Poucos dias depois de ter chegado em Bruxelas aconteceu um evento de alimentação orgânica-alternativa-ecológica na cidade. No panfleto que explicava quais projetos e organizações estariam presentes, descobri que tinha um grupo de jovens belgas produzindo cogumelo em borra de café. Achei a ideia inusitada e imediatamente fiquei com vontade de saber mais sobre o projeto, que se chama Permafungi. Mas no meio da multidão que apareceu pra participar do evento acabei não encontrando o stand deles e nunca mais pensei no assunto.
Até que algumas semanas atrás, procurando endereços de hortas urbanas por aqui, lembrei do projeto. Bastou digitar as palavras ‘cogumelo’, ‘borra de café’ e ‘Bruxelas’ no Google pra achar o site deles. A proposta do projeto é produzir cogumelo do tipo ‘pleurote’ (uma alternativa interessante aos produtos de origem animal, como eles dizem) de maneira ecológica e local, usando a borra de café dos bares da cidade como substrato. Eu precisava conhecer esse pessoal e ver isso tudo de perto, então fiz algo ousado. Enviei um email dizendo: “Adorei a proposta do projeto e gostaria de saber mais sobre a produção de cogumelos em borra de café. Sou criadora de receitas vegetais e posso criar receitas exclusivas pra vocês em troca de conhecimentos. Também aceito postar suas cartas e fazer café. Faço qualquer negócio pra descobrir tudo sobre seus cogumelos.”
Cara de pau é algo que realmente não tenho, mas eu não tinha nada a perder, então enviei o email e fui cuidar da vida. Qual não foi a minha surpresa quando na manhã seguinte vi que eles tinham respondido me convidando pra bater um papinho e visitar o lugar onde os cogumelos são produzidos! Desde então estou colaborando com esse super projeto, criando receitas e fazendo degustações, tudo à base de cogumelos. O que me fez pensar em todas as oportunidades que perdi justamente por morrer de vergonha de fazer proposições às pessoas. Então tive a seguinte revelação (que não poderia ser mais óbvia): quando a pior coisa que pode acontecer é a outra pessoa dizer ‘não’, você tem muito mais a perder se não fizer a pergunta/proposta. Mas voltemos ao cogumelos.
Esse é um dos meus alimentos preferidos e em matéria de sabor e textura é um substituto natural da carne animal (atenção: em termos de proteína e ferro os melhores substitutos da carne animal são as leguminosas). Um amigo vegetariano me disse um dia: ‘Cogumelos são os bifes da natureza’ e ele está certo. Por ser repleto de ‘umami’ ele oferece a satisfação gustativa que muitas vezes fica de fora nas receitas vegetais. E como o pessoal do projeto me fornece cogumelos fresquinhos pros meus testes, estou deixando minha criatividade correr solta e descobri que eles são ainda mais versáteis do que imaginei. Espero dividir algumas dessas receitas com vocês em breve, mas por hora está tudo em fase de experimentação.
Alguns dias atrás organizamos uma degustação pra convidar um grupo de dez pessoas a descobrir o sabor desse vegetal (que, biologicamente falando, não é um vegetal, mas passemos). Minha missão era a seguinte: criar uma receita onde o sabor do cogumelo brilhasse intensamente, mas que fosse ao mesmo tempo simples e original. Mas tinha um pequeno problema. A próxima colheita ainda não estava pronta e tudo que eles podiam oferecer era um pacotinho com os cogumelos de algumas semanas atrás, desidratados. Como o objetivo dessas degustações é mostrar a superioridade do sabor dos cogumelos do projeto, não fazia sentido comprar cogumelos frescos em outro lugar, então eu teria que criar uma receita com os cogumelos desidratados da casa. E isso limita bastante o tipo de receita que eu posso criar, já que mesmo depois de hidratados, cogumelos secos nunca voltam a ter a textura de cogumelos frescos.
Então falei pros rapazes que faria um risoto, que é o que geralmente faço quando tenho cogumelos desidratados. A receita não seria original, mas era tudo o que eu podia fazer com os ingredientes que tinha. Só que durante dias fiquei pensando se eu não poderia fazer algo mais criativo. A degustação aconteceria no domingo ao meio dia e no sábado à noite, depois de ter comprado todos os ingredientes pro tal risoto, eu ainda estava incomodada com a perspectiva de servir algo tão pouco original. Então as 22h30 fui pra cozinha e preparei um velouté de cogumelos. Valeu a pena ter mudado os planos de última hora. O velouté ficou extremamente delicioso e no dia seguinte fui pra degustação um pouco cansada, culpa do trabalho noturno, mas radiante, pois sabia que a receita seria um sucesso (e foi!). Lição número dois: a ousadia e a coragem de fazer mudanças de ultima hora também compensam
Preciso confessar que essa maravilha de sopa não foi uma criação minha. Fazia tempos que queria provar provar essa receita, de um chef americano que eu admiro intensamente (algum dia explicarei minhas razões). Tudo que eu fiz foi adapta-la ligeiramente, usando os ingredientes que eu tinha à disposição e deixando um ou outro de fora. A engenhosidade dessa sopa é que o ‘creme’ é feito com pão e azeite, um truque que já apareceu por aqui nessa outra receita maravilhosa (se você ainda não experimentou, não perca tempo). A consistência fica perfeita e quem prova jura que tem creme de leite ali. A criatividade da culinária vegetal nunca vai parar de me surpreender. E nessa receita, como o chef que a criou explicou (um onívoro, diga-se de passagem), o fato do ‘creme’ ter um sabor neutro, diferente de laticínios, que têm um sabor mais pronunciado, faz com que o cogumelo acaricie suas papilas ainda mais intensamente. Amantes de cogumelos, eu vos apresento o nirvana.
Pleurote (Pleurotus ostreatus), o tipo de cogumelo cultivado pelo pessoal do projeto, tem um sabor delicado e textura suculenta. Ele fica perfeito grelhado ou em pratos com molhos cremosos. Eu provei pela primeira vez aqui na Bélgica e virei fã. Embora eu tenha usado esse cogumelo pra fazer o velouté, você pode usar outros tipos também. Fiz da primeira vez com pleurotes secos e na segunda com pleurotes frescos e a textura fica mais cremosa com cogumelos frescos. Ou, melhor ainda, use uma mistura de cogumelos frescos e secos (marrons frescos e shiitake secos, por exemplo), pois o sabor será ainda mais intenso. Aliás é isso que a receita original aconselha.
PS: algumas das fotos acima foram feitas durante uma degustação no Salão Slow Food Bruxelas (fotos de Anne Paq), com Martin (um dos fundadores do projeto) e a irmã dele. Eu sei, eu sei, ele é um colírio pros olhos…
Velouté de cogumelos
Velouté (leia ‘velutê), que significa ‘aveludado’ em Francês, é um tipo de sopa cremosa. Escolha um azeite bem suave pra não encobrir o sabor dos cogumelos. Você pode usar qualquer tipo de pão aqui, mas se o seu tiver uma crosta grossa use apenas o miolo. O shoyu e o misô proporcionam uma dose extra de umami à receita, deixando a sopa ainda mais saborosa. E não deixe de consultar a receita original (em Inglês) pois tenho certeza que com os ingredientes que deixei de fora essa sopa fica ainda melhor. Como disse acima, fiz essa receita com cogumelos frescos e secos e o ideal é uma mistura dos dois.
1 alho-poró ( somente o branco ), picado
1 cebola, picada
2 dentes de alho, amassados/picados
4 x de cogumelos marrons, picados (ou brancos, se realmente for tudo o que você puder encontrar)
1/2x de cogumelos secos (shiitake ou outro cogumelo escuro e de sabor forte)
2 folhas de louro
1 cs de molho de shoyu
1 cc de misô escuro
2 punhados de pão (cerca de 2 xícaras de pão cortado em cubos )
5 cs de azeite de oliva (suave)
Sal e pimenta do reino a gosto
Cubra os cogumelos secos com uma xícara de água e leve ao fogo. Quando começar a ferver desligue o fogo e deixe descansar, coberto, por 15 minutos.
Em uma panela grande aqueça 2 cs de azeite e refogue o alho-poró, a cebola e o alho em fogo baixo, até que fiquem macios e translúcidos. Adicione os cogumelos picados e uma pitada generosa de sal. Deixe cozinhar alguns minutos em fogo médio-alto, até o líquido liberado pelos cogumelos evapore completamente. Adicione as folhas de louro, os cogumelos reidratados (junto com o líquido) e 1 litro de água. Deixe cozinhar, coberto, durante 15 minutos.
Desligue o fogo e acrescente o pão, o molho de shoyu, o miso e uma pitada de pimenta do reino. Quando a sopa tiver esfriado um pouco descarte as folhas de louro e triture tudo no liquidificador até obter uma mistura homogênea. Com o motor ligado, despeje lentamente 3cs de azeite. Isso vai emulsionar a sopa e deixá-la extremamente cremosa. Aqueça a sopa antes de servir. Prove e ajuste o tempero se necessário. Rende 4 porções.
(Se quiser deixar seu velouté mais elegante, como na foto acima, corte alguns cogumelos em fatias finas e frite no azeite até ficar ligeiramente crocante. Na hora de servir distribua os chips de cogumelos sobre as porções, decore com um fio de azeite e pimenta do reino moída na hora.)
Sensacional Sandra! Tudo o que eu precisava! De hoje essa sopa não me escapa. Mas tenho algumas dúvidas: se eu usar apenas cogumelos frescos, uso a mesma quantidade (4x e meia) ou mais? E a folha de louro, é pra tirar antes de bater né? Muito obrigada! Bjss
Sim, sim, é pra retirar as folhas de louro antes de bater a sopa no liquidificador. Ainda bem que você reparou o meu esquecimento, Sophia. Vou corrigir agora. E quanto aos cogumelos frescos, use 5x (já que os cogumelos secos aumentam de volume depois de hidratados e aquela 1/2x se transforma em 1x).
Sandra! Fiz ontem e ficou maravilhoso! Segui a receita original, mas usei vinho branco seco e maizena no lugar do trigo. Os cogumelos foram paris e shitake frescos. O sabor ficou bem marcante, amei! Obrigada por compartilhar essa receita espetacular. Repetirei sempre que puder! Beijos!
Sandra, muito interessante esse projeto. Sou um grande fã e um grande consumidor de cogumelos (não-alucinógenos, diga-se de passagem) justamente pelo gosto e textura. Por coincidência, vinha tentando descobrir métodos de cultivo, um tanto por hobby. Vou estudar o método e esse creme de pão também!
Abraço
Oi Sandra!
Você está trabalhando nesse projeto, que legal!! Uma amiga tinha divulgado eles no facebook dela, achei um máximo, pensei até em encomendar a caixinha deles, ou fazer o workshop de cultivo que eles oferecem, mas ultimamente estou completamente atolada de coisas que terei que deixar pra quando eu entrar de férias.
Mas a sopa eu vou tentar o quanto antes possível!! 🙂
Bjks Bia
Também aprecio muito cogumelos. Em Itaipava(Petrópolis, RJ) temos muito cogumelo shitake. Será que daria certo com ele?
Em março, estive em Lisboa e conheci um restaurante especializado em cogumelos chamado de “Santa Clara dos Cogumelos”. Comi patê, sopa e risoto. Tudo delicioso. Fica no Campo de Santa Clara.
Enfim, já estou ansiosa para provar mais essa receita. Obrigada, bjs.
Angela,
tb moro no Rio e amo cogumelos. Tem um restaurante também aí em Petrópolis (no Rocio) que é especializado. É produção própria e dá pra levar pra casa tb: http://www.funghidoro.com.br/
Sandra, adorei sua audácia, e não vou perder o site de vista, adoro aprender. Bem haja.Vivo em Portugal, em Évora, apesar da distância, abençoada Net que nos une. Vou fazer a sopa, ainda mais usando pão, ingrediente adorado pelos alentejanos.
Obrigada
Bjs
Sandra , gostaria de uma legenda para entender , desculpa a ignorância.
(cs)(cc) (4x) (1/2x)
Sem problema, Bruno. Lá vai: cs= colher de sopa, cc= colher de chá, x= xícara.
Sou uma entusiasta da alimentaçao natural, e com cogumelos td fk melhor!! Adorei a proposta do cultivo e claro da receita!
Adorei a história da cara de pau! Melhor ainda que deu certo! Teremos mais receitinha com cogumelos?? Mmm! O frio está chegando e essa sopinha ultra cremosa está convidativa!
Ps.: Vc tem alguma dica para preparar aquele hirataki salmão?
Ps2.: ainda vou fazer todas as receitas do seu blog, estilo Julie e Julia! (de preferência sem a parte de vc ficar ofendia! )
Sandra, adoro seu blog e hoje estou fazendo o queijo de castanhas pela 5ª vez – viciei, não sei mais viver sem ele, é uma receita maravilhosa. Mas confesso que cogumelo acho muito estranho. Parei de comer carne há muuuitos anos porque nunca gostei realmente de carne. Mas cogumelo, afinal, o que é? Não tem cara de vegetal, nem cheiro, nem sabor… me lembra carne! Por isso nunca consegui gostar de cogumelo.
Adorei o post! Parabens pela coragem e ousadia! Valeu muito! Vou fazer o velouté correndo! By the way, quem é o chef americano que vc admira? Um abraço!
Passei aqui só pra babar por vc. Eu que sempre fui seu fã, me apaixono um pouco mais cada vez q vejo alguma coisa q vc faz. Chef vegana elevou o grau de admiração além da estratosfera.
Adorei o site e a saudade aumentou no mesmo nível da admiração.
Drinha… quanto tempo!
Fico muito feliz em ver seu dominio culinário. Ainda me aventurarei a fazer uma dessas receitas.
Como você está? Onde você está? kkkk
Super beijo. Pryscila
Sandra….que máximo!!!! Já anotei no meu livro de receitas. Só pulei o alho poró….comi tanto que tenho trauma, rsrsrsr não suporto nem vê-lo na banca da feira….. Fique com Deus e muito obrigada por compartilhar suas riquezas de conhecimento, sempre tudo simples de fazer e postados por voce com muito carinho, pois a gente sente isto….um beijo grande em seu coração.
Sandra,
Adorei a receita e principalmente a ideia de usar restos de pão no preparo de sopas, pois tenho pavor de deixar comida estragar, rs Já reproduzi a receita ontem no jantar. Infelizmente só tinha cogumelos secos (funghi e shitake), mas ficou uma delícia! Aprovadíssimo! Obrigada por compartilhar seu conhecimento conosco! Sou uma grande fã! Bjs
Eu é que te agradeço por ter vindo contar aqui como ficou o seu velouté, Vanessa. Fico feliz em saber que você gostou.
Minha nossa!!! parece deliciosa!! gratidão 🙂
Sandra, aproveitando o assunto do post, decidi vencer a timidez para dizer que adoro o seu blog e o seu jeito leve e bem-humorado de escrever. Há pouco tempo, raramente cozinhava em casa, mas as suas receitas me deixam tão animadas, que estou gostando cada dia mais de preparar minhas refeições. Já testei e aprovei várias das suas receitas (meu namorado onívoro também tem gostado!) e incorporei de vez a papa de aveia à minha vida. Gratidão por compartilhar seus conhecimentos de forma tão agradável e generosa!
Colega,
Que saudades…. Parabéns pela intrepidez, fiquei mt orgulhosa 😀
beijos
uhuhu…entrei para pegar a receita do queijo de castanha e me deparei com esta delícia…tenho todos ingredientes na frigider, como diz minha sogrinha. Afe!!!! compro as castanhas e consumo antes de fazer o tal queijo sempre, mas hoje as castanhas não me escapa do destino….ah… O mais engraçado, é
que qdo leio o post já começo a conversar contigo, tô parecendo o Remi conversando com Gusto no filme ratatoille….rs
🙂
Oi Sandra adorei este post. A proposito tb. ando procurando por aqui na região entre Nice e Cannes “hortas urbanas” e comunitárias e não acho nada. Fiz um tipo de horta vertical aqui nas minhas janelas, já que não tenho um jardim ou varanda e atualmente estou com todo o tipo de temperos, como basilicão, alegrim,mangerona, salsa, sálvia, erva doce, tomilho e etc… tenho também bastante flores de capucine para usar em saladas. Estou com umas 10 mudas, que já estão ficando grandes de Curcuma.
Tinha pensado em ir a Prefeitura aqui da cidade e perguntar se eles tem projetos de hortas comunitárias, mas desisti porque achei que eles talvez me achariam estranha…. Lendo teu post, vou perder a timidez e ir a prefeitura e fazer as perguntas sobre hortas comunitárias…. como vc.diz a pior coisa que pode acontecer é receber um “Não” (rsrsrsrsr).
Olá Sandra!
Parece uma delícia.Se tiver alguma receita de almôndegas veganas perdida por aí seria muito bem vinda 🙂
Ah..não esqueci do carbonara vegano rsrs.
Muita luz para vc e Anne nessa nova etapa.
bjs
Susana
A aparência ficou ótima. Lindo mesmo. Fiquei bem curiosa. Talvez busque uns cogumelos diferentes por aqui para fazer.Boa semana
sucesso total essa receita.
Oi Sandra, obrigada pela receita incrível. Qual tipo de pão você indica para utilizar nessa receita? Beijo!