Estou mais uma vez em terras potiguares e mesmo tendo nascido e crescido aqui, ainda me encanto com a abundância de comida vegetal boa que encontramos no meu país, o Nordeste. Aqui tem tanta receita tradicional que é naturalmente vegetal, uma imensidão de frutas e verduras maravilhosas, além do coco, da castanha, do gergelim, que pra mim é o melhor lugar do mundo pra ser vegana. E se você juntar a isso o fato que quase 50% das unidades de agricultura familiar se encontram nessa região e que o veganismo popular é muito forte aqui, a conclusão é a seguinte: temos todas as condições reunidas pra organizar a revolução antiespecista à partir do Nordeste. Mas voltemos à comida.
Antes de começar a postar receitas do meu território, como faço sempre que estou nessa parte do Brasil, pensei em fazer uma lista das que já publiquei aqui e que, não por acaso, são alguns dos meus pratos preferidos. Bora lá.
Café da manhã no Nordeste pra mim é tudo! E como é mais comum comer à noite o que comemos de manhã (comida “de jantar” e “de café da manhã” sempre foi a mesma coisa pra mim ), o que acho bem prático, saber fazer a base dessas refeições é extremamente importante. Sem falar que esses pratos também podem ser degustados no lanche. Tapioca e cuscuz estão para a nordestina como o oxigênio está pras não-nordestinas. Mas tudo começa com leite de coco. Utilizado nas receitas do café/jantar/lanche, nas sobremesas e também pra tomar com café ou fazer vitaminas de frutas.
Como fazer cuscuz (e com coco)
Tapioca com coco recheada com pasta de amendoim e banana.
Os pratos nordestinos de almoço que já publiquei aqui são tradicionais e naturalmente 100% vegetais, embora um pouco esquecidos, como o macaco de feijão macaça, a maxixada e a quiabada. Aliás feijão macaça, quiabo e maxixe são alguns dos símbolos culinários mais fortes no meu território. Outros pratos são tradicionais, mas ligeiramente adaptados, como a farofa d’água (que geralmente é feita com manteiga da terra). Na verdade quase todos os pratos tradicionais são feitos hoje com manteiga e nata de leite de vaca, mas quando puxamos pela memória dos mais antigos, descobrimos que nem sempre foi assim, já que esses ingredientes eram raros e ainda são muito caros.
Tem um dos meus pratos preferidos da vida, o pirão de maxixe, que até entrou no cardápio do restaurante vegano “Papoula Culinária Saudável”, em João pessoa. Eu inventei esse prato num dia que estava com muita vontade de comer pirão, que é tradicionalmente feito com carne ou peixe, mas descobri depois que existem versões de pirão com maxixe, porém sempre misturado com carne de animais. Tem a famosa moqueca de caju, que é, na minha opinião, a melhor moqueca vegetal de todas. Sou suspeita pra falar, pois amo caju, mas teste aí e me diga se ela não é um desbunde. E não podia deixar a fava de fora, ela que é a rainha dos feijões. Essa receita também é minha (ou seja, nunca comi em outro lugar preparada desse jeito), mas o ingrediente principal é tão emblemático do Nordeste, e o sabor é tão maravilhoso, que tenho certeza que um dia ela vai fazer parte do repertório de receitas tradicionais nordestinas.
Quiabo no coco (quiabada)
E os doces? Eu, que não sou uma grande apreciadora de doces, adoro as sobremesas tradicionais do Nordeste. Não as versões colonizadas pela empresa do capeta, aquela que começa com Nes e termina com Tlé, e que convenceu a população brasileira que tem que colocar leite condensado em absolutamente tudo. Escrevi longamente sobre isso e se você ainda não leu meu post sobre o assunto (Sobre leite condensado, queijo e o que o veganismo tem a ver com isso) recomendo muito. Mas saiba que antes dessa colonização das nossas mesas (e paladares), o meu amado leite de coco abundava nas nossas sobremesas. Meu bolo preferido de todos os tempos é o de macaxeira, que também leva coco. Também adoro a versão com carimã, que é como chamamos a macaxeira pubada (fermentada), e goiabada. E, pros dias quentes, que aqui no Nordeste significa “todo dia”, o creme de tapioca com frutas é a coisa mais perfeita do mundo: leve, delicado e cheio de sabor.
Creme de tapioca com coco e abacaxi caramelizado ou manga
À partir da semana que vem vou publicar mais receitas do Nordeste, pra aumentar essa lista. E se você gostaria de aprender a preparar algum prato típico do meu território, ou gostaria de saber mais sobre um ingrediente típico daqui, é só falar.
Uma riqueza mesmo!
Ei Sandra,
Te mandei um email já faz algumas semanas. Não sei se foi no e-mail certo, seria esse: papacapimveg@gmail.com ?
Já respondi 😉
Nossa sandra, eu acho muito coerente essa visão do nordeste como central pra pensar uma vegetalização da comida também pelo fato do churrasco não ser tão central aqui como é em outros estados. Metade da minha família é sulista e sudestina e sempre foi um estranhamento perceber como TANTOS momentos sociais são centrados nessa prática
Muito legal, você estar fazendo isso!
Eu acho que deve haver divulgação de várias coisas do Brasil que não são do Sudeste (principalmente de São Paulo e do Rio de Janeiro).
Mas infelizmente, o Nordeste ainda é pouco visto com representação vegana:
1) Pelo fato do movimento social vegano no Brasil ter surgido no Sudeste; as outras regiões do Brasil (como o Nordeste) tem pouca visibilidade com o veganismo.
2) Relativo a isso, quando eu vi um vídeo no Youtube sobre a inauguração de um restaurante nordestino vegano em São Paulo; houveram 2 comentários que me chamaram a atenção, um sobre uma pessoa que acha que o veganismo não combina com o Nordeste e outro de que não existem restaurantes veganos de comida nordestina no Nordeste.
3) Acho legal viajar pelo Nordeste; mas, evito ir a restaurantes nordestinos em São Paulo, porque tem muito poucas opções vegetarianas. Uma das exceções de restaurantes nordestinos em São Paulo é o restaurante Empório Nordestino (endereço: Largo da Matriz de Nossa Senhora do Ó, 144, Freguesia do Ó, São Paulo, SP), em que o baião de dois vegano (tem linguiça de soja e carne de jaca) para uma pessoa custa 44 reais (esse prato sustenta bastante).
Observação sobre o movimento vegano no Brasil ter surgido no Sudeste:
O movimento social vegano no Brasil surgiu com o Leon Denis Moreira Filho ter começado a mostrar o veganismo nas escolas e com a ONG VEDDAS; e talvez com o Instituto Nina Rosa e com a Revista dos Vegetarianos (todas essas coisas surgiram em São Paulo; O Instituto Nina Rosa surgiu em 2005 e as outras coisas surgiram em 2006).