Voltei. Leva sempre alguns dias pra que eu possa chegar completamente. O que me lembrou agora daquela cena do filme “O homem que enganou o diabo”, quando o diabo quer aparecer pro herói do filme e ameaça dizendo: “Eu vou cair”, aí o herói responde: “Então caia!” e o diabo começa a cair, do teto, aos pedaços… primeiro um braço, depois uma perna. Nisso o herói perde paciência e diz: “Caia logo todo!” Essa sou eu, chegando aos pedaços e perdendo paciência, querendo chegar logo toda, inteira, de uma vez. Mas não dá pra apressar essas coisas. Tem a mudança de fuso horário, sim, mas é algo muito mais complexo. No momento o corpo parece estar aqui, mas a cabeça está tardando a chegar.
Antes de ir embora de Natal minha irmã pediu pra eu fazer um daqueles posts que eu tinha costume de fazer quando viajava, compartilhando fotos dos melhores momentos da viagem. Você sabe, aquele tipo de post que a gente fazia antes do IG aparecer e monopolizar a partilha de fotos online. Como me dei a missão de fazer blogs ser cool de novo, e também porque não uso mais redes sociais, faz muito sentido tirar a poeira dessa categoria de posts e trazê-los de volta pra cá.
Eu estive em Natal por dois meses, pra matar a saudade da família e, principalmente, pra cuidar da minha mãe, que tem Alzheimer. E em tempos de pandemia, cuidar de uma pessoa idosa e vulnerável necessita ser muito responsável com as saídas, encontros e passeios que fazemos, então passei 8 semanas praticamente dentro de casa. Por isso as fotos que vocês verão aqui foram retiradas do meu cotidiano extremamente caseiro. Só me ausentei de Natal pra ver o meu pai, que mora no Sertão, e pra passar alguns dias numa casa de praia alugada, a poucos quilômetros de Natal. E só. Mas a pessoa introvertida que eu sou também é extremamente caseira, então ficar em casa nunca é um sacrifício pra mim, muito pelo contrário.
Aqui tem fotos feitas por mim e por pessoas da minha família, incluindo um primo de 6 anos que adora brincar com a minha máquina fotográfica (ele que fez as duas fotos abaixo). Algumas foram feitas com telefones e dá pra ver a diferença de qualidade, mas o importante pra mim é o momento ou a cena imortalizada pela foto.
São momentos banais, na cozinha, com as pessoas não-humanas da casa, o bilhetinho carinhoso de uma criança, a noite em que fizemos nhoque pra toda a família, um mergulho no mar de fim de tarde, um passeio de canoa pelo rio Potengi, a vida no Sertão, o pão de fermentação natural que minha irmã assa aos domingos, o café com bolacha assada no leite da tarde, uma flor comestível que se chama “clitória”…
Mas o recheio da vida são esses pequenos momentos e são deles que sinto falta quando estou longe. E dos bichos, das redes, do café da tarde, das frutas, dos risos…
Ainda tenho algumas receitas de lá pra compartilhar aqui. Receitas que fazem parte da cultura alimentar do território de onde vim e que merecem aparecer mais na nossa mesa. Também não esqueci que prometi um post sobre lanches pra levar pra viagens, mostrando o que trouxe pra comer no avião que me trouxe de um continente pra outro.
E pra não deixar esse post terminar sem receita, acho que cabe compartilhar uma bebida simples que eu faço o tempo todo quando estou em Natal. Na verdade é uma receita tão simples que ninguém pensa em compartilhá-la, mas a experiência me mostrou que muitas vezes são as receitas mais simples que precisam ser compartilhadas. Quem sabe cozinhar tem tendência a achar que todo mundo sabe fazer coisas básicas, mas tive a prova inúmeras vezes que isso está longe de ser verdade. E tem também um conhecimento elementar na cozinha que está se perdendo. Tem quem saiba fazer um ou outro prato elaborado (ou vários), mas não saiba fazer feijão, ou tapioca, ou, no caso da receita de hoje, chá de casca de abacaxi com capim-santo.
Chá gelado de casca de abacaxi e capim-santo
Esse chá (o correto seria chamar de “infusão”) pode ser bebido quente, claro. Particularmente, acho que ele fica um espetáculo gelado e como em Natal faz calor o ano inteiro, é assim que gosto. Mas se no seu território fizer frio, sinta-se à vontade pra degustá-lo quente. “Capim-santo” também é conhecido como “capim-limão” em outras regiões e realmente tem aparência de capim (veja os verdinhos na foto acima). Além de ser delicioso, esse chá utiliza a casca do abacaxi, uma parte que geralmente acaba sendo descartada, e reduz o desperdício alimentar na sua cozinha.
Cascas de um abacaxi (idealmente cultivado sem veneno)
Um punhado generoso de capim-santo
Cubra as cascas de abacaxi e o capim-santo com água, só o suficiente pra que tudo fique submerso (use uma panela mais funda que larga) e leve ao fogo alto. Deixe ferver por uns 5 minutos (conte à partir do momento que começar a ferver). Desligue o fogo, cubra com uma tampa ou prato e deixe esfriar completamente antes de transferir pra geladeira. Consuma bem gelado. Não precisa adoçar, o abacaxi deixa a bebida naturalmente adocicada. Se conserva alguns dias na geladeira (nunca durou mais de 3 dias na minha, então não posso garantir que ele sobreviva para além disso sem que o sabor seja alterado).
Nesses tempos de isolamento, essas fotos de momentos cotidianos nos aproximam. Que ternura!
Bom demais receber sua newsletter (suas postagens me chegam por e-mail, então para mim é uma newsletter)! Cansei do Instagram, para mim todo mundo que faz conteúdo legal devia fazer um blog/newsletter também!
Quanto ao chá gelado, fiz um recentemente esses dias, mas não curti o sabor, achei que faltava algo… provavelmente o capim limão deve fazer falta! Vou experimentar essa agora. Beijos para você!
Sandra, aprendi esse chá de casca de abacaxi com você no retiro em Serra Negra, e se tornou um hábito aqui em casa, sempre que descascamos abacaxi já preparamos. Geralmente adiciono canela em pau e cravo da índia, mas vou experimentar com capim santo, que eu adoro! Em Natal também se faz aluá? É uma bebida fermentada da casca, minha avó fazia muito, e eu vergonhosamente nunca aprendi rs… Vou perguntar a ela como faz 🙂 Bjs!
Nunca tinha ouvido falar de aluá, mas agora você tem a missão de conseguir a receita com sua avó e compartilhar comigo!
Amo chá gelado de abacaxi! Vou testar fazer com o capim santo, tenho certeza que deve ficar mais gostoso ainda. E obrigada pela partilha das fotos e dos momentos. <3
Que lindeza, Sandra! Bom te ver no blog com fotos e texto ilimitados.
Que post aconchegante!
A clitoria é tão linda… Gosto muito da infusão dela com capim limão. Fica azul e se adicionar algumas gotas de limão, fica roxa ou lilás.
Ai, Sandra, quando vi aquelas fotos da rede na sala com galinhas sentadas no chão, o cachorro dormindo preguiçoso, o mar lindo de Natal, confesso que fiquei com uma pontinha de inveja… Pensei: “como a Sandra consegue largar tudo isso e voar para Paris?” Mas logo me lembrei do governo facista e da multidão de zumbis que o seguem e entendi… Que pena, não?
Grata, Sandra, por compartilhar mais uma receita.
Também gostarei de compartilhar com você uma receita de tapioca com coco usando a massa integral da macaxeira ( que é triturada no liquidificador usando água na mesma proporção, coar num pano de cozinha. Quando essa massa estiver úmida, acrescentar o coco).
Deve ser delicioso! Uma pena que terei que esperar minha próxima passagem por Natal pra experimentar…
Ler seu blog é terapêutico pra mim! Obrigada <3
Fico feliz que ele produza esse efeito do seu lado da tela <3
Quando visitamos parentes doentes em outra cidade, ficamos mais com eles mesmo.
Uma pergunta:
Como você come a clitória?
Crua, mesmo. Bota na salada ou pra decorar qualquer prato. O mesmo é válido pra toda flor comestível.
to amando esse momento de volta pro blog!! recentemente também saí do instagram pois estava me fazendo um mal danado, mas fiquei muito triste de perceber que a muitas das pessoas que segui lá por causa de seus blogs simplesmente foram parando de escrever nos blogs pra “gerar conteúdo” pra aquele monopólio desgraçado… fico pensando em começar um blog meu só de raiva hehehe
é um alento toda vez que recebo um email avisando de post novo seu, obrigada por compartilhar um pouco das tuas experiências por aqui 🙂
Tinha esquecido como era bom te ler =)
Sandra, a foto em preto e branco que seu sobrinho fez de você ficou linda!!!
Também gostei:) Mas foi meu primo (na verdade o neto de uma prima, porque já cheguei na fase da vida que minhas primas são avós 0_0
Nossa Sandra que saudade! Esses dias me dei conta que não estava te achando no Instagram aí vim correndo aqui e que alívio ver que o blog permanece firme e forte. Olha lendo o texto e vendo as fotos me dei conta do quanto é mais gostoso poder saborear os textos do blog com a atenção só nisso, lendo cada linha, sem feed aleatório para rolar. PS: a foto em P&B está belíssima!
Vida longa aos blogs! Pode ter certeza que vou seguir por aqui, pois o ritmo e o formato dos blogs tem muito mais a ver comigo e com o tipo de trabalho que quero fazer na internet.
Tô amando os posts novos do blog e acostumando com não ter mais sua presença no insta. Coisa mais linda essa clitória! E um pedido: eu não achei a aveioca nas receitas por aqui… pode inserir a sua versão? 🙂
A receita da aveioca nunca foi publicada aqui. Mas vou corrigir isso o mais rapidamente possível! Obrigada pelo toque.
Sandra!! Você se foi do Instagram pra sempre?!
Sim 🙂
Ver a companhia da sua família em casa e a leveza dos dias em Natal me emocionou muito. Acho que tenho sentido falta desse aconchego que a pandemia nos tirou. Obrigada por trazer isso pra gente <3 E vou tentar fazer o chá, tenho capim santo no quintal.