Uma das poucas coisas da minha época de onívora que ainda me fazia falta era a capacidade de improvisar uma refeição completa em poucos minutos, simplesmente quebrando um ovo em cima dos restos que eu achasse na geladeira. Não sei se vocês faziam isso, mas eu era uma enorme consumidora de ovos na minha existência pré-vegana.
Já faz alguns anos que omelete de grão de bico, vulgo “grãomelete” (a partir do grão inteiro ou da farinha), entrou na minha vida pra fazer a maior revolução vegetal na minha alimentação. Talvez até maior do que a revolução causada pela descoberta de que posso fazer leite vegetal em casa e que é muito mais gostoso e barato do que os industrializados (coco e amêndoas são meus preferidos). Mas levei um certo tempo pra usar a receita de base do grãomelete em outras áreas culinárias.
Primeiro veio a tortilla espanhola. Depois fiz quiche (ainda não publiquei a receita porque ela precisa de algumas adaptações). E um dia, ao me deparar com uma geladeira quase vazia, decidi me arriscar a refogar um pedaço de repolho já triste, cobri-lo com o grãomelete e fazer um mexidão. A ideia foi muito bem sucedida e desde então ampliei os horizontes do mexidão, incluindo um cereal (geralmente um resto de macarrão curto, como na foto que abre esse post) ou feijão.
Além de realizar meu sonho de fazer uma refeição quente completa usando apenas uma frigideira, a fórmula do mexidão recicla os seus restos, mesmo aquele tiquinho de alguma coisa que sozinho não mataria a sua fome. Não jogue mais fora o restinho de algo, por menor que seja, no final da refeição. Amanhã você junta um pedacinho de repolho, mais um pouco da mistura de grãomelete (farinha de grão de bico + água) e você terá um almoço novinho e delicioso.
Eu costumava chamar esse mexidão de “fritada”, porque me lembrava o prato à base de ovo do mesmo nome. Mas como acabo mexendo e despedaçando tudo, o termo “mexidão” é mais apropriado.
A fómula do mexidão RO, pra uma pessoa, é:
2 punhados de verdura picadinha
1x de cereais ou leguminosas cozidas
Aproximadamente 1x de mistura de farinha de grão de bico (2cs de farinha de grão de bico + 1x de água)
Temperos que quiser (opcional)
Algumas explicações se fazem necessárias. Melhor evitar verduras que soltam muita água durante o cozimento, como tomate e abobrinha. Prefira repolho, brócolis, couve-flor, cenoura, couve… Repolho é perfeito aqui, pois não solta água, cozinha em dois minutos, é barato e acessível. Você pode usar um ou vários tipos de verdura, dependendo do que achar na geladeira.
Quanto aos cereais (arroz, macarrão) e leguminosas (feijão, lentilha), seu mexidão ficará ainda mais gostoso se eles já estiverem temperados e vierem com molho ou um caldinho. Por isso essa receita é perfeita pra reciclar os restos de ontem (RO). Ou de anteontem.
A mistura de farinha de grão de bico funciona como os ovos nessa receita, unindo os diferentes elementos e dando corpo ao prato. Ela precisa ser preparada na véspera, pois farinha de grão de bico precisa descansar uma noite na água antes de ficar pronta pra ser usada. Se você misturar a farinha com água e cozinhar imediatamente a textura não ficará tão boa (a farinha de grão de bico não teve tempo de hidratar na água) e o sabor ficará inferior, com um ligeiro gosto de grão de bico cru. Como faço grãomelete com bastante frequência, preparo uma quantidade grande dessa mistura e guardo na geladeira pra ter sempre a base pronta. Facilita bastante a minha vida e a mistura pode ficar até 4-5 dias na geladeira. Uso aproximadamente uma xícara dessa mistura quando faço uma fritada à base de cereais pra uma pessoa. Se estiver usando leguminosas acompanhadas de um caldinho ou macarrão com molho, uso 2/3 ou 3/4x da mistura de grão de bico. Não se preocupe muito com a quantidade aqui. Use o suficiente pra cobrir os ingredientes e entregue pra Oxum que vai dar certo.
Os temperos são opcionais, mas incrementam o sabor. Principalmente se você estiver usando cereais/leguminosas que não foram temperados. Use alho, cebolinha, ervas frescas ou secas, pimenta do reino, páprica, cominho, curry… Escolha aqueles que se harmonizarem com os outros ingredientes e não use tudo ao mesmo tempo, claro. A receita abaixo é um exemplo de como aplicar a fórmula acima.
Mais uma informação importante. Você pode dobrar a receita se estiver cozinhando pra duas pessoas, mas percebi que passando disso o volume na frigideira impede a mistura de grão de bico de cozinhar corretamente. Então não é um prato pra fazer pra muitas pessoas, a menos que você tenha uma chapa, plancha ou uma frigideira gigante.
Mexidão de repolho e feijão branco
Nessa versão usei o resto de uma receita que adoro: feijão branco com espinafre e páprica defumada. Mas qualquer feijão branco temperado com alho, cebola, sal e pimenta teria dado certo. O shoyu (molho de soja) realça imensamente o sabor do repolho e mesmo quem torce o nariz pra esse humilde vegetal passa a gostar da versão refogada com shoyu. Garanto!
Base
2cs de farinha de grão de bico
1x (240ml) de água
Sal (uso sal preto do Himalaia, aquele que tem cheiro e gosto de ovo)
Recheio
2 punhados de repolho picado fino
1x de feijão branco cozido ( aqui com espinafre, temperado com alho, páprica defumada e limão)
Azeite
Shoyu e pimenta do reino a gosto
Dissolva a farinha de grão de bico em um pouco de água, até formar uma pasta homogênea. Junte o resto da água e misture bem. Fica bem líquido, é normal. Importante: prepare a base na noite anterior e deixe descansar, coberta, em temperatura ambiente, por 12 horas. Ou faça como eu e prepare uma quantidade maior e guarde na geladeira pra ter sempre essa base pronta quando quiser fazer grãomelete e mexidões.
Aqueça um fio de azeite em uma frigideira antiaderente grande, idealmente com o fundo grosso. Refogue o repolho, em fogo médio, até ficar tenro e ligeiramente dourado. Fique do lado pois repolho cozinha rapidinho e é fácil de queimar. Tempere com o shoyu e junte o feijão cozido. Quando começar a ferver despeje a mistura de farinha de grão de bico. Acabei não usando toda a mistura, usei algo entre 2/3 e 3/4, pois meu feijão estava mais pra um ensopado.
Tempere com sal e deixe cozinhar coberto em fogo médio-baixo até a parte superior ficar firme e começar a secar nas bordas. Dê uma mexida boa, quebrando tudo, regue com mais um fio de azeite e deixe cozinhar mais 3-5 minutos, descoberto, sempre em fogo médio-baixo, até ficar dourado por baixo. Eu gosto de usar uma espátula pra virar os aglomerados pra dourar do outro lado, mas isso é opcional.
Sirva acompanhado do que quiser: salada, arroz, pão… Rende uma porção generosa.
Boa noite, Sandra.
Muito grata por mais esta “partilha”.
Hoje, por acaso, não tenho sobras na geladeira. Mas a receita está muito sugestiva. Já vou deixar a farinha de grão de bico de molho para amanhã preparar um mexidão.
Grata,
Leoni
Bigadu, Sandrinha por você existir.
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Eu também sinto saudade da praticidade e do sabor do ovo, a sua receita de grãomelete mudou a minha vida. Vou fazer o mexidão com minha verdura preferida, couve-flor. E eu não deixava a farinha de grão de bico de molho de um dia pro outro, vou fazer isso a partir de agora. 🙂
Sandra, eu fiquei um bom tempo super fã da farinha de grão de bico hidratada, mas depois fiquei me questionando sobre o fitato. Deixamos os grãos (de várias leguminosas) de molho e escorremos a água justamente pra reduzir a quantidade de fitatos, mas ao usarmos a farinha não temos essa opção. Você sabe como se resolve esse dilema?
Que bom que você perguntou isso 🙂 Era uma dúvida que eu tive durante muito tempo, até descobrir (no livro do nutrólogo Eric Slywitch “Alimentação sem carne”) que o processo de moagem reduz os fitatos. O processo de fermentação reduz ainda mais os fitamos. Então como sempre deixo a mistura de farinha de grão de bico em temperatura ambiente por 12-24h, ela fermenta ligeiramente, o que é perfeito pro sabor e pra digestão.