui perfeitamente o de bordo. Agave é extremamente neutro, diferente do melado. Só não deixei a dica no post porque imagino que ainda é muito difícil achar agave no Brasil, sem falar que deve ser muito caro.
Meus parabéns, Sandra, de novo. E meus parabéns a quem continua a luta de mostrar pra onívoros que a comida vegana é deliciosa.
Eu já desisti de tentar provar pros ‘amigos’ onívoros que vivem fazendo chacota que minha comida é boa demais, sim senhor. Sempre que faço algum prato pra uma das reuniões/festinhas é a mesma coisa. Todos ficam surpresos, como se comida vegana tivesse obrigação de ser ruim, o prato é o primeiro a acabar e me elogiam. Mas ninguém muda de ideia (e até aí tudo ok, ninguém é obrigado a fazer nada, sabemos disso). Mas o pior, ninguém abandona as falsas piadas. Eu, particularmente, não falo sobre veganismo a menos que me perguntem ou pareçam mesmo interessados. E tudo bem, a gente deve se esforçar pra não se estressar por essas coisas, mas com a repetição meio que magoa. Mas me sinto desrespeitada e isso me deixa triste…
E ó, mesmo que eu tenha uma pequena gana de doces vez ou outra, essa gana se satisfaz com uma colherinha de geleia ou uma fruta mais doce. Chocolate não me apetece mais, rs. Concordo que o melhor que a gente faz é aproveitar nossos recursos e gastar nossos esforços com algo que a gente tenha prazer em fazer. Meu lado egoísta fica contente em saber que vai ter sempre mais receitinhas salgadas-deliciosas por aqui que qualquer outras 🙂
Um abraço!
Nina, felizmente a gente come tão bem aqui em casa que esse tipo de bullying nem me atinge. Nos dias que preparo algo extremamente delicioso, Anne e eu rimos dos onívoros que acham que a gente só come alface e ela sempre diz “ah, se eles soubessem como a gente passa bem…”
Eu sou como você e também só falo sobre veganismo se sentir interesse da parte da pessoa, mas descobri que um prato vegano saboroso vale mais do que mil discursos. Por isso faço ativismo gastronômico. De tanto organizar jantares e brunchs no meu restaurante ocasional, nossos amigos onívoros hoje morrem de inveja de Anne, pois ela pode comer minha comida todos os dias. Vivemos a situação inversa da maioria dos veganos:) Com excessão desse casal de amigos franco-suíço, mas eles nunca comeram aqui em casa, por isso ainda fazem bullying com a gente. Mas tenho certeza que isso mudará em breve e o bolo foi só o começo.
Levei um susto quendo li “despedida” pensei que voce não ia escrever mais!
Não nos de mais este susto, adoro o que voce escreve e como voce escreve, beijinhos
Mônica
Pois é Monica, eu também passei por este susto e até estava com receito de abrir o e-mail, mas, lendo, fiquei mais tranquila.
Peço também, Dna. S A N D R A, que “não nos dê mais este susto”. ! !
bjs.
Desculpe, queria dizer “receio”
Mônica e Rosa, perdão pelo susto. Prometo que vou tomar mais cuidado com os títulos dos meus posts:)
…. gosto de chocolate, bem forte de sabor :o) …. mas desde que descobri a farinha de alfarroba troco metade da quantidade cacau por outra igual porção de farinha de alfarroba …. o bolo fica mais escuro e com “odor ligeiramente diferente” …. :o) … ou então, simplesmente, troco cacau por alfarroba :o)
por mim, ainda que coma muito pouco, viva o dark chocolat, vegan claro :o)
ah…. também eu tive um “palpitar de coração” quando li “despedida” … Sandra, por favor…. palavra assim, só no meio do texto ok…..
Abraço grande :o)
Isabel, também adoro alfarroba e gosto bastante de chocolate amargo (no mínimo 70% de cacau), só não gosto de bolo:-) Desculpa o susto.
Eu gosto muito muito de doce!!! Acho cupcakes megalindos!! E sou fã de chocolate! Mas já melhorei no quesito açúcar! Minha tolerância está bem menor!!
Adoro as receitas de doces aqui porque sei que vão ser algo diferente daquilo que estamos acostumados no Brasil e possivelmente com algumas substituições bem mais saudáveis!! Então espero que não desista totalmente de sobremesas!! E se algum dia se lembrar dessa receita de bolo de chocolate com whiskey e café… hmmmm!!
Não se preocupe, Aline, pois não tenho nenhuma intenção de desistir de fazer sobremesas. Mas a receita do bolo vai ser impossível resgatar:-(
Nossa, Sandra, assustou todo mundo! 🙂
Ficou muito bonito esse seu bolo, viu.
Ai, confesso que lendo a parte que você fala que ficou enjoada, eu quase não acredito.. nunca achei que existisse alguém assim aehieoa brincadeira, cada um com seu gosto, né.. Eu, por exemplo, só gosto de chocolate com 70 ou 85% de cacau e também fico enjoada de ver alguém comendo chocolate ao leite ou ‘chocolate’ branco.
Ah, tava lendo um gibi para a minha filha hoje de manhã e vi o personagem Papa-capim!! É por causa dele o nome do blog?
Queria te perguntar uma coisa.. comprei um cacau em pó numa dessas lojas que vendem produtos a granel e fiz o seu sorbet de chocolate. Ele ficou com uma cor acinzentada e gosto diferente, daí fui pesquisar na internet sobre o cacau e vi que existem dois tipos o natural e o alcalinizado. O que eu sempre compro no mercado é da garoto, acho, tem mais gosto de chocolate como eu conheço e é mais escuro e esse que eu comprei por último é mais avermelhado. Mas não sei se o da garoto que é alcalino ou esse outro.. Qual tipo você usa (quando você usa)? Qual você acha que é melhor?!
Obrigada
Até mais.
PS: Fui ler os comentários antes de enviar e vi a pergunta sobre o agave. Agora tá mais fácil de encontrar no Brasil, viu.. Até onde eu moro que é interior de São Paulo tem no mercado da marca Jasmine, mas é um pouco carinho mesmo.
Mariana vou te confessar uma coisa. Fiquei tão enjoada por ter passado o dia inteiro cheirando chocolate que ontem, enquanto publicava o post, só de olhar as fotos do bolo fiquei enjoada novamente! Passei dois dias colocando punhadinhos de sal na boca pra ver se minhas papilas esqueciam o chocolate (tive que provar várias vezes pra ver se estava bom, claro). Mas eu também gosto de chocolate amargo, com pelo menos 70% de cacau, mas gosto de degustar ele puro, só um quadradinho, de preferência com um café amargo.
Sim, o nome do blog também tem a ver com o personagem de Maurício de Souza. Ele representa pra mim uma maneira natural de se alimentar, respeitando as estações e consumindo só o que realmente precisamos. Sem a parte da caça, claro:) Claro que também tem a ver com o passarinho do Nordeste que tem o mesmo nome e com o que as pessoas imaginam que nós vegamos comemos. Por isso Papacapim, que preferi escrever junto, me pareceu o nome perfeito pro blog que eu queria criar.
Passemos ao cacau. Pelo que vi nas pesquisas que fiz, o da Garoto é natural. O alcalinizado é o mais escuro e puxado pro vermelho, e de sabor mais suave. Acho que a qualidade do cacau é mais importante do que a diferença natural/alcalino (pelo menos no sorbet). Eu uso geralemente cacau alcalino aqui, pois o cacau de qualidade que compro na Europa é sempre alcalino (sei pela cor super intensa). Já comprei cacau em loja de produtos naturais, e de produtos a granel, no Brasil e fiquei extremamente decepcionada com o sabor. Cacau natural pode ser bem difícil de dissolver (o alcalino dissolve mais facilmente) e já comprei cacau que era uma verdadeira serragem, impossível de dissolver! Mas, como disse, a qualidade do cacau é mais importante nessa receita, então use um cacau que tenha um sabor agradável pra você.
Que falta que senti daqui. Só passava rapidinho pra ler e nem comentava. Que bolo LINDO! Deu vontade de fazer. Pena tu não gostar de chocolate. Ficaremos sem o teu talento pra receitas com ele.
Quando li o título do post fiquei assustada, pensei: “Como assim o blog que me fez decidir de vez me tornar ovo-lacto vai acabar? Não pode.” Ainda bem que não. =D
O Papacapim não vai acabar tão cedo, Emanuella. Garanto! Você não imagina como fico feliz em saber que o blog te ajudou a adotar o vegetarianismo 🙂 Sinto que tenho obrigação de continuar postando aqui.
Acho que toda a gente ficou assustada quando viu esse título do post! O Papacapim não pode acabar, jamais! 😉
Por acaso também não costumo fazer muitos bolos, (e é melhor não falar das minhas últimas experiências), mas quando faço é sempre de chocolate porque toda a gente cá de casa adora, mesmo sendo vegano! Ninguém é esquisito relativamente a esse aspecto felizmente 🙂
Ainda bem que partilhaste essa receita de bolo, acho que vou experimentar com xarope de agave (por cá o maple syrup é bastante caro!)…
Beijinho
Márcia, apesar de ser muito caro, o xarope de bordo é tão delicioso que acho que compensa. Mas agave é um bom substituto, apesar do sabor neutro. Só não sei se o bolo vai ficar doce demais, pois tenho a impressão que agave é mais doce. Talvez seja melhor reduzir um pouquinho a quantidade.
Sandra! Fiquei suuuuper curiosa pra saber essa receita e o link que tu postaste não existe mais. Alguma chance de tu tê-la anotada por aí?
Foi essa aqui, Daniela: http://www.vegkitchen.com/recipes/chocolate-cake-to-live-for/