Algumas semanas atrás uma leitora (oi, Paula!) me pediu uma receita de tagine. Preciso confessar minha malvadeza: eu tenho uma receita arretada e escondi isso de você durante anos. Mas eu não podia continuar privando vocês dessa delícia, então aqui está minha receita de tagine de legumes.
Passei um mês no Marrocos vários anos atrás e tive a sorte de ficar hospedada na casa de alguns marroquinos. Pra mim foi uma oportunidade incrível de descobrir a autêntica culinária marroquina e fazer um mini curso de culinária com as mães dos amigos que me receberam. Na época eu não era vegana e aprendi a fazer alguns pratos tradicionais com carne, como couscous, tagine e bisteeya (uma espécie de torta salgada folheada, feita com massa filo, recheada com pombo ou frango e polvilhada com canela e açúcar). Claro que não faço mais essas receitas, mas a gastronomia desse país me inspira até hoje e acabei desenvolvendo alguns pratos que carregam os sabores e aromas do Marrocos, mas sem produtos de origem animal. Como a harira (umas das minhas criações mais populares) e esse tagine.
Antes ir pra receita, gostaria de chamar a atenção de vocês pra um pequeno problema linguístico (perdão, mas a linguista que trago em mim de vez em quando se manifesta). Eu não tenho ideia nenhuma do gênero gramatical da palavra ‘tagine’ em Português. Um tagine? Uma tagine? Não conheço o gênero da palavra em Árabe, mas em Francês (a maioria dos marroquinos fala Francês fluentemente) eles diziam ‘o’ tagine. Por isso usei o masculino aqui, mas gostaria de saber a opinião de vocês. É sempre problemático quando pratos estrangeiros entram no nosso vocabulário. Até hoje não sei se digo ‘o mousse’ ou ‘a mousse’. Cresci dizendo ‘o mousse’, mas depois que aprendi Francês descobri que essa palavra (que significa ‘espuma’) é feminina. Desde então não consigo me decidir. Mas ‘fondue’ também é feminina e todo mundo diz ‘o fondue’ (sabiam que purê, que é a versão aportuguesada do Francês ‘purée’ também é feminina? Já imaginaram o choque se alguém disser ‘Vou fazer uma purê de batata’?).
Bem, polêmicas gramaticais à parte, essa receita é suculenta, extremamente perfumada e deliciosa. Adaptei uma receita de tagine de legumes que achei na net tempos atrás, usando os ingredientes que eu mais gosto e tentando seguir os conselhos das mamas marroquinas que me ensinaram a cozinhar. Mas não todos! Tem uma diferença fundamental entre meu tagine e os que comi no Marrocos: a quantidade de óleo. Enquanto me mostravam como cozinhar, as mamas diziam ‘E agora você coloca um pouco de óleo’ e blub-blub-blub… alguns segundos depois elas tinham derramado metade da garrafa de óleo na panela. Juro! Pode ser autêntico, e garanto que o resultado era sempre saboroso, mas também era bem indigesto e depois das refeições eu sentia um peso terrível no estômago. Por isso quando preparo comida marroquina em casa uso muito menos óleo. Não acho que isso compromete o sabor, ainda mais porque as mamas usavam óleo de soja, nunca azeite, mas preferi avisar porque talvez tenham alguns puristas de culinária marroquina por aqui.
Pra quem nunca experimentou comida marroquina, os sabores são intensos e apurados, sem que os pratos sejam necessariamente apimentados (mas tem sempre um molhinho de pimenta- harissa- na mesa pra quem gostar de fogo). Tagines tradicionais cozinham longamente sobre um braseiro, em uma panela de barro rasa com uma tampa em forma de cone (que também se chama tagine). Eu fiz uma versão nada ortodoxa na panela de pressão, que concentra os sabores e deixam os legumes extremamente macios em um tempo muito mais curto.
Não se assuste com a quantidade de ingredientes dessa receita. Não tem nada muito exótico e você provavelmente encontrará tudo que precisa pra fazer esse tagine em um supermercado comum. O método de preparação também é muito simples: bater os ingredientes do molho no liquidificador, cortar os legumes, cobrir os legumes com o molho e deixar cozinhar na pressão. E o resultado…uma explosão de sabores na boca! Só provando pra entender.
Tagine de legumes
Essa receita é ainda melhor no dia seguinte, então se puder prepara-la na véspera, guardar na geladeira (depois de fria) e esquentar antes de servir, você não se arrependerá. Mas como ela faz uma quantidade grande de tagine, aqui em casa sempre sobra pro dia seguinte. Você também pode congelar os restos, mas preciso avisar que depois de congelados e requentados, os legumes começam a se desfazer (problema unicamente estético, já que o sabor continua ótimo). Minha panela de pressão é muito fraquinha e não pega mais pressão como antes, por isso o tempo de cozimento indicado pode variar. E se quiser fazer esse tagine em uma panela comum, aumente a quantidade de água e deixe cozinhar mais tempo, até os legumes ficarem bem macios e boa parte do líquido tiver evaporado. É muito importante cortar cada legume da maneira que indico: como o tempo de cozimento deles varia, cortar os legumes mais duros em pedaços menores faz com que tudo fique cozido ao mesmo tempo.
Molho
1 pimentão vermelho, picado grosseiramente
6-8 dentes de alho (dependendo do tamanho)
3cc de sementes de coentro
3cc de sementes de cominho
1cc de canela em pó
1/2cc de pimenta calabresa em flocos (ou só uma pitada, se você não gostar nem um pouco de pimenta)
1/2cc de cúrcuma
1 limão grande, raspas e suco
Um buquê pequeno de salsinha (aprox. 3 xícaras)
Um buquê grande de coentro (aprox. 4 xícaras)
3cs de azeite
Tagine
2 cebolas, cortada em pedaços grandes
1 couve-flor pequena, em pedaços grandes (prox. 600g)
300g de batata, em pedaços médios (aprox. 2x)
200g de jerimum de leite (ou outro tipo de abóbora), em pedaços médios (aprox. 1 1/2x)
1 pimentão, em fatias grossas
1 cenoura, em pedaços pequenos
4 tomates, em pedaços pequenos
2x de grão de bico cozido
5 tâmaras, sem o caroço e cortadas em 4 (ou ameixas secas, ou damascos secos)
500ml de água
Azeite, sal e pimenta do reino a gosto
Coentro pra polvilhar
Em uma frigideira seca, toste as sementes de comino e coentro durante alguns minutos, até elas começarem a estourar. Coloque-as no liquidificador junto com todos os ingredientes do molho e triture até ficar homogêneo. Em uma panela de pressão grande, aqueça 1cs de azeite e doure a cebola. Junte todos os outros legumes e refogue durante 3 minutos, em fogo médio-alto, mexendo frequentemente. Despeje todo o molho sobre os legumes, junte o louro, a água, uma pitada generosa de pimenta do reino e sal a gosto (comece com 1cc rasa e acrescente mais depois, se achar necessário). Quando começar a ferver tampe a panela de pressão, baixe o fogo e deixe cozinhar durante 20-25 minutos (a partir do momento que pegar pressão e começar a apitar). Desligue o fogo e espere a pressão se liberar naturalmente. Abra a panela e junte o grão de bico cozido e as tâmaras. Prove e corrija o sal (eu acabei acrescentando mais). Se os legumes estiverem cozidos, deixe ferver mais alguns minutos, até o molho engrossar. Se você achar que os legumes ainda não estão macios o suficiente (minha panela funciona mal e precisei de mais tempo), tampe e deixe cozinhar na pressão por mais 5-10 minutos. Idealmente os legumes devem ficar bem macios, mas não se desfazendo, e envoltos em uma quantidade moderada de caldo encorpado. Sirva bem quente, polvilhado com um pouco de coentro picado (eu não tinha mais coentro quando fiz a foto) e regado com um fio de azeite, se quiser. Acompanhe seu tagine de couscous marroquino, arroz ou, como eles fazem lá no Marrocos, de pão (escolha um pão rústico). Rende 8 porções.
Sandra obrigada por se ter lembrado do meu pedido! Estou tão feliz que nem tenho palavras para te agradecer. Finalmente vou poder fazer a tão desejada tajine (para mim é feminina 🙂 ) Mil beijos virtuais para você querida!
O prazer é todo meu, Paula. E já que pra você tagine é feminina e com j, estou ainda mais confusa:-S
Sandra acho que se pode escrever das duas formas. Pelo menos é o que diz aqui http://en.wikipedia.org/wiki/Tajine
Bonjour, Sandra! Adorei essa receita. E não tem nada sobrenatural de se achar, mesmo, concordo. Algum legume ou outro que esteja fora da época, ou que o mercado não tenha na hora, mas nada que ninguém desconheça. E já que você trouxe mais um pouco de linguística para nossa vida (adorei!), me ficou uma dúvida. Tagine se fala “tajine” ou “taguine”? Quanto ao gênero, se em Français é o tagine, fico com o masculino, sem machismos. Beijos e uma iluminada semana pra vc e Anne!
A pronúncia é ‘tajine’, Carlos. Aliás, tem gente que escreve com j, mas como é uma transcrição do Árabe, tanto faz. Um ótima semana pra você também:-)
Também gosto de tagine. Uma vez fui a um restaurante argelino com meus amigos, e quando disse que queria comer tagine, um deles me corrigiu que seria “tahine” . Mas o garçom, argelino, esclareceu que tagine (tajíne) era o nome do utensílio doméstico, nada tendo a ver com a pasta de gergelim…
Quanto à dúvida ortográfica, achei tanto tagine como tajine. Em relação ao gênero, já vi no masculino e no feminino.
Aliás, achei um artigo muito interessante sobre o gênero na língua portuguesa: parece que uma palavra de origem estrangeira só vai ter o gênero definido após certo tempo, quando for incorporado no vocabulário da língua portuguesa. Vou deixar aqui o link.
http://wp.clicrbs.com.br/sualingua/2009/05/14/o-genero-e-a-champanha/
Então ainda temos a liberdade de chamar ‘o’ ou ‘a’ tagine, né? De todo jeito o gênero gramatical não altera o sabor do prato:-)
Falar em “esconder”… Eu já terei netos e você não ainda não terá postado a receita de falafel, né, Dona Sandra?
O tagine parece nham… farei em breve.
Estou te devendo essa receita, moça… É que nunca fiz em casa, já que aqui tem falafels deliciosos em todas as esquinas e a preço de banana (na verdade mais barato que banana). Mas um dia ela chega, prometo!
Nossa nunca tinha ouvido falar nesse prato.
Ah, Sandra sou tão grata a você!
Vou experimentar!
Mas Sandra, gostaria de saber se você consome algum suplemento de ferro.
Esses dias me senti tão chateada com a família do meu marido, só faltaram dizer que eu estou “matando” ele (assim que me tornei vegetariana ele se sensibilizou também).
Tenho uma cunhada que é enfermeira, e ela e o namorado são carnívoros fervorosos, e a criatura fez o favor de dizer que nós NÃO conseguimos absorver o ferro dos vegetais, que é indispensável o uso de suplementos.
A declaração foi o suficiente para que as demonstrações de desgosto com a dieta vegetariana começassem.
Nem discuti, nem expliquei, deixei para lá…
afinal tenho certeza de que pesquisei, sigo as recomendações do Dr. Georges Guimarães, nessa pagina ai em baixo ele fala sobre o ferro.
http://www.nutriveg.com.br/ferro-na-dieta-vegetariana.html
Você ja falou sobre o ferro na receita da salada de feijões com quinoa (acho que é essa receita), mas fiquei na duvida ainda assim é preciso tomar suplementos?
Já marquei um nutrólogo , infelizmente não encontrei nenhum vegetariano, espero que ele não se oponha a minha escolha.
Obrigada, e me desculpe pelo texto enoooooorme! rsrs
Tatiane, eu não tomo, nem nunca tomei, suplemento de ferro. A última vez que fiz um exame de sangue pra saber se tinha alguma carência estava tudo ótimo, então nunca precisei suplementar o ferro (somente a B12, obrigatória pra todos os veganos).
Esse artigo do nutricionista George Guimarães explica direitinho a questão do ferro na dieta vegetal e gostaria de indicar também um artigo escrito pelo nutrólogo Eric Slywitch: http://www.alimentacaosemcarne.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=61:ferro&catid=49:nutrientes&Itemid=200004
Como George Guimarães explica ” a incidência de anemia ferropriva (por deficiência de ferro) não é maior na população vegetariana quando comparada à população onívora. Na verdade, ela é a deficiência nutricional mais comum em todo o mundo”. Sua cunhada enfermeira está muito mal informada, pois nós, vegs, não temos o monopólio da anemia:-)
Pra garantir sua dose diária de ferro consuma vegetais ricos nesse mineral, como leguminosas (feijão, lentilha), vegetais verde-escuro, castanhas e sementes, frutas secas e melado. E pra ajudar a absorção do mineral pelo organismo é importante:
-Incluir uma fonte de vitamina C durante as refeições ricas em ferro (saladas cruas temperadas com suco de limão, fruta cítrica de sobremesa…), pois a vitamina C é o mais potente promotor da absorção de ferro.
-Evitar ingerir alimentos ricos em cálcio junto com a refeição rica em ferro. Se você é vegetariana, cuidado com os laticínios! Aliás, justamente por causa dos laticínios, tem muito mais anênico vegetariano do que vegano. Além disso as proteínas presentes nos ovos, leite e queijos prejudicam a absorção do ferro, segundo o Dr Slywitch.
-Evitar bebidas como café, chás (preto, verde ou de ervas) e refrigerantes próximo às refeições, pois elas contêm polifenóis, que prejudicam a absorção do ferro (esqueça o cafezinho depois do almoço). Infelizmente o cacau também contem polifenóis, então chocolate de sobremesa não é uma boa ideia (pelo menos não regularmente).
Escrevi um pouco sobre o ferro na dieta vegetal na seção “Tire suas dúvidas”.
Espero ter ajudado.
Sandra muito obrigada pela dica!
Adorei a pagina do Dr. Eric Slywitch.
Fui pesquisar na seção “Tire suas duvidas” e acabei lendo um monte de post antigos que eu ainda não havia visto!
Obrigada
Fiquei com água na boca com esta receita! Imagino o sabor e aroma deliciosos, um prato que aconchega o estômago! Estou curiosa para experimentar.
Beijinho
Se experimentar me diga o que achou, Lina.
Sandra, acho que vou ficar fã de comida marroquina! O molho e os temperos parecem fantásticos, e a refeição parece tão balanceada e saboroso, como eu gosto 🙂
Adoro quando colocas aqui comida étnica que tiveste oportunidade de conhecer de perto.
Beijinho 🙂
Eu sabia que você ia gostar desse prato, Márcia:-)
Colega, acredita que tenho uma colinha impressa ao lado da tela do mu note no trabalho escrito:
A alface;
A musse.
Em negrito! se não, erro toda vez….
Sandra já fiz a receita da tajine e adorei! A mistura de sabores é realmente incrível e muito original, superou todas as minhas expectativas! Obrigada por esta delicia!
Que maravilha, Paula! É tão bom quando um prato supera nossas expectativas, não é?
Sem dúvida! As suas receitas superam sempre as minhas expectativas Chef Sandra!
Olá Sandra,
Quero fazer esta receita. O problema é qui aqui em casa o namorido não é muito fã de coentro( eu adoro).
O sabor dele fica muito pronunciado?
bjs
Susana
Foi o meu jantar de hoje. Achei a receita bem especial.
O sabor é marcante por conta das especiarias, mas ao mesmo tempo também é delicado.
Acompanhei a porção com duas colheres de sopa de couscous marroquinho. Ficou muito boa a mistura, couscous, definitivamete, nasceu para tagine.
Nunca tinha comido tagine a adorei a experiência.
Uma forma econômica e deliciosa de ir até o Marrocos. 🙂
O problema é querer voltar para casa…
bjs
Susana
Sandra, não consigo comer coentro e salsinha. Não vai!
Seria grave trocar por cebolinha??
Bjs!
Olá Sandra,
Quando estive no Marrocos, comi Tagine e Couscous acompanhados de legumes cozidos ao vapor ou grelhados com algum tempero que os deixava com uma coloração amarela ou dourada. Delicioso. Será que você saberia dizer quais os tipos de tempero que eles utilizam para essa preparação?
Os temperos que indiquei na receita acima. A cor amarela-dourada vem da cúrcuma.
Muito obrigada Sandra! Vou experimentar a receita logo!