Volto com mais um post da série sobre as comidas que degustei e descobri durante a viagem pela Amazônia. Depois do Acre, de Manaus e de uma viagem de barco pelo rio Amazonas, chegamos em Belém, um dos pontos fortes da gastronomia amazônida.

Vou começar com ele, o amado, o idolatrado açaí. Na foto abaixo: açaí branco e roxo (o mais comum), na feira do açaí. Foi a minha segunda vez em Belém e eu já sabia da maravilha que é o açaí por lá. Fiquei feliz em apresentar o açaí autêntico pra Anne, que, como todo mundo que não nasceu na Amazônia, primeiro achou “diferente”, mas antes do final da primeira cumbuca já tinha se apaixonado perdidamente. Comemos com farinha de tapioca (abaixo, à esquerda) e com farinha d’água (abaixo, à direita). Quem nunca comeu açaí puro (sem xaropes, sem açúcar e sem – que as deusas da floresta nos perdoem – leite condensado) vai se surpreender com a profundidade do sabor. Eu fico encantada com a textura também, que tem um aveludado que me lembra abacate.

Mas o fato de amar açaí em temperatura ambiente, sem açúcar e com farinha não significa que não gosto da versão “sobremesa” dele. Só que se for pra comer ele doce, aí prefiro na forma de sorvete, mesmo. E ninguém em Belém faz um sorvete de açaí melhor do que a sorveteria Cairu. É uma sorveteria tradicional, uma instituição na cidade. E apesar de não estar totalmente livre da influência do colonialismo alimentar, com sabores como “ovomaltine” e “kynder ovo”, as frutas regionais são as verdadeiras estrelas dessa sorveteria. O sorvete de açaí (100% vegetal) é um espetáculo e um dos mais premiados da casa. O outro sabor vegano se chama “paraense” e é açaí com farinha de tapioca. Como explicar que acrescentando um ingrediente de sabor quase neutro, como a farinha de tapioca, o sorvete se transforma em algo assim, tão poético? Quem acompanha esse blog há um certo tempo deve ter percebido que tenho opiniões e preferências gastronômicas fortes, e que sou dada a arroubos de entusiasmos com certas comidas. Então toma mais uma arroubo de entusiasmo: são os melhores sorvetes que já tomei! E olha que levo sorvete muito a sério, pois é uma das poucas sobremesas que gosto.
Depois dessa declaração de amor ao açaí, deixa eu falar sobre meu prato paraense preferido (meu e de toda a população local): maniçoba. Repare que o danado tem tudo pra espantar as desavisadas. Parece (com todo respeito) lama do mangue. E quando explicam pra gente o que é, dá um certo medo de provar.
Se você não sabe, maniçoba é feita com as folhas da maniva (mandioca brava), que precisam ser cozidas por vários dias (geralmente de 4 a 7 dias) para eliminar o ácido cianídrico, que é altamente tóxico. Depois elas são misturadas com pedaços de animais e fica parecendo uma feijoada, mas sem feijão.
Vá contra os seus instintos de preservação (“Nazinha, faça com que essa maniva tenha sido cozida por tempo suficiente e não me mate”) e prove, pois esse prato é um desbunde! Obviamente só provei a versão vegetal, mas me disseram que até quem não é vegana aprecia a versão vegetal, considerada mais leve e digesta. Em Belém eu gostei muito da maniçoba do restaurante (vegetariano) Govinda (foto abaixo, à esquerda) e do Purão (foto abaixo, à direita), que é 100% vegano. Aliás o Purão é meu restaurante preferido em Belém. Tem um buffet repleto de delícias, além da maniçoba, as sobremesas são muito boas.
Terminando o “top 3” das melhores comidas de Belém, eu vos apresento pupunha. Não o palmito, mas o fruto (ambos vem da palmeira Bactris gasipaes). Foi a primeira vez que comi pupunha e fiquei encantada. Os frutos são cozidos na panela de pressão (tem que cozinhar bem, senão dá uma coceira louca na boca. É, comida paraense não é para as fracas!) e tradicionalmente degustados com café. Foram minhas amigas Larissa e Maria, da Casa 316, que nos apresentaram pupunha num café da manhã que ficou na memória.
O sabor? Imagine que a batata doce teve uma filha com o milho e ela nasceu como uma versão junta e melhorada dos dois. Essa é a pupunha pra mim. O Armazém do Campo de Belém serve pupunha cozida com café (com leite vegetal!) e um bolo de macaxeira (também vegetal) divino (foto abaixo, à esquerda)! Também fui levada pela minha amiga e camarada Michelle pra provar uma posta de pupunha em um restaurante tradicional da cidade (que não é vegano, mas que tem algumas opções vegetais no cardápio). Abriu-se um mundo de possibilidades à partir da pupunha na minha cabeça. Mais um item na minha lista de coisas urgentes a fazer: me mudar pra Belém e passar um ano inteiro cozinhando, e comendo, pupunha.
Abaixo uma pequena mostra das delícias que comi em Belém, seja na casa de amigas e camaradas (como essa feijoada), em restaurantes (veganos ou não), no centro de Belém e nas ilhas do Combu e Cotijuba. Destaque pro feijão manteiguinha, que descobri lá e pelo qual me encantei (fui encantada várias vezes pelo que as minhas papilas descobriram nessa viagem). No Pará ele é servido como uma salada (em temperatura ambiente e misturado com tomate, cebola, chicória – que eu chamo de “coentrão”) e foi assim que preparei (foto à esquerda, na linha do meio). Mas quando estive em Cotijuba comi esse feijão numa versão afarofada, com castanha-da-Amazônia, e também ficou ótimo (acompanhando a moqueca de banana da terra, na foto à esquerda, na linha de baixo). Mais um destaque: o sorvete de cupuaçu com castanha-do-Amazônas caramelizada (ultima foto da galeria abaixo).
Falei da pupunha servida no café do Armazém do Campo, então vou aproveitar pra falar que é lá que você vai encontrar a pupunha crua (pra preparar em casa), além de muitos outros produtos locais, vindos da reforma agrária. Melhor lugar pra comprar comida na cidade. Tem uns chocolates maravilhosos, com cacau da Amazônia.


Esqueci de fazer uma foto do brunch delicioso que comi na padaria Verderosa, que é vegana e muito aconchegante. E por que estou falando desse brunch? Porque foi ali que provei uma fruta regional chamada “bacuri”. Comi um creme de bacuri na padaria que fez meus olhos brilharem! Que fruta é essa, minha deusa? Que sabor é esse? Infelizmente não consegui encontrar a fruta fresca, mas será minha missão (mais uma) quando voltar pra Amazônia, no final do ano.
Não posso terminar esse post sem falar que minha passagem por Belém não teria sido, nem de longe, a maravilha que foi sem as minhas amigas e camaradas do VEM. Elas me deram casa, comida, carinho, apoio e experiencias incríveis. E presentes comestíveis!
Agora, vamos pra receita de Belém, que na verdade é meio de Belém, meio de Manaus. Explico. Quando estive no MUSA tomei um suco no café de lá e reparei que o cardápio tinha um prato com sabor local e, olha que coincidência, vegano. Mas não estava disponível naquele dia. Perguntei pra cozinheira do café, que era simpática, como ela fazia aquele prato e ela, muito generosa, me explicou direitinho. Me prometi que prepararia aquela comida em Belém, pois lá eu encontraria os ingredientes necessários.
Quando contei dos meus planos pra amiga nos hospedando (cheiro, Vanessa!), ela disse que ali em Belém chamavam aquilo de “arroz paraense”. As únicas diferenças eram que a versão que a cozinheira do MUSA tinha me dado incluía banana da terra frita (porque o povo de Manaus é completamente obcecado por banana da terra e certo estão eles) e castanha-da-Amazônia.
Fiz o prato e ele era tão gostoso quanto eu tinha imaginado. E Vanessa, que é paraense, também adorou, o que me deixou muito orgulhosa. Apesar dos ingredientes serem difíceis (impossíveis?) de encontrar fora da Amazônia, queria deixar a receita registrada aqui no blog, porque tenho certeza que farei novamente assim que meus pés voltarem a tocar a cidade das mangas.

Arroz com tucupi, jambu e banana da terra (um arroz paraense com influência manauara)
Esse arroz lembra risoto, na textura cremosa, mas o sabor é totalmente amazônido. No lugar do caldo de legumes (ou de animais), o arroz é cozinhado no tucupi, que é o caldo fermentado da mandioca. Que idéia brilhante! Agora quero cozinhar tudo no tucupi! Além disso, ele é recheado com jambu, aquela folha que faz a boca tremer. A banana da terra frita acrescenta um toque doce que realça ainda mais o sabor “umami” do tucupi e a castanha-da-Amazônia traz ainda mais sabor e contraste de textura, algo importante num prato como esse, onde todos os elementos são macios. A castanha usada nessa receita é fresca, que é leitosa como polpa de coco seco (aquele que usamos pra fazer leite).
Arroz branco (evite o parbolizado)
Tucupi
Banana da terra (de fritar)
Cebola
Alho
Chicória (também conhecida como “coentrão” ou “coentro do Maranhão”)
Castanha-da-Amazônia FRESCA
Óleo
Sal e pimenta preta
Refogue a cebola picada em um pouco de óleo. Junte o alho picado/amassado e o arroz e refogue por mais alguns segundos. Cubra o arroz com uma mistura de tucupi e água, em quantidade suficiente pra cozinhar o arroz. Pode usar metade água, metade tucupi ou adaptar ao seu gosto. A cozinheira do MUSA me falou pra usar só tucupi, e foi o que fiz, mas o sabor fica bem forte e se você não tiver costume de consumir esse ingrediente, aconselho diluir o tucupi com água pra deixar mais suave. Deixe cozinhar em fogo baixo, coberto, mexendo de vez em quando. O objetivo é conseguir um arroz bem macio e levemente cremoso, como um risoto, então acrescente mais água/tucupi até atingir a consistência desejada e não tenha medo de mexer com a colher de pau (é pra ficar grudado, mesmo).
Enquanto o arroz cozinha descasque e corte as bananas da terra em fatias (no sentido do comprimento). Aqueça um pouco de óleo em uma frigideira e frite a banana até ficar bem dourada dos dois lados.
Quando o arroz estiver cozido e cremoso, junte chicória picada e pimenta preta a gosto. Prove e decida se precisa de sal (eu achei o tucupi salgado suficiente pra temperar o arroz, mas talvez isso varie de tucupi pra tucupi).
Sirva acompanhado da banana da terra frita e salpicado de castanha-da-Amazônia picada.