Semana passada eu sentei pra almoçar no jardim e depois de fazer a pequena oração de agradecimento, que faço sempre antes de comer, fiquei admirando o meu prato. Não que a comida fosse extraordinária, muito pelo contrário. Era um simples prato de macarrão com couve, tomate e manjericão, vindos da nossa horta de quintal. Mas apesar de ser o segundo ano da nossa horta, ainda me maravilho com o ato de comer o que eu mesma plantei.
Foi então que percebi que meu almoço ia na contramão de tudo que vejo sendo valorizado nas redes sociais. Aquela comida não era, pra usar as palavras da moda, “low carb”, nem “proteinada”, nem “fit”, nem mesmo “gluten free”. Eu sorri e degustei meu macarrão, feliz.
Vim aqui propor uma reflexão. Me assusta ver a obsessão geral com proteína. Se antes isso ficava restringido ao mundo de fisiculturistas, já faz um certo tempo que a coisa foi se espalhando e entrou na cabeça de quase todo mundo. É uma galera contando proteína a cada refeição, ingerindo vários ovos por dia, se atolando em carne de vaca e frango e entupindo tudo que passa pela frente de “whey protein”. Já vi até água “enriquecida” com “whey”. Minha gente, que mundo é esse em que até água, ÁGUA!, se tornou uma oportunidade pra ingerir mais proteína? Como se tivesse um crise de falta de proteína! No Brasil de 2023, enquanto a maior parte da população sofre com algum grau de insegurança alimentar, o grupinho dos apóstolos do culto à proteína (animal) devoram muito mais do que o necessário pra manter a saúde e muito, muito mais do que o aceitável em matéria de impacto ambiental e social.
Seguir essa dieta ultra proteinada, transbordando de corpos animais, leite e ovos, significa escolher ter um impacto gigantesco no meio ambiente e isso é inaceitável. Em pleno colapso climático, é indecente escolher se alimentar da maneira com o maior impacto ecológico possível. E é egoísta, porque só é possível ter uma dieta ultra-proteinada (animal) pra alguns se for retirada a possiblidade da maioria de ter acesso ao suficiente. Se tem excesso do lado de cá, é porque não tem o suficiente do lado de lá. Enquanto uns pregam comer animais e seus derivados a cada refeição, a Amazônia se transforma em pasto, os povos indígenas são expulsos de seus territórios e assassinados e o Cerrado vira monocultura de soja (pra alimentar animais de abate). Sem falar no impacto nefasto do metano, produzido por todos esses animais criados pra serem devorados pelos adoradores de proteína (animal), na quantidade de água e terra necessária pra produzir uma dieta que oferece 3, 5, 10 vezes mais proteína do que a quantidade que o corpo precisa! Pense também no peso que isso coloca no sistema de saúde pública, já que a relação entre consumo de animais e seus derivados e o aparecimento de várias doenças não pode mais ser contestada por ninguém que tenha algum respeito pela ciência.
Pra minha tristeza, o culto da proteína entrou até mesmo no mundo vegano. As receitas vegetais que vejo em blogs e canais do YouTube aparecem cada vez mais acompanhadas das palavras “proteinada” ou “high protein” e consumir proteína em pó “vegana” está se tornando cada vez mais comum. E o que dizer de ter gente chamando isso de “whey protein vegano”? Deve ser pra que além de sem necessidade, o produto seja sem sentido também. (“Whey” quer dizer “soro de leite” em Inglês, então já viu o quão ridículo é chamar proteína de ervilha, soja ou arroz de “soro de leite”, né?)
Agora vamos nos perguntar: a quem serve essa obsessão com proteína? Quem lucra com a supervalorização e idolatria de uma categoria de alimentos, essencialmente vindos da exploração animal?
Fica aqui o convite pra refletir também sobre quem dita o que a gente considera importante. Por que essa supervalorização de corpos animais e desvalorização ou até demonização de cereais (macarrão, arroz, pão, milho)? A proteinomania (vinda de animais) é irmã da fobia dos carboidratos (que vem dos vegetais). É uma reflexão que dialoga com esse post aqui sobre redefinir o conceito de fartura. Lembrando que o prato que mencionei no início desse texto foi só uma refeição. Naquele dia eu tinha tomado café aveia com chia e fruta, depois desse almoço lanchei alguma coisa e à noite jantei sopa de lentilha. Ninguém se desintegra por ter feito uma refeição mais rica em carboidrato do que em proteína (e sim, tem proteína aqui também, meu povo!).
Meu prato de macarrão com tomate e couve seria reprovado pelas gurus fits, até mesmo as veganas, que veriam uma “bomba” de carboidrato e azeite e um “vazio” de proteína. Pra muito além das vitaminas e minerais do tomate e da couve, das fibras e da proteína , eu olho pro meu almoço e vejo comida que me faz feliz, porque foi plantada por mim e cresceu no meu quintal. Comida que alimenta o meu corpo, me dando forças pra servir minha comunidade e transformar o mundo, sem pesar demais sobre a nossa Terra, que deve ser compartilhada com quase 8 bilhões de pessoas humanas e todas as pessoas outras que humanas. Comida gostosa e que reforça meus vínculos de afeto com a terra, com t minúsculo, e reafirma meu compromisso de solidariedade com a Terra, com T maiúsculo, e todos os viventes que moram nela.
Macarrão com couve e tomate cru
É uma daquelas receitas humildes, nível iniciante e que fica pronta em minutos. É importante usar tomates gostosos, bem maduros, e em grande quantidade pra massa ficar gostosa. Na verdade, seja generosa tudo: a couve, o azeite (o melhor que você puder usar), o manjericão… No mais, como expliquei no post acima, essa NÃO é uma receita “low carb”, nem “proteinada”, nem “fit”, nem “sem gluten” (mas pode ser, dependendo do tipo de espaguete utilizado). Mais do que rebeldia com as modas do mundo fit, se trata simplesmente de uma receita que apareceu na minha cozinha no meio da semana, usando ingredientes da minha horta de quintal, e que me fez muito feliz, além de me alimentar.
Macarrão
Couve
Tomates maduros (usei uma mistura de vários tomates)
Alho (opcional)
Manjericão
Azeite
Sal e pimenta preta
Castanha do Pará (opcional)
Ferva uma panela com bastante água salgada (pra cozinhar o macarrão). Enquanto isso, corte a couve em tiras finas, corte os tomates em pedaços pequenos e pique o alho, se estiver usando.
Quando a água ferver, coloque o macarrão pra cozinhar até ficar do seu gosto (al dente ou bem cozido, não estou aqui pra julgar). Quando o macarrão tiver cozido desligue o fogo e retire meia xícara da água do cozimento (reserve). Jogue a couve picada na panela, mexa rapidamente e escorra tudo junto. A couve cozinha em segundos e esse mergulho na água fervente do macarrão é suficiente pra deixá-la no ponto.
Transfira o macarrão e a couve pra panela onde foram cozinhados e junte os tomates, o alho, o manjericão (rasgado ou picado), mais um pouco de sal, pimenta preta e bastante azeite (seja generosa). Mexa e se o macarrão parecer um pouco seco, acrescente a água do cozimento do macarrão, que tinha sido reservada. Misture novamente, prove e corrija o sal/pimenta. Sirva imediatamente. Se quiser, rale uma castanha do Pará por cima (como na foto) antes de degustar.