Quantas tapiocas posso comer antes de voltar pra França? Volto pra casa daqui a alguns dias e quando o momento de ir embora se aproxima minha obsessão com comida tradicional, aquela que cresce por aqui e que faz parte da minha cultura alimentar, só aumenta. Tenho que comer todos os mamões e mangas que passar pela minha frente. Cuscuz com leite de coco toda noite. Pãozinho de macaxeira no lanche. E tapioca, muita tapioca!
Ensinei a fazer tapioca aqui e faz parte do que considero como conhecimento culinário básico. Mas aquela era a tapioca do dia-a-dia. Hoje vim falar de um outro tipo de tapioca, que é mais especial: tapioca com coco. Tem quem chame de beiju (ou biju), mas na minha família chamamos simplesmente de tapioca com coco.
Preciso explicar primeiro que, aqui em casa, tem dois tipos de tapioca preparada com coco. A primeira, que chamamos de “tapioca no coco”, é a tapioca da receita básica, mas molhada com leite de coco morno (caseiro, receita aqui). É um prato salgado, que comemos sem acrescentar mais nada (não tem “recheio”) e acompanhado religiosamente com café. É de uma delicadeza de emocionar.
A segunda tapioca preparada com coco é a que vou ensinar hoje e é feita com a polpa de coco seco fresco (coco maduro, que é o coco verde que…amadureceu) . Essa é chamada de “tapioca com coco”. Repare na sutileza dos detalhes: uma é “no coco” e a outra é “com coco”. Vai ter milhares de variações de nomes dessas duas preparações Brasil afora, mas como só posso falar do que conheço, é assim que vou me referir a elas nesse blog. Entenda a técnica, adapte como preferir e, na sua casa, chame do que você quiser.
Apesar de adorar tapioca com coco, eu nunca tinha feito uma. Assim como a canjica, era um prato que eu queria aprender a fazer esse ano. Ainda estou procurando entender como levei tanto tempo pra aprender a fazer tapioca com coco. Se a canjica é um prato mais demorado, essa tapioca é tão simples de preparar quanto a versão básica, então não consigo encontrar a desculpa que teria me impedido de aprender a fazê-la. Mistério.
Muita gente na minha família sabe fazer tapioca com coco, incluindo minha irmã Lu (a do bolo de laranja e do guisado cubano). Mas foi Nalva, que hoje cuida da limpeza daqui de casa e que conheço desde os meus 8 anos, que me mostrou como fazer. São as mãos dela que estão segurando a tapioca com coco na foto abaixo (ela é reservada e não queria que o rosto aparecesse).
A receita só tem dois ingredientes (mais sal) e é muito fácil, mas peço que leia as instruções com atenção. Se o diabo mora nos detalhes, o sucesso da tapioca também. Garanto que vai valer a pena reservar alguns minutos do seu dia pra fazer uma leitura atenta da receita. A recompensa virá quando você der a primeira mordida na sua tapioca com coco, essa maravilha que junta duas das coisas mais deliciosas que a natureza nos oferece: coco e macaxeira.
Tapioca com coco (beiju/biju, dependendo do território)
Como minha família mora em Natal e temos a sorte de encontrar goma fresca (produzida pela agricultura familiar) nas feiras, é ela que usamos pra faz tapioca. É assim que se faz a melhor tapioca possível, mas se você não tem goma fresca à disposição, polvilho doce quebra o galho (atenção! Somente depois de hidratado!). Sobre o coco: tem que ser seco (chamamos de “coco seco” um coco maduro daqueles que usamos pra fazer leite) e fresco. Não confundir com coco ralado desidratado! Tem coco seco nas feiras por aqui e em algumas dá pra comprar ele já ralado (é ralado na hora). Essa tapioca é salgada, mas gosto dela também na versão doce (postarei a minha receita doce preferida do momento em breve).
Goma fresca pra tapioca (explicações sobre esse ingrediente nesse post)
Coco seco ralado (fresco, não desidratado)
Pra saber como preparar a goma e conservá-la, comece lendo o post sobre a tapioca simples.
Peneire a goma fresca (hidratada e depois de enxugar a superfície com um pano de prato limpo, como mostrei no post sobre a tapioca simples) e deixe descoberta, em temperatura ambiente por uns 10 minutos. A ideia é secar um pouco a goma (a umidade da goma peneirada vai evaporar aos poucos, principalmente se você estiver em um lugar quente e seco). Nalva gosta até de colocar a goma peneirada no sol por uns minutos, pra secar melhor. É uma boa dica se a sua cozinha for fria e úmida, mas eu faço sem colocar a goma no sol e dá certo do mesmo jeito: só esperar um pouco pra ela secar levemente. É importante que a goma esteja mais seca do que o ideal pra fazer a tapioca simples, pois o coco ralado vai introduzir muita umidade na mistura e se a goma já estava bem úmida, depois de acrescentar o coco vai ficar molhada demais pra fazer a tapioca.
Quando a goma peneirada der uma secada, junte o coco ralado (seco e fresco!). Eu gosto de usar metade goma, metade coco, mas Nalva gosta de usar um pouco mais de goma do que de coco. Fica a seu critério, mas lembre: goma é fécula de mandioca e fécula de mandioca se dissolve no contato com líquido. E como o coco tem bastante umidade, vá com calma. Quanto mais seca a goma, mais coco dá pra acrescentar e inversamente. Junte sal a gosto e misture levemente com um garfo. Cuidado pra não compactar a mistura. Queremos distribuir o coco e o sal de maneira uniforme, mas sem apertar demais, pois a mistura deve ficar ainda soltinha.
Esquente uma frigideira (bem limpa, sem vestígios da última preparação e sem gordura, caso contrário sua tapioca vai queimar). Quando estiver bem quente, mas não fumaçando, baixe o fogo e vá soltando a mistura goma/coco com os dedos, tentando cobrir toda a superfície da frigideira. Faça uma camada uniforme (não vai ficar perfeitamente lisa, mas esse não é o objetivo), na espessura que preferir e cubra com uma tampa. Deixe cozinhar por alguns segundos e sacuda a frigideira pra ver se a tapioca se descola do fundo. Quando deslocar, está na hora de virar pra cozinhar do outro lado. Deixe cozinhar mais alguns segundos, dessa vez sem tampar. Está pronta quando os dois lados estiverem secos (toque com os dedos) e com alguns pontinhos dourados (é o coco que faz isso).
A partir daqui, as dicas são as mesmas pra receita básica de tapioca. Time tapioca grudenta: coloque a tapioca quente diretamente no prato. Ela vai suar um pouco e o vapor vai amolecer o amido, fazendo com que ela adquira uma textura “puxa-puxa”. Ela vai inclusive grudar no prato e você vai precisar descolar a danada depois. Time tapioca sequinha: transfira a tapioca pronta pra um pano de prato limpo e seco até amornar. O pano vai absorver o vapor enquanto ela esfria, mantendo a tapioca úmida e flexível, mas sem a textura “puxa-puxa”.
Ainda sobre a textura da tapioca. Quanto mais espessa a tapioca com coco, mais “puxa-puxa”, quanto mais fina, mais sequinha. Eu gosto dessa tapioca levemente crocante, então faço a minha relativamente grossa e asso por um tempo maior na frigideira, pra que o coco toste um pouco, a goma desidrate mais e o resultado seja uma tapioca com um exterior levemente crocante e um interior macio. Pra mim isso é a perfeição.
Deguste sua tapioca com um café preto (no meu caso, sem açúcar) e curta a felicidade de existir num planeta onde tem coco e macaxeira.
Meu Deus eu to simplesmente chocada que o coquinho é o coco verde… eu tenho 24 anos… Eu pensava que o coco verde dava no coqueiro e o coquinho em outra arvore mas nunca tinha visto qual kkkkkk gente, vivendo e aprendendo
Na minha casa chamamos essa tapioca de tapioca rendada….
Sandra, eu moro em Manaus, onde também encontramos tapioca fresca à disposição. E no dia a dia, usamos o resíduo do leite de coco (a farinha que deixamos na geladeira) pra misturar na massa da tapioca. deixa um pouco mais úmida e muito saborosa! Nunca fiz com o coco ralado porque ele sempre vira leite aqui. hehe. mas gostei da dica! aproveite as delícias dessa terra. 🙂
AMEI SOU NORDESTINA DE SERGIPE AMO BEIJU HUM DELICIA FEITA EM CASA ENTAO MARAVILHA,OBRIGADO AMOR POR ESSA RECEITA MARAVILHOSA
Que delícia! Essas receitas simples e da sua terra são as minhas favoritas. Serei eternamente grata pelo passo a passo do cuscuz com leite de coco, uma perfeição que ganhei na vida e sigo espalhando a palavra por aí. ♡♡
Que alegria! Uma das minhas maiores realizações é levar a palavra do cuscuz bem feito pras pessoas.
Aqui em Minas não encontro a goma fresca com facilidade mas vou experimentar com o polvilho doce mesmo. Fiquei com água na boca!
Sandra, depois desse post estou numa empreitada pela tapioca! Sou sudestina mas como a família do meu pai é de Manaus e passei a infância lá, tenho uma memória afetiva das tapiocas macias que a minha vó fazia, que ela enrolava como panqueca salgada, nada a ver com as panquecas duras de mistura pronta que temos aqui. Ela trazia a goma fresca em isopor quando vinha nos visitar, junto com polpa de cupuaçu, farinha, peixe. Aqui em Curitiba não tem goma fresca, então estou tentando com polvilho e por enquanto o placar está 3 x1 – eu perdendo né. Como sou ambiciosa, tentei essa de coco; aqui não tem coco ralado fresco como no nordeste, achei um na feira e ralei sozinha, pensa na bagunça haha Por enquanto só consegui fazer as tapiocas simples, a de coco virou um grude – aceito dicas de como aproveitar, acho um dó jogar fora…será que dá pra fazer biscoito?
Ah, parabéns pelo blog! O leite de amendoim já faz parte da minha rotina e o tagine já virou assunto de aula de francês, de tanto que me empolguei. Abraços
É mais delicado conseguir uma tapioca realmente boa (pros meus padrões de nordestina criada com goma fresca;) com polvilho, mas tem quem acerte o ponto, então não desista! Quanto à tapioca com coco que se transformou em grude, a gente come assim, mesmo. Eu adoro grude, embora não seja um substituto da tapioca. Ele está numa outra categoria pra mim. Se ficou muito grudento é porque seu polvilho/goma estava úmido demais. E que alegria saber que meu tagine te empolgou ao ponto de ir pra sua aula de Francês 🙂