Minha mãe era uma mestra em fazer render a mistura. Ela juntava vegetais à pequena porção de animal disponível, fazendo o conteúdo da panela triplicar de volume, pra poder alimentar todas as bocas ao redor dela.
Tenho opinões fortes (impopulares?) sobre trazer a noção de mistura pra alimentação vegetal e escrevi sobre elas nesse post. Mas, assim como minha mãe e muita gente que cresceu empobrecida, carrego comigo a prática de “fazer render a mistura”.
A dica é simples e útil pra quem quer utilizar ingredientes especiais sem gastar o salário do mês numa refeição. (AVISO: Não precisa de ingrediente raro e gringo pra cozinhar pratos vegetais deliciosos. Mas é divertido expandir nossos horizontes gastronômicos de vez em quando, se o bolso permitir.)
Eu misturo o ingrediente mais caro da minha lista de compras (tofu defumado, cogumelo, tempeh) com outro(s) baratinho(s). Assim consigo fazer pratos incrementados, variar o cardápio, ao mesmo tempo em que faço a receita render bem mais.
A história da receita de hoje é a seguinte. Domingo é dia de ir na feira pegar as frutas e verduras de descarte e distribuir entre as famílias vulneráveis da nossa comunidade. Essa é uma das atividades que faço com o coletivo anarquista do qual faço parte aqui na periferia de Paris. No final do dia, compartilhamos entre nós o que sobrou e domingo passado voltei pra casa com, entre outras, uma berinjela e dois pimentões amarelos. Como eles já estavam com algumas partes estragadas, era preciso cozinhá-los imediatamente (corto as partes estragadas e consumo o resto do vegetal). Fiz uma espécie de ratatouille, mas sem abobrinha, usando a última cebola da cozinha, mais um resto de molho de tomate caseiro do dia anterior.
No dia seguinte desejei tofu mexido, mas ao invés de fazer minha receita tradicional, misturei o danado à mistura de berinjela que eu tinha preparado na véspera. Ficou tão bom que tirei uma foto pra vir compartilhar com vocês aqui.
Tofu não é caro onde moro e faço questão de dizer que só compro tofu francês, feito com soja orgânica cultivada aqui, mesmo. Mas como boa parte do que comemos em casa vem de descarte, ou seja, me custa zero dinheiro, ele acaba sendo um dos ítens mais caros que entram na minha geladeira, pois compro tofu em uma loja de produtos orgânicos em Paris. Se também for o seu caso, lembre do conhecimento prático dos pobres e misture esse alimento com vegetais que são baratos no seu território. Além de fazer sua refeição render muito mais, você vai criar pratos mais completos, variados e talvez, como aconteceu comigo aqui, tão gostosos que você vai querer anotar a receita pra lembrar de fazer de novo no futuro.
Tofu com berinjela e pimentão
Bom pra rechear pastel, panqueca, torta, empadão, sanduíche e o que mais quiser. Quanto às medidas, siga o seu coração.
Berinjela
Pimentão (melhor se for vermelho ou amarelo, que são mais suaves. Mas como eles custam um rim, pode usar o verde ou deixar esse ingrediente de fora ou usar mais tomate)
Cebola
Tomate
Alho
Tofu
Óleo ou azeite
Molho de soja
Pimenta preta
Ervas (opcional)
Corte a berinjela em cubos pequenos e frite ligeiramente em um pouco de óleo/azeite. Junte o pimentão e a cebola picados e refogue até a cebola dourar um pouco. Junte tomate picado, tempere com sal, cubra (não precisa acrescentar água!) e deixe cozinhar em fogo baixo até a berinjela ficar bem macia e o tomate ter se desintegrado e se transformado em molho.
Em outra frigideira, aqueça um pouco de óleo e refogue o tofu esmigalhado (use as mãos pra esmigalhar o tofu diretamente em cima da frigideira). Cozinhe mexendo de vez em quando até secar um pouco e ficar com alguns pontos dourados. Tempere com molho de soja a gosto, mexa bem e junte a mistura de berinjela e tomate. O ideal é que a mistura se torne um molho encorpado, mais ou menos metade tofu, metade legumes. Prove, corrija o sal e junte sua erva preferida, fresca ou seca (orégano, manjerona e manjericão casam bem aqui).
Lendo em horário de almoço, sem almoçar e o resultado é água na boca e barriga roncando! Deve ter ficado uma delícia!
Tem é tempo que não passava por aqui… marcando bobeira.
Quando li berinjela e pimentão, imediatamente me veio a receita de um troço fantástico. Uma grande amiga foi casada com um Romeno. Lá, como outros países do leste, é preciso aproveitar a abundância de ingredientes em certas épocas para suprir em outras com versões em conserva (como em qualquer lugar, claro, mas nos países onde o socialismo imperou, a iniciativa dentro de casa era ainda mais urgente.
Aí FIAT Zacuscă! “Queimando as cascas de berinjela e pimentão (o vermelho é o melhor), tiramos as polpas (e dos pimentões as sementes), e interior da berinjela vai pro escorredor.
Numa panela, colocar bastante cebola ralada em bastante óleo ou azeite e refogar — eu chego a usar o dobro de cebola em relação aos outros ingredientes, que aqui no Brasil são mais caros. Quando a cebola começa a dourar, juntamos as polpas, sal, pimenta e especiarias de acordo com o freguês: eu uso só pimenta do reino mesmo, às vezes uma folha de louro. Minha comadre mistura cenoura também. E deixar os sabores se misturando. No fim, depois de muito evaporar, o azeite já alaranjado fica evidente no topo da panela… Mas é proposital, para poder ficar na conserva mais tempo.
Colocando em jarras esterilizadas, pode-se completar com um pouco mais de azeite (se for para guardar por meses). Com alguns dias, o sabor fica ainda mais intenso. Dá um trabalhinho, mas fica muito muito bom. E, fazendo em quantidade, vale o esforço. Com torrada, pra visitas, ou no pão com salada…
E considerando o preço do tofu aqui em terras sergipanas, a Zacuscă ainda sai mais barata, mesmo com o pimentão vermelho que é vendido a preço de iguaria.
Saudade de trocar receitinhas…
Beijo, pequena.
Que alegria de ler por aqui, Carol <3