Começou de novo. Quando explico que estou em Beirute passando uma temporada de três meses as pessoas imediatamente me perguntam: “Onde você mora?”. Respondo: “Em Beirute” e termino a frase na minha cabeça com “…ora pois!” Mas elas nunca ficam satisfeitas, pois esperam uma resposta definitiva. O que eu não tenho.
A vida de nômade, que adotei quando saí da Palestina em 2013, continua, mas alguma coisa dentro de mim começou a mudar. Outro dia me surpreendi contando pra uma amiga: “Meu sonho atual é morar em um lugar tempo suficiente pra plantar ervas e vê-las crescer. Sonho com vasos de alecrim e tomilho. Que pessoa sem graça me tornei, sonhando com plantas em vasos.” Então lembrei que um dia ela, que tem um jardim com alecrim e tomilho na sua Jerusalém, disse que admirava o meu espírito aventureiro e que sonhava em morar em outros lugares, mas que tinha medo de abandonar o conforto do conhecido. Moral da história: o alecrim da outra é sempre mais verde.
Mas ser nômade tem inúmeras vantagens, obviamente. Conhecer novos lugares e novas pessoas, ver realidades diferentes, descobrir novas culturas, expandir os horizontes e o repertório culinário… Estou adorando morar em Beirute. Que cidade fascinante! Sempre quis passar uma chuva aqui e não caibo em mim de alegria por estar vivendo mais essa experiência. Na maior parte do tempo até esqueço o sonho das plantas nos vasos.
Decidi me mudar pra cá seis meses atrás. Na época eu estava morando e trabalhando em Londres, pensando no que faria da vida no início de 2016, depois da temporada de três meses na Palestina (onde aconteceram os dois tours político-gastronômico-ativista-vegano-feministas Papacapim;) Anne foi me visitar em Londres e falou que estava pensando em ir pra Beirute pra fazer um projeto sobre os refugiados palestinos e sírios no país. De repente a ideia de me juntar a ela pareceu supimpa. Não sei de onde veio a impressão de que aquilo era a coisa certa a ser feita, mas agora que estou aqui tenho certeza que estou exatamente onde deveria estar. Essa nova etapa da minha vida faz muito sentido e está em perfeita harmonia com o caminho que estou seguindo.
E falando no meu caminho, gostaria de escrever algumas linhas sobre algo que está me cutucando desde que Anne falou, olhando os últimos posts que apareceram aqui no blog: “Beirute, Paris, Marselha, Palestina, Londres… Quem lê seu blog deve imaginar que você leva uma vida ultra glamorosa.” Não sei se tem gente pensando que vivo “a pão-de-ló e Moët & Chandon”, até porque as leitoras de longa data sabem de detalhes da minha vida que mostram o quão simples (ou “roots”, como minha irmã vive me dizendo) ela é. Mas se ainda não ficou claro, saibam que eu não tenho renda fixa, não tenho sequer uma conta bancária (consequentemente não tenho cartão de crédito), não tenho plano de saúde nem economias (poupança, bens) e me acontece de chegar em uma cidade nova com recursos suficientes pra me manter durante apenas um mês (e às vezes sem saber o que farei nem aonde irei depois). Tive que abrir mão da segurança financeira (emprego fixo, salário todo mês) pra poder levar a vida que levo hoje e sei que isso seria uma fonte de estresse terrível, talvez até insuportável, pra muita gente. A vida de sonho pra uns é um pesadelo pra outros. Mas se você me perguntar vou responder que essa não é uma vida “de sonho” e sim a vida dos meus sonhos, a vida que eu sempre quis ter e que me faz feliz no momento. Não tem glamour nenhum, tem preocupações e espinhos como a vida de qualquer pessoa, mas ela foi criada sob medida pra oferecer o que o meu coração (e o meu só) deseja.
Depois dessa tentativa de desanuviamento, voltemos à Beirute. Eu mencionei no último post que tinha sido convidada pra cozinhar em um restaurante veg da cidade. Preparei um menu (vegano, claro) de inspiração sul-americana, que foi servido somente no sábado e domingo passados e foi um sucesso absoluto! Na quinta já estava tudo reservado pros dois dias e tivemos que recusar várias pessoas. Não imaginei que o interesse do pessoal local seria tanto e o feedback foi extremamente positivo. Tanto da parte dos veganos quanto dos onívoros.
Curiosamente o prato que fez mais sucesso com os onívoros foi o ceviche de cogumelo. O que me deixou pra lá de feliz, pois eles comem ceviche de peixe e ainda assim acharam a minha versão vegetal excelente. Então gostaria de compartilhar essa receita incrível, que criei tempos atrás e que guardei em segredo até agora. Se você não sabe o que é ceviche, aqui vai uma explicação sucinta. É um prato típico do Peru, à base de peixe e a particularidade dessa receita é que o peixe “cozinha” no suco de limão. Você coloca o peixe cru em pedacinhos no suco de limão e deixa marinando ali. O ácido cítrico faz com que o peixe ganhe aparência e textura de cozido.
Nunca comi ceviche tradicional, mas quando li sobre esse prato imediatamente tive vontade de fazer uma versão vegana. Acabei desenvolvendo não uma, mas duas versões vegetais de ceviche e a receita abaixo, com cogumelos, é a minha preferida. O que realmente me inspirou foi a técnica de ‘cozimento’ no suco de limão e descobri que ela também pode ser aplicada a cogumelos. Se você não tiver acesso a cogumelos, também pode usar palmito cozido (o outro tipo de ceviche vegano que criei) e, embora ainda não tenha testado, vi que tem gente fazendo ceviche veg com polpa de coco verde! Estou louca pra experimentar a versão com coco verde, mas terei que esperar até a minha próxima ida ao Brasil. Se alguém tentar ou já testou, compartilhe a experiência comigo, por favor.
Ceviche de cogumelo, abacate e toranja (vegano, sem glúten)
Os cogumelos precisam marinar durante uma noite, então se programe pra começar a fazer a receita na véspera de quando quiser degusta-la. Gosto de usar toranja rosa nessa receita, porque é uma fruta que adoro e a mistura de cores fica linda. Mas como toranjas são raras no Brasil, você pode substituí-la por laranja. Pra fazer cubos de laranja/toranja sem a pele branca (que tem um sabor amargo desagradável) veja esse post, onde expliquei como descascar frutas cítricas. Na receita de ceviche não precisa fazer “supremos”, como no post, basta seguir as instruções pra retirar a casca+pele branca, depois fatiar a fruta em rodelas de espessura médias e cortar tudo em cubinhos.
2 punhados de cogumelos frescos (usei champignons dessa vez, mas já fiz com outros tipos de cogumelos. Se quiser usar outro tipo, verifique primeiro se ele pode ser consumido cru)
4 folhas de alga nori (ou 2cs de outra alga desidratada em flocos)
1/3 x de molho shoyu
1/3 x de suco de limão
1/3 x de água
1 cs cheia de melado de cana (ou xarope de agave)
1 punhado de coentro, picado (opcional)
2 x de abacate, em cubos pequenos
2 x de toranja rosa ou laranja, sem casca e em cubos pequenos (leia a informação acima)
Pimenta do reino
Corte os cogumelos em fatias bem finas. Se você não tiver muita habilidade com facas, use um fatiador de legumes (ou mandolina). Use uma tesoura grande pra picar as folhas de nori, fazendo confetes de algas (claro que isso não será necessário se você estiver usando algas em flocos). Em um recipiente grande misture o shoyu, o suco de limão, a água, o melado e a alga picada. Juste os cogumelos fatiados e misture bem com as mãos até todas as fatias ficarem envolvidas na marinada. Transfira tudo pra um recipiente com tampa. Os cogumelos devem ficar submersos na marinada, então junte mais um pouco de água, se necessário. Tampe e deixe na geladeira durante no mínimo 12 horas (uma noite), mas pode marinar até dois dias. Esse passo é essencial pros cogumelos amolecerem e se impregnarem do sabor da alga. Quanto mais tempo os cogumelos repousarem na marinada, mais intenso será o sabor marinho.
No dia seguinte escorra os cogumelos marinados em cima de uma panela pequena, pra recolher a marinada, e reserve. Leve a marinada ao fogo e ferva até 2/3 do líquido evaporar e se tornar um molho espesso. Corte o abacate, a toranja (ou laranja) e pique o coentro
Gosto de servir o ceviche em porções individuais (em copinhos ou cumbucas bem pequenas), mas nada te impede de colocar tudo em um recipiente maior e deixar cada pessoa se servir. Pra montar o ceviche misture delicadamente os cubos de abacate e toranja/laranja, disponha os cogumelos marinados por cima, regue tudo com um pouco da marinada reduzida e tempere com o coentro picado e pimenta do reino. Eu acho que o shoyu do molho e cogumelos é suficiente pra temperar todo o prato, então não acrescento sal nenhum. Sirva imediatamente. Rende 4-6 porções (entrada).
Eu queria levar a vida que vc tem, Sandra! Assisti o filme “Into the Wild” e só lembrei de vc! Acho fantástico quem vive assim, eu é que não tenho coragem, sou acomodada confesso. Mas quem sabe um dia? Kkkk bjs!
Lembrou de mim? 0_0 Mas sem o final trágico, né? 🙂
Sandra,adorei a receita. Deve ficar divino. Um ceviche que tenho ouvido falar muito bem por aqui é o de caju. Dizem que a textura fica incrível. Não sei se tem caju por aí, mas vale a dica para quando estiver em terrinha verde-amarela! Parabéns pelo blog, e pela sua escrita deliciosa, beijos, Laura
Caju é muito versátil, não é? Nunca tinha ouvido falar em ceviche de caju, mas já entrou na lista dos próximos ceviches que testarei. Você tem uma receitinha pra gente?
Sandra, amo seu blog e pretendo experimentar essa receita assim que possível! Obrigada pela inspiração gastronômica 🙂
Só queria fazer uma pequena sugestão: talvez valha ressaltar que é importante escolher cogumelos que sejam comestíveis mesmo crus. Nem todo mundo sabe que alguns cogumelos que são perfeitamente comestíveis quando cozidos podem ser perigosos quando crus. Meus pais já passaram por um problema danado por conta disso!
Obrigada pelo toque, Luíza. Vou colocar essa observação na receita agora mesmo.
Quanta inspiração nesse ceviche!!!! Bah, preciso experimentar! Vou tentar fazer no findi, me pareceu maravilhoso, estou com água na boca!
Meu padrinho era filho de libaneses, cresci com comidas típicas…
Essa tua vida de nômade deve ser muito legal, te invejo (no sentido bom), mas prefiro ficar na minha casinha colhendo o alecrim e o tomilho (e o manjericão, a manjerona, o pimentão, os maracujás), e tudo o que eu consigo plantar…
Boa estada em Beirute, as tuas receitas são ótimas!
Me fazendo inveja com o seu alecrim… 😉
que delicia de receita…
Delicia! Eu tenho raízes equatorianas, adoro o ceviche versão equatoriana, especialmente o de “chochos”, que no Brasil chamamos tremoço. Uma delícia, compartilho contigo, quem sabe te inspira a outra criação. Abraços.
http://laylita.com/recetas/2012/06/03/ceviche-vegetariano-de-chochos/
Adorei a receita!!!! Obrigada por compartilhar 🙂
Essa receita apareceu na hora certa, Ninha! Estava precisando de uma receita de ceviche vegana para fazer semana que vem na despedida de uma amiga do Peru (está voltando para lá). Espero que tenha experiências incríveis em Beirute!
Beijos
Me conte depois se a amiga aprovou, Raissa. Beijos e saudades <3
Eu leio tudinho sempre e em geral fico quietinha sem comentar. Mas quero dizer que te admiro tanto, tanto e espero sinceramente nos encontrarmos pessoalmente algum dia.
Será que os cogumelos podem combinar com banana? Eu adoro ceviche de banana, acho que ela combina bem com a cebola roxa.
Um abraço carinhoso.
Pois comente mais, moça! E quem sabe não nos encontramos esse ano, já que vou ficar alguns meses no Brasil?
Quanto à banana, me parece uma idea boa. Não sabia que tinha ceviche de banana e fiquei intrigada. Explica pra mim como você faz, por favor.
Querida Sandra, entrei aqui para escrever que sempre lia seus posts mas nunca comentava e aí encontrei o comentário da Munique Viera e acabei pegando carona: concordo com tudo o que ela disse! Acho uma delicia ler seus textos (sempre muito bem redigidos por sinal) e quando vejo aviso de novos posts no seu email fico esperando para ver em qual lugar do mundo você está e qual a receita deliciosa que você vai dividir conosco. Quando vi que você estava em Beirut, dei pulinhos de alegria: minha melhor amiga (fizemos faculdade juntas há uns bons anos aqui no Brasil) é Libanesa e mora em Beirute e, em outubro, vou visita-la! Escreva mais e conte-nos mais sempre que você puder. Queremos saber tudo!!! Desejo muito sucesso para você, de verdade! Acho que o que você esta vivenciando com essas andanças pelo mundo é uma das experiências mais ricas que um ser humano pode experimentar… Um beijo, Carol
Obrigada pela mensagem, Carol. E pode ter certeza que você vai adorar Beirute. Pena que em outubro não estarei mais aqui e não vamos nos encontrar.
Para tudo! Por acaso você viu uma mensagem privada que deixei pra você no Facebook ou isso foi uma grande coincidência?
Explico!
Oi, Sandra! Sou sua leitora há mais ou menos um ano e esses dias enviei uma mensagem no Facebook pedindo sua ajuda. Levo uma vida nômade há anos. Eu não escolhi isso e as mudanças estavam associadas a separações e problemas financeiros. Eu tentei construir um lar diversas vezes. Já arrumei minhas roupas em dezenas de armario sna esperança de tornar aquele o meu espaço, já tentei plantar hortas não sei quantas vezes. Mas o universo sempre tinha outros planos. Sofri muito. Hoje ralo para pagar um quartinho dos fundos. Minhas roupas ficam numa arara e já reduzi meus pertences a quase nada, porque não caberia aqui. Chorei muito me sentindo uma fracassada que não foi capaz de construir sua vida.
Acontece que uma algo dentro de mim despertou e eu decidi entrar em harmonia com a falta de um lar (e bens, móveis, emprego fixo, cachorro ou vasos de alecrim) e viajar! Sim! Não pretendo morar em diferentes países como você, mas passar temporadas fora da minha cidade. Ainda nao sei o que fazer, para onde ir nem por quanto tempo. Pode ser uma semana na Bahia ou 5 meses no Vietnã. Seja o que for, abri esse espaço em mim. Como você disse, faz todo o sentido na minha vida. É o que minha alma está pedindo.
Decidi te mandar mensagem pedindo ajuda, dicas, perguntando como você lida com essa falta de cada fixa, como se vira, como procura os lugares para ir… e eis que surge essa postagem. Pasme, no dia do meu aniversário! Sim! 24 de fevereiro!!
O que dizer? O Universo é maior!
🙂
Olá!
Nao descobri teu nome, mas prazer em ler teu blog.
Sou vegetariana (há quase 3 anos) e to quase virando vegana e também tenho um blog com receitas!
Estou morando na Austrália já faz 6 anos e no final deste, eu e meu namorado estamos indo numa viajem de volta ao mundo.
So fiquei feliz de saber que tem mais gente por ai, aventureiro e com esse coração desapegado das coisas do mundo pra viver e conhecer coisas maiores que nós mesmos!
Boa sorte com tudo ai por esse mundo e espero poder provar essa receita em breve e visitar Beirute também (tá na lista hehe)
Beijos e muita paz x
Lari
Nós somos muitos, só estamos espalhados 😉 E meu nome é Sandra, muito prazer (você encontra mais informação sobre mim na página “A autora”, na parte superior do blog).
Olá, Sandra, que receita mais apetitosa! Quero tentar fazer o quanto antes. Só uma dúvida: você tem ideia mais ou menos da quantidade de cogumelo que você usou? Em xícaras, gramas, qualquer medida, só para eu ter um parâmetro,,,,queria reduzir a receita e estou com medo de errar muito na proporção dos ingredientes, não sou uma cozinheira muito habilidosa…
Muito obrigada por dividir ideias tão inspiradoras!
Nossa, deu água na boca, Sandra!
Vou fazer, com certeza!
Obrigada por compartilhar!
Sending you our love, so near and so far.Imagine going with car or train this little distance between Beirut and Bethlehem. Still I a m hoping.
OH Jes forget pots, plant directly in open earth.
you know ; freedom for plants too.
I agree! Freedom for plants too! 🙂
O glamour esta em viver e pensar fora da caixa, poucos podem ” pagar” esse preço, nem master card resolve. O q mais me faz voltar aqui, é querer recomeçar algo novo de novo e de novo…suas mudanças inspiram as minhas, e sempre começo pela alimentação, estamos conectadas
Ola, Sandra! Fizemos o ceviche no nosso reveillon. Simplesmente amamos! Obrigada! 🙂