A primeira parte foi sobre comida, a segunda será sobre todo o resto: passeios, parques, museus, LGBTs e um pequeno parênteses consumista.
Alugamos uma casa exatamente na interseção dos bairros Noe Valley, Castro e Mission e foi muito feliz, pois eles acabaram sendo os meus preferidos na cidade. Nessa área você praticamente só vê casas, as ruas são tranquilas e as pessoas parecem estarem todas de férias, tamanho o relaxamento delas.
Se estiver em dúvida sobre onde ficar hospedada, Mission é o mais central e animado. Noe Valley, por ser quase exclusivamente residencial, é mais calmo. Já o Castro é bem animado na rua principal, porém mais tranquilo nas outras partes. Na minha primeira noite fiquei em um hotel no Financial District, a parte mais moderna da cidade. Tem um mar de gente apressada nas ruas (a concentração de escritórios por lá é grande), é bem turística e cheia de arranha-céus e Starbucks. Como essa não é a minha vibe, não gostei nem um pouco da experiência.
Pra passear, um dos lugares que mais gostei foi o Dolores Park. É um parque relativamente pequeno, em Mission, e fica apinhado de gente nos fins de semana de sol. Na parte superior do parque você consegue ver a linha de prédios do Financial District, então coloque sua toalha de piquenique lá em cima pra aproveitar melhor a vista. A primeira vez que estive lá era domingo e fiquei impressionada com a quantidade de homens de sunga num dos cantos do parque. Dias depois, lendo um guia alternativo da cidade, descobri que esse cantinho do Dolores Park é conhecido como “gay beach”(ou “fairy prairie”, já que tem mais grama do que areia e o único mar que você vai ver é o mar de gente). Se homem é a sua praia, vá lá lavar a vista que os rapazes são bem bonitos.
Mas nem só de gay reluzindo de protetor solar vive o Dolores. O parque reune os mais variados tipos de pessoas (e cachorros) e cada canto tem um apelido. Tem a área das famílias, a das lésbicas (bem menor que a gay beach, infelizmente), a “hipster hill” (o nome explica tudo), a parte das pessoas que gostam de jogar objetos voadores (bola, peteca, boomerang) umas nas outras, a do pessoal que vem fazer exercícios, um cantinho onde está sempre rolando uma rave… Fiquei fascinada com o lugar. Nunca vi uma mistura tão grande em um lugar tão pequeno, todo mundo em paz, curtindo o dia, piquenicando, apertando um e compartilhando coisas. As mais diversas coisas. Se você é sensível ao aroma de maconha, evite esse parque. Mas como SF quase toda tem cheiro de maconha (mais explicações abaixo), nesse caso é melhor você evitar a cidade como um todo. Pras interessadas, um amigo nosso passou uma dica. Se você quiser comprar maconha em SF, Dolores Park é o lugar. Basta chegar no parque, ficar em pé virando a cabeça de um lado pro outro que em poucos segundos o vendedor chega oferecendo a mercadoria. Ele descobriu isso por acaso, na primeira vez que foi ao parque, quando se levantou pra ver se a amiga com quem ele tinha marcado encontro estava por ali e o vendedor interpretou aquele gesto como “procurando maconha” ao invés de “procurando amiga”. Fica a dica.
Falando em maconha, uma das coisas que mais me impressionou foi o cheiro da erva por todos os lados. A Califórnia foi o primeiro estado nos EUA a legalizar o uso medicinal da maconha, em 1996. Ou seja, sua médica pode prescrever maconha pra você se julgar que ela vai aliviar os sintomas de alguma condição física ou mental que você tenha. Uma lei foi aprovada recentemente legalizando também o uso recreativo da maconha, mas se entendi direito ela só entrará em vigor em 2018. Mas isso não impede o pessoal de SF de fumar tudo até a última ponta pelas ruas, parques… Cheguei à conclusão que essa é provavelmente a razão do pessoal ser tão relaxado por lá.
E já que o assunto é erva, sabiam que o nome do povoado que deu origem à cidade de SF era Yerba Buena? Achei que o nome original não deveria ter mudado e faria ainda mais sentido hoje. Yerba Buena também é o nome de um dos dois museus que visitei durante a viagem. Eu queria ter ido ao famoso MOMA, mas custava um braço e quando arte é tão absurdamente inacessível ao público mais modesto, fico chateada ao ponto de perder a vontade de ir. Descobri que tem um dia onde os museus são gratuitos, geralmente na primeira terça do mês e se coincidir com a sua visita à cidade, aproveite. Mas dê uma olhada no site do museu que você quer visitar pra confirmar, pois alguns são gratuitos em outros dias. O MOMA tem seu próprio sistema de dias gratuitos, mas é possível checar qual será o próximo no site do museu. Mas voltemos ao Yerba Buena. Fui na primeira terça do mês e entrei de graça. Adorei o museu e o jardim, que faz parte do museu e fica sempre aberto ao público. No dia da minha visita tinha uma exposição incrível e nela descobri a história de Medillín, na Colombia. A cidade, que já foi a mais violenta do mundo, passou por uma transformação urbana que desencadeou uma transformação social gigante e hoje é um modelo de criação de espaços públicos que facilitam a troca cultural, política e de conhecimentos. As exposições mudam frequentemente, como em todo museu, mas tem sempre coisas interessantes por la, então recomendo muito a visita.
LGBT
O outro museu que visitei foi o GLBT Museum, no Castro. Esse museu conta a história da comunidade LGBT (não entendi porque no nome do museu o G vem antes do L) em São Francisco. Acho muito importante conhecer a nossa história e ver a luta por direitos da minha comunidade me inspira e me dá força pra continuar lutando. Foram muitas conquistas, mas ainda falta muito a ser conquistado e, como o contexto atual nos mostra, essas conquistas podem nos ser retiradas a qualquer momento. O museu é bem pequeno, mas tem bastante material pra ler, além de alguns vídeos e áudios. O que mais me emocionou foi um áudio de Harvey Milk, ativista por direitos LGBT e político de SF, o primeiro abertamente gay a ser eleito na Califórnia, em 1977. Ele tinha recebido ameaças de morte, pois se um político gay incomoda muita gente em 2017, imagine o tipo de discriminação que ele sofreu nos anos 70! Então ele gravou uma mensagem que deveria ser lida somente no caso dele ser assassinado e não consegui conter as lágrimas. Harvey Milk foi assassinado pouco tempo depois e o assassino, que também matou o prefeito de SF no mesmo dia, recebeu uma pena leve pois o advogado que o defendia alegou que ele “tinha comido muita junk-food no dia e não podia ser responsabilizado pelos seus atos”. Milk ainda é um ícone e uma inspiração pra comunidade LGBT de SF e do mundo
Se você viu o filme “Milk” (ótimo filme!), com Sean Penn interpretando Harvey Milk, ou se viu a série “When we rise”, criada pelo mesmo roteirista e dirigida por Gus Van Sant (a melhor série LGBT que já vi, porque conta a história da nossa luta por direitos, baseada na vida de ativistas reais, mas também as interseções com o feminismo e o movimento negro) o Castro é um lugar mítico. À partir dos anos 60 esse bairro acolheu uma comunidade LGBT enorme, que lutou ativamente por direitos durante décadas e foi o palco de uma tragédia humana, a epidemia de HIV/AIds nos anos 80, que levou a vida de um terço dos seus membros.
Andar pela rua principal do Castro (Castro St), que continua sendo um dos maiores símbolos de ativismo LGBT no mundo, foi muito emocionante pra mim. Tem até uma calçada da fama LGBT lá! Milk tinha uma loja de fotografia nessa rua e hoje um centro/loja da Human Rights Campaign, uma associação que luta por direitos LGBT, funciona no mesmo lugar. Essa rua é cheia de bares, cafés e abriga o cinema com o letreiro icônico. Infelizmente os bares são muito mais Gs do que Ls e são pouquíssimos os lugares frequentados por uma maioria lésbica. O lugar que mais gostei na rua foi a livraria Dog eared Books, que tem uma seção LGBT imensa, como era de se esperar, mas também toda uma parte dedicada a livros com temáticas LGBT e feminista pra crianças! Fui algumas vezes lá e confesso que folheei mais livros pra crianças do que pra adultas.
Passeios
Cheguei em SF com planos de fazer grandes passeios pelas florestas da região, mas, como expliquei na primeira parte desse guia, decidimos simplificar nossos programas e ficar pela cidade, mesmo. Posso recomendar a caminhada no parque Golden Gate, que oferece uma vista linda da famosa ponte e até um pedaço de praia pra você fazer seu piquenique (foi o que fizemos). E se você curtir andar de barco, recomendo pegar o ferry no centro (San Francisco Ferry Building) e ir pra Sausalito. É um cidade pequena na baía em frente à SF, logo à direita da Golden Bridge. Além de ser gostoso passear de ferry, você vai ter uma vista linda da ponte (ida e volta) e de SF e Alcatraz (volta). Sausalito é um charme, mas não tem muita coisa pra fazer por lá além de admirar a paisagem. Leve seu piquenique, sente nos jardins que beiram o mar e relaxe enquanto espera o ferry que te levará de volta. Vocé pode ver o preço e os horários do ferry, nos dois sentidos, nesse site.
Se você estiver com tempo, vale a pena visitar Oakland, onde a cena vegana também é vibrante. O restaurante Millenium, que apareceu na parte gastronômica do guia, fica lá e é fácil ir de uma cidade pra outra com transportes públicos. Além dos vários restaurantes veganos da cidade (mais uma vez, Happy Cow é a sua melhor amiga pra encontrar endereços veganos), tem um centro comunitário muito bacana chamado Omni Commons. Se ativismo te interessa, dê uma olhada no site pra ver se vai ter algum evento interessante durante sua viagem. Eu pude assistir à uma palestra com uma ativista LGBT russa que falou das dificuldades de fazer ativismo LGBT no país dela. Descobri que a situação era ainda pior do que tinha imaginado, mas conectar com outras ativistas é sempre uma inspiração. Também participamos do protesto do primeiro de maio em Oakland, junto com a comunidade de imigrantes, principalmente latinas, e nativa. Fiquei muito feliz em ver a Palestina incluída na pauta do dia (ninguém é livre até que todas sejamos livres!) e conheci algumas ativistas da pequena comunidade palestina local.
Parênteses consumista
Por questões éticas eu compro quase toda a roupa que uso de segunda mão (menos roupa íntima, de banho e meias). Então as únicas lojas de roupa que recomendarei nesse blog são lojas de caridade (Exército da Salvação, Liga contra o câncer, Emmaüs etc), pois são as únicas que frequento. SF tem algumas muito boas e se você procurar com paciência vai encontrar algumas peças de ótima qualidade, por um precinho modesto. E se você está procurando o uniforme lésbico, nossa amada camisa xadrez, você encontrará as mais macias e confortáveis por lá. Raciocine aqui comigo. Além do povo nos states adorar camisa xadrez, outra lésbica já usou aquela peça, amaciando ainda mais o tecido. Segundo minha amiga Camila a camisa xadrez foi sequestrada pelos hipsters (e segundo uma seguidora minha no IG, isso é roupa de São João, mesmo), mas nada tema, amiga lésbica. Nós usávamos camisa xadrez antes dos hipters aparecerem e continuaremos vestindo nossas camisas xadrez quando eles entrarem em extinção. Achei as lojas mais interessantes no Mission e basta fazer um google “thrift shop mission district” (“thrift shop” significa “loja que vende roupas e objetos de segunda mão pra arrecadar fundos pra algum tipo de organização de caridade”) que você acha até um mapa com todas elas. Não confundir “thrift shop” com “vintage shop”, que é a versão chique e cara da loja de segunda mão. Mas se você procura por roupas vintage, com certeza também vai achar várias lojas do tipo em SF.
Outro lugar bacana pra comprar roupa é na loja da Human Rights Campaign que citei acima (na Castro St). Como expliquei, só compro roupa de segunda mão, mas essa loja vende camisetas lindas, super macias e com mensagens LGBT e todo o lucro vai pra organização, que luta pelos nossos direitos. Li as etiquetas das roupas antes de comprar e as que trouxe pra casa tinham sido fabricadas nos EUA, aumentando as chances das costureiras terem condições justas e dignas de trabalho (quando comparamos com as condições das trabalhadoras nos “sweatshops” dos países da Ásia).
Tenho outra recomendação de loja, mas sei que não será pra todo mundo. SF abriga um dos primeiros sex shops feministas que se tem notícia, Good Vibrations, que abriu em 1977. Conversei um pouco com a vendedora, que tinha muito orgulho fazer parte da equipe e que me contou que elas estavam comemorando os 40 anos da loja. Além de sex toys, lingerie e literatura erótica, o local oferece workshops práticos, aulas de educação sexual e de sexo seguro. Os sex toys são incríveis, das melhores marcas do mundo, fabricados realmente pensando no prazer da mulher, de todas as orientações sexuais, sozinha ou acompanhada. Claro que os preços são salgadinhos, mas escute essa pessoa que já vendeu sex toys e que já foi proprietária e usou vários tipos diferentes. Melhor investir em um sex toy de qualidade, recarregável, que vai durar muitos anos e que é mais ecológico (fuja dos toys que usam pilhas) do que comprar algo barato que terá um desempenho inferior e uma vida útil curta, o que além de acabar custando mais (se você substituí-lo por outro), também vai aumentar a sua pegada ecológica.
Algumas dicas
Pra terminar esse guia, algumas dicas práticas. SF é extremamente cara, então as dicas que gostaria de compartilhar aqui são todas sobre como economizar. Se você ganhou na loto antes de ir pra lá, fique à vontade pra não ler os próximos parágrafos. Pra todas as outras pessoas, aqui vão as recomendações.
Primeiro: compre comida no supermercado e coma em casa e/ou faça piqueniques ao invés de fazer todas as refeições em restaurantes. Segundo: tente se locomover o máximo possível a pé. Na verdade sempre faço isso porque é a maneira que mais gosto de explorar cidades quando viajo, mas tem a vantagem de ser a maneira mais econômica de viajar também. Como SF é bem grande, programe as visitas por bairros pra poder fazer uma parte das visitas do dia a pé. E não esqueça de procurar os parques mais bacanas na região antes de sair de casa, pra já saber onde você estenderá a toalha de piquenique e organizar as visitas em função disso. Se cozinhar não for uma opção, nos supermercados você encontra comida vegana pronta. É mais caro do que cozinhar em casa, mas ainda sai mais barato do que comer em restaurantes.
Pra cozinhar em casa você vai precisar, obviamente, de uma casa. Essa é a minha terceira dica: alugue uma casa (Airbnb, por exemplo). Hotéis são geralmente mais caros e não oferecem a possibilidade de cozinhar no local. Se você estiver viajando sozinha, talvez um albergue com cozinha comunitária seja a opção mais barata, mas como viajei acompanhada não posso confirmar isso. E não esqueça de procurar os dias de entrada gratuita nos museus que quiser visitar (veja o site do museu), pois talvez você esteja por lá exatamente nesse dia. Uma última coisinha. Os tickets de transporte público são válidos por 90 minutos a partir do momento em que foi comprado (ou que você passou na catraca). Então se você precisar pegar dois ônibus e um bonde pra chegar em um determinado lugar, só precisa de um ticket, com a condição de fazer o trajeto em até 90 minutos. Eu não entendi isso no início e usava um ticket diferente cada vez que subia no ônibus e acabei desperdiçando algumas passagens. A hora do primeiro embarque fica marcada no ticket, então você sempre vai saber até quando pode usar o mesmo.
Se SF fosse um cheiro: maconha. Por onde andei, lá estava ela. Eu tenho zero problema com quem fuma e acho o cheirinho até bom. Fumaça de cigarro e gente bêbada me incomodam muito, muito mais. Principalmente gente bêbada. Porém o parque inteiro pode estar fumando maconha do meu lado que eu nem tchuiu. Mas se você se incomoda profundamente com isso, se prepare psicologicamente, pois o aroma da erva está praticamente por todos os lados.
Se SF fosse um sabor.. Difícil de escolher só um, pois a cidade ficou associada na minha memória gustativa com a salsa de tomate assada do Papalote, o maravilhoso pão com fermento natural, o kombucha com gengibre que eu comprava de litro no supermercado, mas, acima de tudo, com os queijos veganos que comi por lá. Principalmente o defumado da Miyoko’s Creamery.
Se SF fosse uma música, minha escolha é bem óbvia: “San Francisco”, cantada por Scott Mackenzie. Assim que avisei à família em Natal que estava indo pra SF meu irmão respondeu: “make sure to wear some flowers in your hair”. Aí não deu outra: passei onze dias cantarolando a música pela cidade e até coloquei umas flores no cabelo e gravei um vídeo cantando a música pra ele, porque sou uma irmã que gosta de passar essas vergonhas.
*Essa última foto é de um lugar incrível, o ” Women’s building“, o primeiro centro comunitário de mulheres da cidade, criado em 1979. O prédio em si é lindo, coberto com pinturas de mulheres de todos os tipos e o centro oferece todos os tipos de ferramentas pra ajudar mulheres a “criar uma vida melhor pra elas próprias, suas famílias e sua comunidade”. Quem viu Sense8 talvez vai reconhecer o lugar, pois foi lá que Nomi se escondeu durante alguns episódios.
Muito legal o post! Sobre a questão glbt ou lgbt, pelo que me lembro a designação inicial era glbt e foi transformada justamente para dar maior visibilidade às mulheres, historicamente mais oprimidas.v
Faz sentido. Visibilidade às mulheres! Foi a primeira vez que vi “GLBT”, mas lembro que quando eu era adolescente ainda falavam “GLS”, com o G na frente, sempre. Aliás, ainda bem que o tal de GLS morreu, porque era bem ridículo incluir “simpatizantes” e deixar bissexuais e trans de fora.
Uma colocação talvez um tantinho pentelhamente técnica: sou pelos aparelhos a pilha, porque pode-se usar pilhas recarregáveis, que são fáceis de encontrar e muito mais baratas do que as baterias recarregáveis específicas de um determinado gadget.
Boa colocação, amigo. No caso dos sex toys, a bateria é integrada, faz parte do aparelho. Mas pela minha experiência esses aparelhos duram anos. Não saberia te dizer se duram mais anos que as pilhas recarregáveis, porém todos os sex toys de qualidade que foram lançados nos últimos anos são recarregáveis, então nesse caso as pilhas nem são uma opção. Mas vale lembrar que nem todo sex toy tem que vibrar, né 😉