Acabo de voltar do aeroporto, onde fui deixar minha amiga Mariana, que estava me visitando aqui em Paris. Ela é a minha amiga mais antiga, além da primeira lá de Natal a vir me visitar aqui na França e essa foi a razão do meu sumiço aqui do blog nas últimas duas semanas. Eu estava levando ela pra conhecer Paris, mas também compartilhando um pouco da minha vida aqui. Logo no primeiro dia levei a bichinha pra uma ocupação, onde eu tinha uma reunião pra escrever (a muitas mãos) um livreto sobre antiespecismo e luta decolonial com um coletivo antispecista e anarquista aqui da periferia. À partir daí foi só aventuras!
Levei ela pra eventos grandes, como o protesto contra as violências sexistas. Compartilhei coisas do dia-a-dia, como a aula de Francês pra mulheres migrantes em situação irregular em outra ocupação. Mas também tiveram todos os pequenos momentos inesperados que trouxeram alegria, como a conversa com a senhora argelina que faz o pão que mais gosto por aqui, ou que escancaram a desigualdade e o racismo na França. Não passou despercebido aos olhos da minha amiga o fato de todos os garis e pessoas limpando estabelecimentos que cruzaram o nosso caminho serem negras. Ou que o metrô que chega na minha periferia é o que tem menos manutenção e vive dando problemas. Na última noite dela aqui tivemos que fazer uma parte do caminho de volta a pé, pois deu problema no metrô e os ônibus, insuficientes, não davam conta da massa de trabalhadores e trabalhadoras voltando pra casa naquele horário. Fomos caminhando com elas, as trabalhadoras (não por acaso praticamente todas eram negras ou árabes), num frio glacial, mas ainda assim pensando que pelo menos estávamos voltando pra casa depois de uma tarde de passeio, enquanto aquelas pessoas estavam sendo obrigadas a caminhar no frio depois de um longo dia de trabalho exaustivo nos bairros mais afortunados da capital.
E enquanto ela estava aqui, Mari compartilhou uma reflexão que me deixou de boca aberta. Ela é mãe de uma menina de 6 anos e está grávida de quatro meses. Como não sou mãe, nunca tinha pensado antes sobre o tratamento dado a mulheres que são mães e que “ousam” sair pra se divertir sem a criança. Achei a reflexão dela tão importante que pedi pra ela compartilhar aqui no blog. Com a palavra, Mariana.
“Pela primeira vez saí do Brasil, meu país de origem, para visitar uma grande amiga em Paris. Detalhe: estou grávida de quatro meses, viajando sozinha, sem meu companheiro e sem minha filha de seis anos. Não tinha ainda parado para pensar que o próprio deslocamento físico pode ser capaz de deslocar também perspectivas e oferecer um novo ângulo de possibilidades de olhar pra mim mesma, minhas escolhas e como sou afetada por isto.
Fichas caíram quando percebi que entre meu círculo de amizades eu sou a única mãe, hétero, casada, que teve a chance ou a permissão social de viajar e estar longe de casa por duas semanas sem companheiro e sem a cria. Ou seja, quando minha filha de seis anos ficou com o pai, a outra parte responsável por compartilhar comigo todos os cuidados, notei que me tornei uma estranha no ninho. Nenhuma amiga minha, hétero e casada, tem ou teve essa experiência. E tem mais! Nenhuma mulher da minha família ou da família do meu companheiro também teve ou tem esse tipo de experiência como possibilidade.
Algumas amigas, mães, olham meus stories aqui em Paris e apenas dizem: “Urruh, aproveita!” Outras, que também são mães, dizem: “Quando você volta?”, ou “Onde está sua filha”? Minha vontade é responder: “Não voltarei, entreguei minha filha no abrigo”. Mas não respondi assim pra nenhuma mãe que me fez essas perguntas por um motivo simples. Eu entendo por que elas fazem isso, pois eu mesma já fiz perguntas assim.
Eu já fui a pessoa que encontrou a amiga que é mãe na balada e perguntou: “Cadê seu filho?” Pior pergunta! Sabe por que? Porque se a pessoa estiver no limite do estresse, ela pode soltar uma resposta atravessada, daquelas que só as pessoas cansadas de responderem as mesmas perguntas muitas e muitas vezes podem entender. É a tal da satisfação que temos que dar.
Gente, neste contexto não importa onde está a criança! Com certeza a mãe não a deixou com um traficante, nem com desconhecidos! Provavelmente a cria está segura e isso, inclusive, garante à mãe a possibilidade de relaxar. Então que tal a gente reinventar a forma de cumprimentar as mães quando e se elas estiverem sem suas crianças? Principalmente se elas estiverem se divertindo!
Imagina que essas mães conseguiram retirar as correntes sociais com um esforço muito pessoal para estarem se divertindo sem a/o filha/o e aí você não vai querer ser a pessoa que recolocará as correntes nesta mulher, vai?
Então fica a dica, minha bença. Quando encontrar as mamis nos rolês, faça igual aos pinguins de Madagascar: acene e sorria.”
Muito bom!
Que bom encontrar esta reflexão aqui. Como mãe solo, sofri a mesma patrulha, não só quando saía para me divertir: também para trabalhar. Há sempre uma forma de se impor sanções a quem, de uma forma ou de outra, decide se mover para fora dos limites estreitos criados pelo “””””””””bom senso”””””””””
Meu sobrinho, filho da minha irmã, viajou com a filha de 2 anos e a avó materna por uns 5 dias para uma cidade a poucos km de Fortaleza, saindo de Brasília. A guria ficou agarrada o tempo todo com ele, não largava. Talvez, se a mãe tivesse viajado e ela ficado em casa com o pai fosse mais tranquilo.
Fica aqui a reflexão para todas!!! Fui comissária de bordo por 24 anos e me sentia muito culpada por ter que me ausentar de casa frequentemente e ter que delegar a criação de minhas filhas a outras pessoas. Ao mesmo tempo foi a melhor forma de ter meu tempo e espaço , só meu. Foi doloroso mas hoje reconheço o quanto foi importante em me dar o privilégio de visitar exposições, conhecer culturas novas e vivenciar sozinha cada cidade onde pousei. É preciso desconstruir a ideia de que os filhos estão “largados”. Deem-se esta oportunidade, ou melhor , presenteie-se com este momento!
Perfeita a reflexão da Mariana. Com certeza voltou mais feliz pra reencontrar seu filho e o esposo. Bom saber que existem companheiros que compartilham de sua forma de viver a vida. Ainda mais em nosso País, região nordeste,; Grata por sua contribuição que, com certeza ,fará muita gente meditar a respeito assim espero. Bj
É revoltante saber que muita gente ainda acha que uma mãe não pode sair sozinha para se divertir!
Mas uma coisa que não imaginava que existia em Paris e que soube que existe através desse texto: “que o metrô que chega na minha periferia é o que tem menos manutenção e vive dando problemas”.
Pensava que era só nas cidades dos países subdesenvolvidos, que tinha essa desigualdade na qualidade de serviços entre os bairros; mas, descobri que isso existe até nos países desenvolvidos.