Quando eu estava em Natal, cuidando da minha mãe, frequentemente me perguntava o que podia fazer pra variar o lanche dela. Minha mãe, que tem Alzheimer, acabou desenvolvendo fortes preferências gastronômicas, um eufemismo pra dizer que ela gosta de comer sempre as mesmas coisas. No café da manhã ela gosta de Aveia dormida com chia, no leite de coco, servida com banana e mamão. Feijão (de preferência não o preto, pois ela tomou implicância com toda comida escura: ela acha que é algo podre e acaba jogando fora do prato) com arroz e algum legume cozido (jerimum é um dos preferidos dela). E um tubérculo cozido (macaxeira, inhame ou batata doce) com ovo no jantar (de vez em quando rola um cuscuz no coco com ovo). Toda noite eu fazia um ovo mexido pra ela e minha sobrinha ameaçava me filmar e me expor nas redes sociais (“Olha aí Sandra Guimarães, que se diz vegana, preparando ovo!”). Felizmente não uso redes sociais.
Eu não preparo produtos vindos da exploração animal pra ninguém, o que é uma simples questão de coerência com a minha prática de solidariedade política com os animais (também conhecida como “veganismo”). Mas faço uma exceção pra minha mãe, que não tem mais condições de preparar a própria comida. Não é incoerência, é aceitar as contradições que nós, veganas, temos que enfrentar ao viver em uma sociedade especista. Felizmente minha mãe tem uma alimentação ovo-vegetariana no dia-a-dia. Ela nunca gostou de carnes animais (só come peixe, raramente) e é intolerante à lactose, então o seu ovo diário é, na maior parte do tempo, a única coisa que ela come que não vem da terra.
Voltando pro cardápio diário da minha mãe, o lanche é a única refeição que dá pra inovar um pouco. Geralmente ela come frutas (ela adora), seja em pedaços ou na forma de vitamina (no leite de coco, sempre), mas de vez em quando fazemos algo diferente. Minha irmã do meio me contou que quando é ela que está cuidando da minha mãe à tarde, ela faz crepioca pro lanche. Se a moda da crepioca não chegou até você, deixa eu explicar.
O nome é a mistura de crepe + tapioca, e se trata de ovo batido ao qual se acrescenta um pouco de goma pra tapioca e depois se cozinha na frigideira, como se fosse um crepe. Eu me perguntei se dava pra fazer algo parecido com a massa de grãomelete, já que ele se comporta de maneira bem próxima ao ovo de galinha (estou falando em termos culinários, não necessariamente de sabor). Como sempre tem massa de grãomelete pronta na geladeira (depois de fermentar em temperatura ambiente por uma noite), testei minha ideia imediatamente e tenho a satisfação de anunciar que deu muito certo.
Se você fizer a massa fininha e não deixar secar muito na frigideira, ela ficará macia e flexível e você vai poder recheá-la depois com o que quiser, exatamente como um crepe. Mas com a vantagem de ser mais nutritivo (afinal, tem grão de bico dentro) e não ter glúten, caso isso seja algo a evitar pra você. Se você deixar sua crepioca mais espessa, usar um tico mais de óleo (lembre que grão de bico, ao contrário do ovo, praticamente não tem gordura) e deixar dourar bem, ela fica levemente crocante nas bordas e com uma textura que lembra pão de queijo (aquele “puxa” delicioso) no centro. E você pode temperar com ervas, verduras (desidratadas ou frescas) e o que mais quiser pra deixar sua crepioca ainda mais saborosa. Pra mim foi um verdadeiro achado! As possibilidades da culinária vegetal são praticamente infinitas e ainda estamos no começo dessa jornada.
Se minha mãe gostou? Ela adorou! Tive que fazer a crepioca dela bem molinha (fogo baixo, quase nenhum óleo pra não ficar crocante) e cortar em pedaços, pois minha mãe deixou de usar dentadura, por razões de saúde, no início do ano. Isso significa que ela não conta com a ajuda dos dentes pra mastigar e a comida dela tem que ser cremosa, amassada com um garfo (o que fazemos no almoço) ou cozida até ficar bem macia (o que fazemos com os tubérculos). Fiz crepioca duas vezes pra ela, e nas duas vezes ela comeu tudo com gosto.
Que seja pra alimentar você mesma, ou alguém que você ama, faça essa receita em casa. É sempre bom expandir nosso repertório culinário, ainda mais quando se trata de algo tão simples, rápido e versátil. E gostoso, claro.
Crepioca – versão vegetal
Mais uma receita que não tem medida. Se você acabou de chegar nesse blog, vá se acostumando. Autonomia na cozinha, a gente vê por aqui. Você vai ter que começar no dia anterior, misturando a farinha de grão de bico com água, como na receita de grãomelete. Mas depois que tiver essa massa pronta na geladeira, você estará sempre a poucos minutos de degustar uma crepioca. Usei goma fresca, porque sempre tem esse ingrediente na casa da minha mãe, mas talvez dê certo com polvilho doce. Quem testar aí, volta pra contar.
Massa pra grãomelete, preparada na véspera (farinha de grão de bico + água. Veja como fazer aqui)
Goma fresca (pra fazer tapioca)
Azeite ou óleo
Sal a gosto
Misture a quantidade desejada de massa pra grãomelete (dependendo de quantas bocas você quer alimentar) com um pouco de goma fresca (não precisa ser peneirada, pode ser um torrão de goma também, já que ela vai se desmanchar na massa). Da primeira vez usei uma proporção metade/metade, mas na segunda usei mais massa de grãomelete do que goma (talvez numa proporção 2/3 pra 1/3) e achei bom também. Então qualquer coisa entre 1/3 e metade de goma, em volume, dá certo.
Tempere com sal a gosto. Aqui você também pode acrescentar ervas frescas ou desidratadas e temperos. Uma vez usei uma mistura de cebola, alho e tomate desidratados, salsinha e páprica e ficou ótimo! Use sua imaginação… ou só um pouco de sal, mesmo. Junte mais um pouquinho de água, se a mistura ficou muito espessa. Você quer que a massa seja um líquido levemente cremoso, como na foto acima.
Aqueça um pouco de azeite/óleo em uma frigideira antiaderente e espalhe uma camada fina da massa. Deixe cozinhar coberto (pra cozinhar um pouco no próprio vapor), por alguns minutos, até a parte superior secar. Vire e deixe cozinhar mais uns instantes do outro lado, sem cobrir. Se quiser que fique crocante nas bordas, faça uma camada um pouco mais grossa (não exagere, caso contrário ficará cru no meio), use um pouco mais de azeite/óleo e aumente o fogo no final do cozimento, até que fique dourado.
Deguste pura, com uma pasta da sua preferência ou recheada, como um crepe.
Curiosamente comi grãomelete no café da manhã hoje e a receita que costumo fazer leva 1 colher de goma de tapioca justamente pra dar uma liga de forma mais fácil. Mas fiquei muito curioso com o grãomelete fermentado, vou testar o quanto antes!
Já preparo sua receita de grãomelete, mas agora vou preparar esta também!!!
Obrigada por essa receita! Sentimos muita falta da crepioca gordona feita com ovo aqui em casa. Vou preparar hoje mesmo, sempre tenho massa de grãomelete pronta.