Depois da colheita, os palestinos levam as azeitonas pra prensa o mais rapidamente possível. Idealmente, as azeitonas devem ser prensadas nas 24 horas que seguem a colheita, mas por ter poucas prensas na região de Belém, as azeitonas acabam esperando um pouco mais. O centro da produção de azeite palestino fica em Nablus, no norte, e lá tem mais prensas do que aqui. Porém, o azeite de Belém e das duas cidades vizinhas (Beit Jala e Beit Sahour) tem fama de ser o melhor de toda a Palestina. Meu amigo Tawfic explicou que essa região tem um micro clima perfeito pra produção de azeitonas e por isso o sabor do azeite daqui é superior. Eu posso confirmar: o azeite de Tawfic é o melhor que já provei na vida! Ele tem uma nota verde intensa, com um gosto de mato depois da chuva (nunca comi mato depois da chuva, mas tenho certeza que o gosto é idêntico ao cheiro), mas ao mesmo tempo é aveludado e tão cremoso que chega a ser (pasmem!) amanteigado. É difícil descrever um sabor tão complexo, só mesmo provando pra entender.
Pois foi meu amigo Tawfic que me levou à prensa de Beit Jala (segundo ele a melhor da região) pra ver as azeitonas que ajudei a colher se transformar em azeite. Algumas das suas oliveiras são jovens, por isso são tão pequenas.
A oliveira só começa a dar frutos depois de 5 ou 10 anos e só atinge o seu pleno desenvolvimento depois dos 20 (antes disso a carga de azeitona é muito pequena). A partir daí ela vai dar azeitonas durante pelo menos 150 anos, passando de geração em geração. Tem oliveiras aqui que produzem azeitonas desde o tempo em que Jesus passeava por essas terras! Por isso aqui na Palestina o pessoal diz que quando um agricultor perde uma oliveira (expliquei no último post como a ocupação israelense destruiu milhares de oliveiras) é como se tivessem queimado sua conta bancária.
Nos anos bons, a produção de azeite chega a 35 mil toneladas, enquanto que nos anos ruins esse número desce pra 5 mil toneladas. Antigamente a produção de azeite era muito maior, mas desde o início da ocupação militar israelense na Palestina, em 1967, mais de 800 mil oliveiras foram destruídas. É importante lembrar que a Cisjordânia (a Palestina é formada hoje pela Cisjordânia e pela faixa de Gaza) tem apenas 5.640 km2 (praticamente um quarto de Sergipe, o nosso menor estado!), então o impacto dessa destruição em uma terra tão pequena é imenso. A confiscação de terras palestinas pra construir colônias israelenses (o que é considerado ilegal segundo o direito internacional) e zonas militares pro exército israelense, a construção do muro, tudo isso privou os palestinos de um grande número de oliveiras. Como resultado, o azeite, por estar se tornando cada vez mais raro, se tornou caro demais. Meus amigos palestinos contam que seus pais usavam azeite em tudo, mas hoje eles são obrigados a cozinhar com óleo de soja importado. O azeite é usado no conta-gotas pra temperar alguns pratos tradicionais, como hummus, e pra acompanhar o pão do café da manhã (aqui ninguém usa manteiga nem margarina).
Mas voltemos à visita da prensa de azeitonas. O barulho das máquinas era ensurdecedor, mas o aroma de azeite que pairava no ar era uma delícia. O diretor da prensa me mostrou tudo e explicou cada passo. Quando um agricultor chega na prensa, suas azeitonas são pesadas e ele recebe uma ficha com um número. Tawfic chegou lá de manhã, mas tinha tanta gente na fila que ele só pode prensar suas azeitonas no meio da madrugada.
Antes de irem pra prensa, os agricultores retiram os galhos e folhas que se misturam aos frutos durante a colheita, mas dá pra ver que mesmo assim alguns intrusos conseguiram chegar até aqui. Porém isso será resolvido no próximo passo. Azeitonas verdes e pretas são prensadas juntas e Tawfic me garantiu que o sabor do azeite produzido por uma ou por outra é o mesmo. A única diferença é na cor: azeitonas pretas produzem um azeite dourado, enquanto as verdes produzem um azeite…verde. Como as duas são misturadas, a maior parte do azeite produzido aqui na Palestina é verde-dourado, mas já ganhei garrafas de amigos que usaram somente azeitonas verdes e o resultado é um azeite verde-fosforescente!
Uma pequena nota sobra a cor das azeitonas. Azeitona verde (não madura) é verde e à medida que vai amadurecendo, vai adquirindo uma cor arroxeada até ficar preta. Elas podem ser colhidas tanto verdes quanto maduras, mas as pretas (maduras) têm mais óleo que as verdes. Mas como elas não amadurecem todas ao mesmo tempo e é mais prático pro agricultor colher tudo de uma vez, os dois tipos são usados pra fazer o azeite. (Pra preparar as azeitonas marinadas que também são muito apreciadas aqui, os palestinos preferem as azeitonas verdes, mas isso é assunto pra outro post).
Depois de despejadas nesse compartimento, as azeitonas são transportadas em uma esteira enquanto um ventilador gigante sopra sobre elas, levando embora os últimos galhos e folhas.
Elas são em seguida lavadas em água corrente e moídas (inteiras, com o caroço), formando uma massa oleosa à qual é acrescentada água morna (entre 25° e 30°).
Em seguida a massa passa por uma centrífuga horizontal onde a parte sólida (caroço, fibras) é separada da parte líquida. Depois o líquido vai pra uma centrífuga vertical onde o azeite será separado da água. Tem outras maneiras de extrair o azeite, mas essa é a usada mais frequentemente aqui na Palestina. O resultado é um azeite extra-virgem (prensado a frio), nutritivo e delicioso. Ele pode ser consumido imediatamente depois de prensado, mas Tawfic gosta de guardar o dele durante um mês antes de começar a consumir pois, segundo ele, o azeite precisa desse tempo pros sabores se desenvolverem e pra acidez se acalmar um pouco. Eu não sou expert no assunto, mas provei o azeite recém prensado e, apesar de delicioso, tem uma nota fresca que é um pouco agressiva e ligeiramente adstringente, arranhando um pouco a garganta. Tawfic sabe o que faz.
A massa sólida que é descartada é compactada em pequenos tijolos e usada pelos palestinos pra alimentar o fogo da prensa, mas também pra fazer fogo em lareiras e fornos à lenha. Por ter vestígios de azeite, esses tijolos pegam fogo mais rápido do que lenha. Tudo na azeitona é aproveitado.
Esse post não teria sido possível sem a ajuda do meu querido amigo Tawfic. Tudo que sei sobre azeitonas e azeite aprendi com ele. Além de ter uma paciência de Jó comigo e me explicar tudo sobre os produtos palestinos, ele sempre me convida pra jantar com ele e a esposa (que cozinha divinamente bem), traz comida pra mim sempre que o jantar na casa deles é vegano (imaginem que delicadeza: comida tradicional, vegana e deliciosa entregue na minha porta!) e sempre que vou ao Brasil manda um litro do seu maravilhoso azeite pros meus pais.
Esse é Tawfic e o pai, na loja deles, pertinho da igreja da Natividade (supostamente construída no lugar onde Jesus nasceu). Se estiverem de passagem pela Terra Santa, não deixem de fazer uma visita a eles. Tawfic vai te oferecer café (do Brasil! A Palestina não produz café e importa tudo do Brasil) e explicar como usar cada uma das dezenas de especiarias que ele vende (moídas por ele mesmo). E, o melhor de tudo, você vai voltar pra casa com uma garrafa do melhor azeite do mundo.
Cenas do próximo post: uma receita de pasta pra passar no pão usando azeitona e azeite.
*A segunda, sexta e décima foto foram feitas pelo meu amigo Fred, que visitou a prensa comigo.
E eu que me achava um pouco fora do normal por usar azeite no pão… agora vou fazer a resenha de que é gastronomia palestina 😉
Alta gastronomia palestina, rapaz! Não sei como vivi tanto tempo sem pão com azeite…
Sempre comi pão com azeite desde criança. Melhor que manteiga e muito melhor que margarina.
Pao com azeite eh combinacao milenar, do meio leste mediterraneo, dos Povos do Mar, dos egipicios, entrando pela peninsula arabica…. nada de alta gastronomia eh comida de todos, alimento do povo! Boa materia, Papacapim!
Arthur, o “alta gastronomia” foi brincadeira:)
Chovendo no molhado, Sandra: que delícia de post.
Tão bom saber esses detalhes, contados assim com a delicadeza de quem se sensibiliza com tudo que vive. A gente sente em cada palavra. Deu vontade de ser vizinha de vocês e do Tawfic 🙂
Sim, eu sou muito sensível ao meio que me envolve (pessoas, lugares, comidas) e sinto uma alegria imensa em morar nessa terra. Me considero extremamente sortuda por estar vivendo todas essas coisas e fico feliz em ver que isso consegue atravessar meus textos e chega até vocês. Tenho certeza que Tawfic ia gostar de te ter como vizinha, Nina. E eu também:)
Poxa, quem dera que o azeite do “Seu Tawfic” conseguisse chegar em terras brasileiras prá ser vendido… deu água na boca!
Infelizmente a exportação aqui é limitada e complicada (culpa da ocupação israelense que controla tudo que entra e saí da Palestina). E mesmo se isso não fosse um problema, a produção de Tawfic é muito pequena… Só mesmo visitando a gente aqui, Ana:)
Ai,que vontade desse azeite…..
E que gente guerreira e admirável vc e sues amigos!!!!!!!!!!
Obrigada Marly:)
Adorei, adorei!! Acompanho sempre seu blog e sou fã declarada! Obrigada por este lindo post que fala um pouco mais sobre a cultura árabe sob um prisma vegano. É tudo de bom!
Fico feliz por você ter gostado do post, Patrícia:)
Adorei o post Sandra. Parabéns!!! Amei saber, um pouco mais, sobre as azeitonas e o famoso azeite de Tawfic. Eu já tive a sorte de saboreá-lo e assino em baixo: É muito bom mesmo!!!
Tem muita gente com inveja de você nesse momento, Lulu. Todo mundo aqui adoraria provar o delicioso azeite de Tawfic…
ummmmmmmmmmmmm que delicia amo azeitonas,gostaria de ver tudo bem de pertinho
Muito interessante sua postagem. Parabéns.
Obrigada, Virgínia:)
siamarrei,show,divino,senssacionallllllllllllll…da pra empurra,um pedaçinho da Palestina para Rio de janriro,com parreira , prença e tudo.tawfic tu és o cara,valeu
AllanPatrick, aqui em minha casa somente eu como pão com azeite é delicioso,margarina, jamais.
Gente, o azeite do Tawfic me deu água na boca, amo azeite.
aqui na minha casa nos so usamos o azeite
alem das azeitonas serem feitas tbem pelo rei DAVI, gostaria muito de conhecer a palestina e toda a terra santa, queria mesmo era morar alguns anos ai, para poder ver tudo de perto a respeito de jesus cristo e andar onde os profetas andaram, gostaria muito de achar alguém que me desse essa chance e me levasse a terra santa, Ah/ DEUS.
Matéria ótima,sou adorador de azeite de oliva extra virgem,por isto minha curiosidade é,como se chama o local onde se fabricam o azeite de oliva.Grato : Elon
adoro azeitonas muito importante essa matéria!
Bah! (como dizemos nós gaúchos: que nascemos no Rio Grande do Sul, Brasil) Papacapím tu és fera mesmo! Gostei demais de “Da azeitona ao azeite”. Aprendi muito sobre azeitona, azeit de oliva e cultura. Sou professor de sociologia e curioso sobre os milagres da terra e seus frutos.
MUito bom o post!!!! tirei algumas duvidas sobre a produção!!!! o mês de descanso é uma dela. Saberia me informar quais são as variedades que ele cultiva???? se possuir mais informações técnicas poderia me encaminhar via email??
abraço e obrigado
parabens sei que agora até o rio grande do sul está produzindo azeitonas “que bom”
Só agora vi esse post. Minha sogra é portuguesa e fala do azeite de lá e come pão com azeite tbm! Mas, eu gostaria de saber mais sobre azeite virgem, extra virgem… Minha sogra está com 84 anos e há 57 está no brasil não sabe me explicar isso! E sobre diferenças de acidez, obrigada! Amei a reportagem! Amo azeite e ensino meus filhos a apreciarem tbm! Super valeu!!!!!!!!!!!
Eu amei esse tanto de informaçao. obrigada!
Qual o nome profissional de quem fabrica azeite?
Muito bom seu post, claro e informativo, obrigado e Deus abençoe.
Nossa !!como fui henriquecida com essas explicaçoes,e olha meu amigo eu tomei posse de cada palavra escrita sobre ir para la e conhecer esse homem e trazer uma garrafa do melhor azeite do mundo eu creio o meu DEUS vai me levar la Deus abençoe voce
Azeite…azeite…o melhor do mundo…é feito por cá….http://terramanhada.blogspot.pt/p/fabrico-do-azeite.html 🙂
Olá…eu amei seu post e deve ser demais colher azeitona diretamente do pé…eu queria a receita da pasta de azeitona e azeite mas não sei como procurar no seu site 🙁 poderia me enviar o link? Grata, bjo
Fernanda, entre o final de cada texto e o início dos comentários tem sempre o link pro post anterior (à esquerda) e pro próximo post (à direita). Mas coloquei também o link pra pasta de azeitona no próprio texto, quando menciono a receita, pra facilitar ainda mais a sua busca. Espero que goste. E se quiser encontrar a lista de todas as receitas no meu blog, é só clicar na página ‘Receitas’, na parte superior do blog (acima do nome ‘Papacapim’).
Eu sou compra pode azeite grande quantidade assim por favor me envie os preços e todos os detalhes e me dar preços
faisal Hussain
11977964596
desde criança que sempre gostei de bom azeite comer pão com azeite e uma maravilha um mangar do DEUS obrigada
Amei a portagem explicativa.Eu aprecio o azeite desde a infância.meu pai me ensinou a usá-lo no pão.e até hoje eu gosto do sabor da azeite no pão.tambem gosto de cozinhar com azeite.pena que no Brasil é uma vergonha.tudo batizado com outros óleos.
Fantástico, amei, pois precisei fazer um estudo bíblico sobre o azeite e me ajudou muito…
Muito obrigado!!!
Matéria Fantástica. Gratidão!
Papacapim , me passe seu e-mail . Sou fã do azeite extra virgem .Compro de 20 / 30 litros por vez. Geralmente , azeite italiano ou portugués. Meu avô era libanés e gostaria de experimentar azeite daquela região . Obrigao. juanmoya@uol.com.br
Ao fazer o meu misto-quente uso azeite e agora com essa informação vou usar com mais frequência.
Obrigada
Que post maravilhoso! Muito obrigada por sua delicadeza, amor e respeito colocados em cada palavra do seu texto. Você já fez o post das azeitonas marinadas?! 🙂
Acredita que depois de tantos anos, ainda não fiz esse post?