Antes do veganismo entrar na minha vida eu adorava comer peixes e um dos meus preferidos era sardinha. Serei eternamente grata às latinhas de sardinha que eu comprava na mercearia da esquina e que me sustentaram durante parte da adolescência, quando eu estudava e trabalhava ao mesmo tempo. Durante mais de um ano eu almocei pão com sardinha (e café!) todo santo dia. Mais tarde, quando fui fazer faculdade em Paris, as pobres sardinhas continuaram sendo meu almoço, quase diariamente, durante os meus seis primeiros meses na cidade luz. Há anos deixei de comer sardinhas e agora minha alimentação, além de vegetal, é (felizmente) muito mais variada. Posso fazer como Franz Kafka e contemplar os peixes em paz. Vocês conhecem essa história? Dizem (dizem, porque naquela época a polícia vegana ainda não existia e não tinha nenhum representante pra comprovar o fato) que Franz Kafka, ao se tornar vegetariano, olhou pros peixes de um aquário e disse: “Agora posso contemplar vocês em paz: não os como mais”. Eu não fico em paz diante de aquários, pois lugar de peixe não é em caixas de vidros, mas vamos ignorar esse detalhe pra agradar os vegs que gostam de citar frases de outros vegs famosos (presente!).
Voltemos ao almoço que me alimentou durante meus seis primeiros meses em Paris. Cheguei por lá com muita coragem no peito e pouco dinheiro no bolso e espaguete com molho de tomate e sardinha era uma das refeições mais baratas que eu podia preparar na minha mini cozinha. Esse foi um dos primeiros pratos que aprendi a fazer, junto com a variação ‘cuscuz com tomate e sardinha’ e o meu amado sanduíche de sardinha (eu já disse que adorava sardinha? A população desse peixe quase desapareceu por minha causa). Uns tempos atrás lembrei desse espaguete e decidi fazer uma versão vegana. Não que eu use o meu precioso tempo pra tentar imitar pratos à base de animais, longe disso. Ultimamente passo meu tempo fazendo coisas muito mais úteis: tomando café, escutando Chico César e acariciando todos os gatos que cruzam o meu caminho. Mas de volta ao espaguete.
Desde que as algas entraram na minha dieta uma nova categoria de pratos se tornou possível. Agora posso preparar receitas com um leve, ou acentuado, sabor marinho e apesar delas não terem o mesmo gosto/textura de peixe o resultado é original e muito saboroso. Ainda não uso algas tanto quanto gostaria, mas aos poucos vou aumentando o meu repertório de receitas com esse ingrediente, que além de delicioso é cheio de proteínas e minerais. Estou adorando explorar o mundo dos vegetais marinhos.
Na versão vegana daquele espaguete uso alga dulse, uma das mais saborosas que já provei. Descobri que apesar do ‘sabor de mar’ estar presente em todas, cada alga tem um gosto único. Umas são mais fortes, outras mais delicadas, então aconselho que você prove todas que encontrar pela frente pra ver qual é a sua preferida. Outra mudança que fiz aqui, quando comparo com a receita original, foi o uso de ingredientes de melhor qualidade. O espaguete é de farro integral (um tipo de trigo antigo), a polpa de tomate é orgânica e pura (nenhum outro ingrediente entrou na sua composição), uso sal marinho e azeite extra virgem… Mas o espírito do prato continua o mesmo. Ele é uma refeição rápida e prática, capaz de alimentar grandes fomes por um preço módico (o uso de espaguete comum e tomates frescos deixam a receita ainda mais barata, claro). Algas podem até ser mais caras do que sardinhas, mas você só vai precisar de uma quantidade pequena pra perfumar todo o prato.
Hoje almocei esse espaguete com algas na varanda do meu novo lar em Bruxelas. Quase doze anos depois, cá estou eu na Europa, mais uma vez com muita coragem e pouco dinheiro (a melhor fórmula pra viver aventuras incríveis, garanto). Mas aprendi umas coisinhas desde a primeira vez que pus os pés no velho mundo. Deixar as sardinhas em paz foi uma delas.
Espaguete com molho de tomate e algas
Nessa receita gosto de usar alga dulse (palmaria palmata), uma das minhas preferidas. Mas wakame e nori também são boas opções. Se não encontrar algas em flocos, use uma tesoura pra cortar a alga desidratada (em tiras ou folhas) em pedaços miúdos. Usei polpa de tomate porque onde moro não tem mais tomates nessa época do ano, mas nada te impede de fazer seu próprio molho com tomates frescos.
200g de espaguete cru (usei de farro, um trigo antigo, integral, mas qualquer tipo funciona aqui)
1 cebola, picada
4 dentes de alhos, picados/amassados
300g de polpa de tomate (feita com tomate e nada mais)
2cs de algas marinhas desidratadas em flocos (veja conselhos acima)
Uma pitada generosa de orégano desidratado (ou manjerona)
2cs de azeite
sal e pimenta do reino a gosto
Ferva uma grande quantidade de água salgada e cozinhe o espaguete. Enquanto isso aqueça 1cs de azeite e doure a cebola. Junte o alho e cozinhe mais alguns instantes. Acrescente a polpa de tomate, a alga em flocos e o orégano e deixe ferver. Tempere com sal e pimenta do reino a gosto. Despeje o molho sobre o espaguete cozido, regue com 1cs de azeite e misture bem. Sirva imediatamente, polvilhado com mais pimenta do reino (de preferência moída na hora). Rende duas porções.
Toda semana faço macarrão com molho de tomate porque é a comida favorita do meu marido. Vai fazer o maior sucesso aqui em casa essa versão.
Me conte se ele gostou, Camila:)
Que postagem mais gostosa (na acepção do termo!!).Eu também adorava sardinhas antes de ser vegana. Que bom termos as algas para nos trazerem o gostinho do mar! Não havia pensado em prepará-las com massas. Vou já colocar em prática a sua boa ideia. Obrigada pela estorinha, por nos trazer o magnífico universo de Franz Kafka e, sobretudo, por compartilhar a sua gostosa receita. Boa estada em Bruxelas! E felicidade!!! Beijos, Margaret.
Muito obrigada, Margaret:-)
Eu amo seu blog, está no meu TOP blogs e como você escreve… é um doce! Mas eu queria te salvar de algum comentário maldoso e avisar o quanto antes, é Kafka, não? Desculpe dizer isso assim, mas se como eu gostaria de ser avisada, faço o mesmo. Um beijo enorme e parabéns!
Claro que é Kafka, não sei onde estava com os olhos que não vi o erro de digitação!!! Muito obrigada por ter me avisado:)
Ah! E não precisa publicar o comentário, é só pra você! ;*
Imagina! Fico tão feliz quando me avisam de algum erro de digitação (ou de gramática) nos meus posts. É muito melhor do que descobrir anos depois e morrer de vergonha pensando em todas as pessoas que leram aquilo 🙂
Tomei um susto!! Achei que vc tinha voltado a comer sardinha… Muito legal esse prato, pode botar na lista das que vc vau fazer qndo estiver lá em nois. Rssrrsrs bjooo
Pra felicidade geral das sardinhas, eu continuo não querendo que elas apareçam mortas no meu prato:) E pode deixar que preparo esse prato pra você, minha flor.
Parabéns pelo blog. Suas postagens são de muito bom gosto, além de muito úteis. Estive até agora pouco literalmente com a mão na massa e quando entro no site, vejo uma receita de macarrão! Muito oportuno. Aproveito pra pedir ajuda: estou tentando fazer massa de macarrão sem ovos e sem glúten. Não tem sido fácil. Hoje tentei com farinha de arroz e farinha de linhaça hidratada pra dar liga. Também coloquei um pouco de batata doce cozida. A linhaça ajudou muito a dar liga, porém os fios quando saem da máquina ainda estão quebradiços. Conhece alguma receita que deu certo?
Grande abraço!
Rapaz, você me pegou desprevenida. Ainda não comecei a explorar o mundo das massas sem glúten, mas garanto que se um dia eu tiver algum sucesso nessa área correrei aqui pra dividir com vocês.
Eu adorava um macarrao que a minha mãe fazia, era com o tipo “parafuso”, com atum, maionese e coentro e servido gelado. Uma bomba de calorias, eu sei, mas era muito gostoso. E desde que me tornei vegana sinto falta desse gostinho, até entao nao consegui pensar em nada parecido. Mas esse está muuiyo bonito e apetitoso, vai emtrar na minha lista de comidinhas da semana. Minha namorada adora quando tem receita nova por aqui, porque sabe que vai ter comida nova no nosso almoço da semana! Kkkk. Beijos!
Tenho certeza que você vai conseguir veganizar a receita da sua mãe substituindo o atum por algas, Ingrid. Se experimentar, conta pra gente como ficou.
Tu és demais Sandra! Obrigada. Obrigada por me teres feito vegana e amar esse facto, obrigada pela inspiração e pelas palavras. Beijo!
Eu é que te agradeço, Inês.
que delícia, Sandra! como sempre,mandando bem demais! até agora só consumi algas nori, mas vou buscar as demais. Estou curiosa! obrigada pela receita!
Corina, se você não achar dulse, alga nori também dá certo aqui.
Sandra, sempre nos inspirando e compartilhando! Obrigada.
🙂
Engraçado que acabo de notar que eu cheguei até seu maravilhoso blog (com cara de sala de estar bem aconchegante, daquelas que chegamos, pegamos uma xícara de chá e ficamos papeando sem sapatos, com os pés encolhidos no sofá ou no chão) inicialmente por conta das receitas veganas e para aprender mais sobre como me tornar vegana, como seguir nesse processo. Porém, minhas visitas frequentes tem sido mais pelas histórias em si e pela forma deliciosa que você escreve e que me encanta! Espero que quando eu conseguir comprar o meu fogão para o ap novo eu possa mudar isso e, enfim, visitar por ambos motivos e para partilhar minhas próprias experiências gastronômicas, rsrsrsrs. Bjs e muito sucesso na nova empreitada! 🙂
Seja muito bem-vinda à minha sala de estar, Ana Paula. Pode tirar os sapatos, puxar uma almofada e ficar bem à vontade. Se pudesse te ofereceria um chá e uns biscoitinhos, mas nessa sala virtual só posso oferecer histórias e receitas 🙂
Menina, hoje mesmo estava matutando uma maneira de fazer bobó de camarão sem camarão (ou seja, vegetariano)….pq estou começando a trocar minha dieta e meu papai há anos já abandonou as carnes em geral…..acho que colocando as algas deve dar um efeito parecido! Mas nunca ouvi falar dessa alga dulse, será que vende aqui no Brasil (Recife)?
Anay, comi um bobó vegano com algas maravilhoso no restaurante Papaya Verde, aí em Recife, então pode ter certeza que vai dar certíssimo! E se não achar dulse, use alga do tipo nori que é fácil de encontrar.
Sandra, e o azeite de dendê? Pode? Faz mal????
Anay, não tenho informação suficiente sobre azeite de dendê pra formar uma opinião. E como nunca uso esse ingrediente nas minhas receitas, nunca procurei saber mais sobre ele.
Nossa parece ótimo.
Menina, estes dias estava na internet e achei um site que achei sua cara:
http://compassionatecuisineblog.com/category/receitas/pequeno-almoco/page/2
As receitas são meio que na linha do seu blog. Vi até uma papa tipo a sua de aveia,só que de amaranto.
Acho que vai gostar. 🙂
bjs
Susana
Menina, esse é o blog de Márcia, que vez por outra aparece por aqui e já virou uma amiga virtual 🙂 Adoro o Compassionate Cuisine!
Acho que nós temos gostos muito parecidos, Susana. Tudo que Márcia posta lá me dá água na boca e as fotos dela são lindas. E como ela estuda nutrição, temos muitas coisas em comum. Espero um dia encontra-la pessoalmente, tenho certeza que seremos boas amigas ‘reais’ depois desse tempos de amizada virtual 🙂
Essa polpa de tomate é daquelas de latinha? Como é feito molho sem ser pronto?
Gisele, é só triturar tomates. Podes usar um liquidificador, mas basta uma colher como eu uso. Esmagas os tomates com a colher pressionando-os no fundo de um copo alto. Juntas um pouco de nada de água enquanto o fazes e já está.
Olá.
Como já disse, adoro este blog que descobri recentemente.
Agora, decidi que todos os dias ia fazer uma receita diferente e tirada daqui. 🙂
Hoje vou na segunda (a primeira foi o “ensopado de alho poró” – fantástico!) e acabei de comer agora. Vou deixar minha humilde sugestão em relação a esta receita depois de a ter provado: da próxima vez que a fizer não vou utilizar 300 gramas de tomate (ou polpa) mas sim umas 250 gramas ou se calhar até mesmo 200 gramas.
Em relação às algas, em vez de duas colheres de sopa, da próxima vez vou utilizar duas folhas inteiras. Penso que as folhas de algas (quando compradas em folhas) sejam todas do mesmo tamanho. Se não, peço desculpa. “Das minhas” (lol) vou utilizar duas folhas de algas. Com esta receita – 2 cc – deu uma folha. Achei pouco quando fui comer.
As quantidades de muitos ingredientes das minhas receitas são sugestões baseadas no meu gosto, mas claro que cada um deve adapta-las às suas preferências pessoais. Eu mesma quase nunca sigo indicações de receitas 😉
Menina, descobri o seu blog em outro blog e estou devorando post atrás de post. Em primeiro lugar, você escreve muito bem, meus parabéns! É difícil achar blogueiras tão atentas à gramática e à ortografia do nosso querido – e tão torturado – português 😉
Em segundo lugar, sou vegetariana há 9 anos (comecei com 15!) e vivi veganamente na Alemanha por praticamente dois anos. Sinto uma falta imensa de eliminar tudo animal da minha vida e assumir a postura política que tinha na Batatolândia mas cá no Brasil é meio difícil. Enfim, ano que vem estarei de volta á Europa e talvez more um tempo em Paris pour la fac. Diga-me lá, então (não sei se você já escreveu sobre isso, estou lendo de frente pra trás ;), como fizestes para te sustentar em Paris? Sei que é uma cidade caresésima, ainda mais no quesito moradia. Tenho minhas economias e pretendo trampar (de preferência num restau veggie ou numa lojinha veggie. A-do-ro), mas gostaria de ter uma estimativa/segurança, já que sou o meu próprio patrocínio, sabe? heheheh
Aquele beijo!