Descobri que isso tem até nome em Português: “síndrome do domingo à noite”. Eu acho o nome em Inglês mais evocativo: “Sunday scaries”. (Ou “Sunday Night blues”, o que soa como nome de uma banda, pra mim.) Quase todo mundo já sentiu isso. Aquela tristeza que começa a bater no final da tarde do domingo e se intensifica com a chegada da noite. Porque o fim-de-semana (entenda: o descanso) acabou e amanhã é segunda. E quem gosta de segundas? Tem despertador, tem escola, tem trabalho…
Pensei em passar aqui pra deixar algumas sugestões de coisas que li, vi, ouvi e escutei recentemente e que gostaria de compartilhar. Não ousaria dizer que vai curar sua síndrome do domingo à noite. Só uma revolução social, que mexesse nas estruturas da escola e do trabalho assalariado, poderia curar essa síndrome. Mas se postar mini listas com recomendações bacanas não vai salvar sua noite de domingo, piorar também não vai. E talvez, talvez, você leia, escute ou veja alguma coisa que te faça começar a semana carregando uma fagulha de algo bom. E isso já é uma vitória.
Uns dias atrás publicamos, Anne e eu, um artigo sobre a trilha Chico Mendes, uma iniciativa de turismo de base comunitária dentro da Reserva Extrativista Chico Mendes (Acre), em uma revista online francesa. Esse é um dos vários artigos que escrevi pro nosso projeto sobre a Amazônia em luta (eu escrevo os textos, Anne faz as fotos). É em Francês, mas tem um botão em algum lugar que traduz pro Português (foi o que o meu sobrinho me disse) e vale a pena conferir pra ver as fotos impactantes que Anne fez.
Chico Mendes, o líder seringueiro que defendia a Amazônia e os direitos dos povos tradicionais da floresta, teria completado 80 anos em dezembro (de 2024). O documentário “Empate” (quem conhece a história de resistência dos seringueiros vai entender de cara o nome), dirigido por Sérgio Carvalho, honra sua vida e luta. O filme estreou nos cinemas brasileiros mês passado, mas como não entrou em cartaz em Natal, não pude assistir antes de ir embora. Mas ainda estou procurando uma maneira de vê-lo (talvez passe nos cinemas parisienses também?).
Desde domingo passado acompanho, hora por hora, os acontecimentos relacionados ao cessar-fogo em Gaza. Meus dias são preenchidos com tristeza, revolta, alguns momentos de alívio e uma grande preocupação também com minhas amigas da Cisjordânia (porque enquanto todos os olhos estão voltados pra Gaza, o poder colonial – Israel- está esmagando a outra parte da Palestina na mesma impunidade de sempre). Mas diante da constante desumanização e diabolização de um povo oprimido, eu queria mesmo era celebrar a força criativa e o talento das palestinas e dos palestinos.
Saint Levant, nome artístico do cantor palestino Marwan Abdelhamid, é um desses exemplos. Ele nasceu em Jerusalém, cresceu em Gaza e foi ainda criança pra Jordânia, fugindo dos bombardeios israelenses com a família. Ele canta em Árabe, Inglês e Francês, sua música é uma mistura deliciosa de moderno com tradicional e ele cultiva um bigodão saído diretamente dos anos 70. O rapaz, um jovem de apenas 24 anos, é de um talento imenso e, coisa rara no “showbizz”, tem uma coragem proporcional. Ele sempre falou publicamente da causa Palestina e desde o inicio do genocídio cometido por Israel, usou todas as oportunidades possíveis pra falar sobre Gaza e dar plataforma pra artistas palestinos. Ano passado ele tocou pela primeira vez no Coachella, o maior festival de música do mundo, e usou a oportunidade pra trazer a Palestina, e Gaza, pro palco e ainda fez um dueto, via zoom, com a banda SOL, de Gaza. Eles gravaram juntos e o resultado foi forte, muito forte. A música se chama “On this land” (“Nessa terra”) e vou fazer uma tradução aproximativa do comecinho: “Permaneceremos aqui / então a dor desaparecerá / viveremos aqui / e a melodia vai ser suavizada / minha terra / minha terra / terra de orgulho / minha terra / terra que sou eu”
Ele também lançou a música Deira, com Mc Abdul, o garoto de Gaza que viralizou ao gravar uma música de rap (em Inglês!) em 2021, quando tinha apenas 12 anos, denunciando as condições de vida do povo palestino sob as bombas israelenses. Uma música belíssima, com acordes e vocais tradicionais, junto com o rap de arrepiar de Mc Abdul, ainda mais linda nessa versão ao vivo.
Mais recentemente, Saint Levant lançou Daloona, uma música com 47Soul, um grupo palestino que eu adoro, e dois outros cantores palestinos: Shadi Borini e Qaseem Alnajjar. O começo dessa música é uma canção palestina de resistência e eu descobri o clipe, por acaso, no aeroporto, enquanto esperava o voo que me traria de volta pra França. Foi uma emoção tão grande que chorei do início ao fim. Acho que além de ser uma musica de resistência (“Me perguntaram ‘amigo, de onde você é?’ / Eu disse: ‘Sou palestino’ / Eu sou de um povo indestrutível / E eu mantenho minha cabeça erguida “), num momento tão difícil da história palestina, e mundial, afinal um genocídio é algo que marca o tempo de mundo com um “antes” e um “depois”, o que realmente me fez chorar é que o clip foi filmado como se fosse um vídeo caseiro de uma comemoração palestina (um casamento, por exemplo). E ver a alegria daquele povo (o clip foi filmado num campo de refugiados – refugiados palestinos- na Jordânia), no meio de tanta desgraça, teve o efeito de um eletrochoque na alma. Quando terminou a música e vi que o clipe tinha sido dirigido pelos irmãos Tarzan, dois cineastas de Gaza atualmente no exílio, a emoção foi ainda maior.
Uma última recomendação de Saint Levant: a música “From Gaza, with love” (“De Gaza: com amor”). Tem humor, tem pitadas de política, o som é maravilhoso e o clip…. Ele tem esse estilo incrível que consegue fazer o brega ficar engraçado e depois se tornar “cool”. Adoro! Acredito muito no poder do humor inteligente pra sensibilizar e dar uma sacudida nas mentes e um basta no processo de desumanização que o povo palestino sofre há tantas décadas.
Termino com uma recomendação tirada dos arquivos do blog: o molho de pimenta do meu pai. A receita é ótima, mas a história é melhor ainda. Bora terminar o domingo rindo.
Força, guerreiras, pra enfrentar a segunda e espero que passem a semana escutando “From Gaza: with love” e sacudindo os ombros.
Um cheiro.
S