Comidas amazônidas – Manaus

Essa é a segunda parte da mini-série de posts sobre as comidas que descobri, e cozinhei, durante a viagem que fiz pela Amazônia (do Acre ao Maranhão), no final do ano passado. Na primeira parte falei sobre o que comi no Acre e agora voltei pra falar de Manaus.

Diferente da primeira parte da viagem, onde uma amiga nos acolheu e conhecemos várias pessoas acreanas que compartilharam com a gente as comidas daquele território, a passagem por Manaus foi por nossa conta. Não conhecia ninguém por lá e foi a parte mais “turista” das 7 semanas que passamos na estrada. Então preciso dizer de cara que por causa disso, e por ter ficado apenas alguns dias na cidade, meu contato com a comida do Amazonas foi muito limitado. MAS, e é um “mas” com letras maiúsculas, fiz uma descoberta que, sozinha, valeu a viagem. Conto já já sobre esse ingrediente amazônido, extremamente apreciado pelo pessoal local e pelo qual me apaixonei perdidamente.

Primeiro deixa eu contar que em Manaus a galera é doida por banana-da-terra, que por lá é chamada de “banana pacovã”. De início, isso causou uma confusão na minha cabeça, porque de onde venho “pacovã” é outra banana, que se como crua. Abaixo, a feira da banana onde, além de banana-da-terra (ou pacovã/comprida/de fritar), é possível encontrar bananas de outros tipos. Me encantou ver como banana-da-terra é vista como um “recheio”, seja pra comer com tapioca ou com pão. Fiquei me perguntando por que nunca pensei nisso antes. Amo banana da terra, mas tenho costume de comê-la frita, como acompanhamento do feijão com arroz do almoço, ou cozida, no café da manhã, acompanhada de algo salgado (como faço com tubérculos – macaxeira, cará). Mas anotei a ideia, pois sanduíche com banana da terra é uma delícia!

Agora falemos do ingrediente amazônido que provei pela primeira vez em Manaus e que conquistou meu coração: tucumã. Esse frutinho, que vem de uma palmeira, tem um sabor parecido com nada que eu já tinha provado antes. Vai ser impossível descrever o danado, só posso dizer que ele tem um sabor marcante, daqueles que, na primeira mordida, você acha estranho, depois pensa “Interessante!” e em pouco tempo passa a achar aquilo muito gostoso. E quanto mais você come, mais o negócio te parece saboroso.

Comprei tucumã fresco na Feira da Banana, onde ele estava sendo descascado por mulheres de mãos habilidosas. Entendo porque ele é tão caro, porque só vendo o trabalho de descascar já fiquei com vontade de pagar mais, e olha que nem vi o tamanho do trabalho pra colher o bichinho. E olha que quando estive em Manaus o quilo do tucumã fresco custava 100 reais! Por isso só comprei 100g.

Normalmente as pessoas colocam as lascas de tucumã cruas, mesmo, dentro do pão (ou tapioca), pois já é bem saboroso e, por ser rico em gordura, você realmente tem a impressão de estar comendo um “recheio” e não uma fruta. (Esqueci de dizer que tucumã não tem nada de doce!). Mas resolvi ir além e refogar minhas preciosas lascas de tucumã com alguns temperos e deixar dourar um pouco na manteiga vegetal. Ficou ainda mais suculento e completamente irresistível. Vou repetir algo que digo com frequência aqui no blog: ninguém precisa de “carne do futuro” ultraprocessada, mesmo sendo de origem vegetal. Porque nossos biomas já oferecem inúmeras alternativas de carnes vegetais, cada uma mais deliciosa que a outra e celebrando nossa cultura alimentar.

E como falar de tucumã sem falar do sanduíche-símbolo de Manaus, o X-Caboquinho? Se trata de um pão francês recheado com lascas de tucumã, banana-da-terra frita e queijo coalho. Você o encontra nos quatro cantos da cidade, mas claro que não pude provar um feito por uma/um manauara, porque sou vegana. Mas Larissa, minha amiga e companheira de luta manauara, tinha me falado desse sanduíche uns anos atrás e já cheguei decidida a procurar uma versão totalmente vegetal. Não encontrei, mas comi algo parecido num restaurante com opções vegetarianas/veganas: uma tapioca recheada com banana-da-terra frita, tucumã e tofu. Achei a ideia boa, mas eu sabia que podia melhor aquilo e no dia seguinte eu tinha reunido os ingredientes pra fazer não só uma versão vegetal do X-Caboquinho, mas o melhor sanduíche que já comi na vida. Sem exagero! A receita está no final desse post. De nada.

Mais um sonho pra minha lista: trabalhar com tucumã e ver todas as possibilidades desse fruto maravilho na culinária vegetal. E, nesse processo, encher a barriga de tucumã todo dia.

Alugamos um apartamento no centro de Manaus, pertinho do Teatro Amazonas, e foi lá que preparei minha versão do X-Caboquinho, além da maior parte das refeições que fizemos, Anne e eu, na cidade. Fiz fotos das compras que fizemos quando chegamos pra mostrar que, com um mínimo de organização e um mercadinho por perto, é fácil manter uma alimentação vegetal enquanto viajamos. Imaginando, obviamente, que você tem uma cozinha à sua disposição. Mas é cada vez mais comum alugar apartamentos (via Airbnb) quando se viaja, então…

Num supermercado do centro, perto de onde estávamos hospedadas, comprei aveia, macarrão, feijão pronto (só cozinhado na água e sal, sem tempero), cuscuz, couve, coentro e cebolinha. Na barraca de frutas da esquina compramos… frutas:) Achamos um empório de produtos naturais perto do Mercado Adolpho Lisboa, daqueles que vendem tudo a granel, que era uma mina de outro! Tinha tudo quanto era semente, tempero, cereal, leguminosa e muitas outras coisas prontas e 100% vegetais. E por um precinho muito camarada. Até encontramos leite vegetal e manteiga vegetal (feita com óleo de coco). Não é algo que consumo com frequência (posso contar nos dedos das mãos as vezes em que comprei manteiga vegana), mas é bem prático e não vou negar que o negócio é bem saboroso. No restaurante com opções veganas, onde comemos a “tapioca-caboquinho”, comprei chocolate e pão de macaxeira. Foi o suficiente pra preparar várias refeições, simples, mas nutritivas e gostosas, pra duas pessoas.

No final da nossa estada em Manaus descobrimos um restaurante vegano maravilhoso. É mais que um restaurante, pois também tem um mini-empório com muitas delícias feitas na casa. Como esse tofu, que usei no meu X-caboclinho, muitos patês, iogurte, pratos prontos congelados e queijos incríveis! E o pessoal que trabalha lá é extremamente simpático.

Agora chega mais pra ver isso aqui: coxinha de tucumã, com massa de macaxeira. Eu nem gosto de coxinha e adorei! A melhor coxinha que já provei? Sem sombra de dúvidas!

O restaurante também faz pizza de fermentação natural, com os queijos da casa, e é um desbunde! E o bolo de macaxeira é um sonho!

Tudo maravilhoso até aqui, né? Pois é, deixa eu contar uma grande decepção que tive na Amazônia. Chegamos em Manaus no meio da noite e fomos dormir de barriga vazia. Na manhã seguinte fomos pra um café com (poucas) opções veganas e quando vi “cuscuz com coco” no cardápio, me animei. Quando chegou o tal cuscuz, tive o desprazer de constatar que ele era doce. Doce! Queridas pessoas amazônidas, eu respeito demais a cultura alimentar de vocês e sou apaixonada pelas comidas dos seus territórios. Mas cuscuz doce é de lascar! Eu sei, eu sei, pra vocês o que é estranho é cuscuz salgado e provavelmente vamos ter que concordar em discordar. Tudo bem. Mas se você é uma nordestina viajando pelo Norte, fuja do cuscuz de lá.

Outra coisa que provei em Manaus, mas que vinham me recomendado desde o Acre, foi a tapioca com coco e castanha-da-Amazônia. Uma maravilha, mesmo se essa aqui estava um pouco seca (em casa, com os mesmos ingredientes, eu teria feito uma muito melhor).

Encerro esse post com o X-caboquinho que fiz enquanto estava em Manaus e com o qual sonho até hoje. Sei que fora da Amazônia o acesso ao tucumã será provavelmente impossível, mas queria deixar registrado esse sanduíche aqui porque pode servir de inspiração pras pessoas me lendo no Norte. E se algum dia você se encontrar em Manaus, ou diante de um punhado de lascas de tucumã, você vai saber o que fazer.

Um sanduíche inspirado no X-caboquinho (e todo vegetal)

O espírito é do X-caboquinho, mas numa encarnação um pouco diferente. Não é nada ortodoxo e se aparecer manauara dizendo que minha receita é uma afronta, eu não tentarei me defender. A receita original usa pão francês, banana-da-terra frita, lascas de tucumã (cru), queijo coalho e manteiga. Ainda tem uma versão “completa” que leva ovo, também. Usei pão de macaxeira porque era o que eu tinha naquele dia, mas use pão francês pra uma versão mais autêntica. Usei o tofu e o queijo de castanha meia-cura dos Salgados e Laticínios Veganos Manaus, mas um queijo de castanha como esse aqui também funciona. O importante é acompanhar o tofu (que não tem gordura) de um ingrediente rico em gordura, porque é a gordura do queijo (e da manteiga) na versão original que deixa esse sanduíche irresistível. O tofu entra aqui tanto pra aumentar o contraste de textura, equilibrar um pouco dos sabores fortes dos outros ingredientes e deixar o prato com mais sustância. Eu decidi temperar o tofu com sal preto, aquele que tem gosto de ovo (porque é rico em enxofre), e ficou parecendo que tinha ovo ali. Então é um X-caboquinho completo, mas se não tiver nem gostar desse ingrediente, sem problemas. E também pode usar óleo no lugar da manteiga vegana (o sabor vai ficar mais longe do original, mas igualmente gostoso). Se quiser usar o mesmo recheio numa tapioca, eu te apoio.

Lascas de tucumã (fresco ou congelado)

Banana-da-terra (também conhecida como banana comprida, de fritar ou, se você for do Amazonas, pacovã)

Tofu (de boa qualidade e quanto mais fresco, melhor)

Queijo de castanha de caju (como esse aqui, mas pode ser uma versão industrializada, se preferir)

Manteiga vegana (gosto da marca Qualicoco, mas use a que preferir)

Pão francês (ou outro da sua preferência)

Temperos pro tucumã: cebola e alho desidratados, páprica doce defumada, sal e pimenta preta

Sal preto indiano (Kala Namak – opcional)

Numa frigideira, aqueça um pouco de manteiga vegana. Despeje as lascas de tucumã, junto com os temperos, e refogue por alguns minutos, até começar a dourar. Cubra e deixe amornar enquanto prepara os outros ingredientes.

Corte a banana-da-terra em fatias no sentido do comprimento e frite em um pouco de gordura (manteiga vegana ou óleo). Eu uso pouca gordura aqui, então se trata mais de “grelhar” do que “fritar”. Reserve.

Se tiver usando um tofu extra-fresco, corte em fatias finas e tempere com o sal preto. Foi o que fiz, pois achei que já tinha sabor e gordura suficiente no resto do sanduíche. E eu estava certa: quando comi o sanduíche, o tofu se misturou com os outros ingredientes e até deu uma equilibrada no excesso de gordura. Mas se quiser dar mais um gostinho pra ele, frite as fatias de tofu em um pouco de manteiga vegana/azeite e tempere como quiser. Mas não esqueça de finalizar com o sal preto indiano, que dá um leve sabor de ovo, se quiser a versão X-caboquinho completo. Reserve.

Na hora de montar o sanduíche espalhe uma boa camada de queijo de castanha no pão e coloque uma fatia de tofu, algumas de banana frita e um punhado de lascas de tucumã refogado dentro. Feche o pão depois de rechear. Você pode finalizar espalhando manteiga vegana por fora do pão e esquentando na chapa (com um peso em cima) ou numa torradeira. Como eu estava usando pão de forma de macaxeira, achei mais seguro assar as fatias na manteiga antes de montar o sanduíche.

Seu sanduíche inspirado no X-caboquinho manauara está pronto. Coloque o celular em modo avião, sente-se confortavelmente e deguste essa belezura de olhos fechados.

Cuscuz com banana

Olá de Rio Branco, Acre, onde a chuva está começando a chegar e o ar está se tornando respirável. Quando chegamos aqui, há duas semanas, a cidade estava coberta de fumaça há meses (por causa dos incêndios na floresta e pra renovar pasto – mas que também acabava “escapando” pra floresta) e a qualidade do ar era a pior do mundo inteiro. Foi um choque brutal, vindo de Natal, e a fumaça – que invadiu nossos pulmões assim que colocamos os pés fora do avião- foi só uma das muitas coisas que nos chocou aqui. Vou precisar de um tempo pra processar tudo e só conseguirei escrever sobre o projeto que estou fazendo no momento, junto com Anne, quando terminar tudo. Mas não é pra falar sobre isso que vim aqui hoje.

Estamos hospedadas na casa de uma grande amiga minha, Cibele, que é de Aracaju, mas que foi trazida pra cá pelo trabalho. Logo na nossa primeira manhã em Rio Branco acordei com uma mensagem dela dizendo que estava saindo pra trabalhar, mas tinha deixado um cuscuz de banana pronto pra gente no fogão. Cuscuz de banana? Imaginei uma banana verde ou da terra ralada e cozida no vapor e qual não foi a minha surpresa quando abri a cuscuzeira e descobri um cuscuz de milho, mesmo, só que recheado com rodelas de banana comum madura!

Eu como cuscuz desde que nasci e nesses mais de 40 anos de cuscuz, nunca tinha provado cuscuz com banana cozida dentro. Cibele ficou surpresa e disse que em Sergipe é comum fazer assim. Algumas pessoas aqui do Acre também me disseram que fazem o cuscuz assim com frequência e vou dizer pra vocês: elas estão certas. Eu, que adoro comer feijão com banana, descobri que cuscuz com banana é tão bom quanto!

Me apaixonei por esse cuscuz e pedi pra ela fazer de novo. Na segunda vez ela fez uma camada dupla de banana e o negócio ficou ainda melhor! Ontem fiz sozinha (meu primeiro cuscuz com banana!) e aproveitei pra fazer umas fotos pra compartilhar com vocês aqui no blog. A onça e o tatu nas fotos são feitos de borracha natural aqui do Acre, por um seringueiro artista. Fiquei encantada com esses brinquedos-objetos de arte e antes de sair daqui pretendo colocar alguns na mala pra presentear as sobrinhas.

Fiz as fotos apressada, pois estava com fome e sem paciência, pensando que não queria deixar meu maravilhoso cuscuz esfriar antes de sentar pra comer. Por isso acabei derramando um pouco de leite de castanha da Amazônia e só hoje, quando transferi as fotos da máquina pro computador, percebi que a onça parecia estar bebendo o leite. Pois é, eu entendi que está na hora da onça beber… leite. De castanha, obviamente.

Cuscuz com banana

Segundo minha amiga Cibele, que é de Aracaju, preparar cuscuz assim é comum em Sergipe. Kiune, outra grande amiga nordestina, contou que na Bahia também fazem essa receita. Eu, que sou do RN, estou levemente revoltada com o fato dessa iguaria não ter adentrado o território potiguar. É extremamente fácil e deixa um simples cuscuz mais nutritivo e ainda mais saboroso – banana e milho casam muito bem.

Flocos de milho pra fazer cuscuz (se encontrar flocos não transgênicos, melhor)

Banana (madura, mas ainda bem firme)

Sal

Opcional

Leite vegetal (usei de castanha da Amazônia, porque estou no Acre)

Manteiga vegetal (usei de coco) ou óleo/azeite

Misture os flocos de milho com um pouco de sal (as quantidades dependem de quanto de cuscuz você quer fazer) e molhe com água. Misture com os dedos e vá molhando até que fique com uma textura de areia molhada. Cubra e deixe descansar por 15 minutos (ou mais) pra que os flocos hidratem um pouco. Isso é importante pra fazer um cuscuz macio e gostoso.

Depois do tempo de descanso, coloque água no compartimento inferior de uma cuscuzeira, encaixe o suporte do centro e monte o cuscuz. Você pode fazer só uma camada de banana no meio da massa, ou fazer duas. Comece espalhando uma camada de flocos de milho hidratados, sem apertar. Disponha uma camada de banana em rodelas, deixando um pouco de espaço entre as rodelas pro vapor circular. Cubra com mais flocos de milho hidratados e repita a camada de banana, caso queira fazer duas. A última camada deve ser de cuscuz e lembre de espalhar os flocos de milho com delicadeza, sem apertar com a colher. Se apertar, seu cuscuz vai virar um bloco compacto. Tem que ficar soltinho pro vapor circular bem e o cuscuz cozinhar direito e ficar fofinho no final.

Tampe a cuscuzeira e leve ao fogo até o cuscuz ficar cozido. Leva uns 15 minutos depois que começa a ferver, mas basta reparar no aroma (o cheiro de cuscuz cozido vai invadir sua cozinha quando ele estiver pronto) e provar um pouco do cuscuz pra ter certeza.

Retire o cuscuz da cuscuzeira com cuidado e transfira prum prato. Corte fatias e sirva acompanhado de leite vegetal morno e um pouquinho de gordura (manteiga de coco, azeite, óleo de babaçu…). Fica mais saboroso assim, mas não se preocupe se não tiver esses ingredientes, pois o cuscuz só com a banana já é delicioso. Nas fotos também servi com abacate amassado e temperado com limão, sal e coentrão (que o povo daqui chama de “chicória”). Essa combinação ficou maravilhosa e recomendo muitíssimo.

Se sobrar, guarde em um recipiente fechado, na geladeira, e esquente na cuscuzeira (no vapor) antes de servir. Assim ele volta a ficar não só quentinho, mas hidratado e macio.

Tofu mexido com tahina

O verão (no hemisfério norte) acabou há uma semana. Aos poucos, meu quintal está a se cobrindo de folhas secas, tirei o edredom do armário uns dias atrás e de manhã o ar carrega o cheirinho típico dessa estação. Outono é a minha época preferida do ano, introspectiva e caseira que sou. Mas os tomates do verão vão deixar saudade.

Comecei a colher os últimos tomates da nossa horta de quintal e ando cheia de nostalgia. Os cafés da manhã e brunchs embaixo da magnólia branca, quando degustamos os tomates (14 variedades!) recém-colhidos, que plantamos e aguamos com carinho durante meses, fazem parte dos melhores momentos do meu ano.

Nossos tomates são tão saborosos que passei a come-los puros, sempre crus e sem nenhum tipo de tempero: nem azeite, nem mesmo sal! Vou ostentar um pouco agora. Um dia, durante o verão comprei tomates-cereja de uma loja de orgânicos (cultivados aqui na França, em plena estação e, obviamente, orgânicos). Eu estava na rua e precisava de um lanche pra comer no parque. Que arrependimento! Os tomates eram insípidos comparados aos que colho na nossa horta de quintal (e de lote nos jardins operários)! E pensar que uns anos atrás eu achava que tomates orgânicos de supermercado eram a “crème de la crème” em matéria de sabor.

Umas semanas atrás, quando nossa horta ainda estava nos dando uma pequena bacia de tomates por dia, nosso vizinho nos deus alguns tomates grandes da horta dele. Decidi desrespeitar minha regra de “comer-tomates-do-quintal-sempre-crus-pra-apreciar-plenamente-seu-sabor” e cozinhei os seus tomates dentro da minha versão preferida de tofu mexido. Eu compartilhei minha receita de tofu mexido com tomate e manjericão anos atrás e o prato de hoje é uma variação dela. Apesar de ser muito simples, acontece algum tipo de mágica quando você coloca tahina (pasta de gergelim) no tofu. Fica tão absurdamente gostoso que só provando pra entender.

E se tahina é a sua praia, tem várias receitas aqui no blog com ela. É um dos meus ingredientes preferidos então eu uso em tudo, de gratinados (batata gratinada com tomate) à sobremesas (pudim de chocolate e tahina), passando por biscoitos (biscoito de aveia, tahina e passas) e lanches (pão com banana, tahina e canela). Sem falar que é provavelmente o meu molho preferido pra saladas cruas (como o molho dessa salada de repolho roxo, beterraba e maçã), mil vezes melhor que maionese! E nem vou falar nas pastas pra passar no pão com tahina…(mas se quiser ver algumas das minhas receitas, é só procurar na lista de receitas de patês, cremes e pastas 😉

Tofu mexido com tahina

Tahina, ou tahine, é a pasta de gergelim tão adorada na culinária árabe. A melhor tahina é branca, ou seja, feita com gergelim descascado (tahina “integral” é muito mais amarga e granulosa). Eu gosto dessa receita com coentro, mas salsinha também casa muito bem com gergelim. Além de comer com pão, esse tofu é um ótimo recheio pra torta, pizza ou, ousemos, pastel. A quantidade dos ingredientes vai de acordo com o seu gosto, mas, como sempre, escrevo minhas receitas em ordem decrescente (o ingrediente utilizado em maior quantidade aparece primeiro).

Tofu

Tomates maduros, picados

Cebola, picada

Tahina (pasta de gergelim – leia os conselhos acima)

Coentro fresco (ou salsinha)

Alho, picado ou pilado

Azeite, ou outro óleo

Sal e pimenta preta

Aqueça um pouco de azeite em um frigideira grande, de preferência com o fundo grosso. Doure a cebola por alguns minutos, em fogo médio. Junte o alho e deixe cozinhar mais alguns segundos. Esmigalhe o tofu (com as mãos) sobre a frigideira e aumente o fogo. Cozinhe, mexendo frequentemente, até o tofu secar um pouco (o ideal é que tenha um pouco de espaço entre os montinhos de tofu pra que o ar circule e ele possa cozinhar direito). Isso leva alguns poucos minutos. Junte o tomate, salgue, baixe o fogo e deixe cozinhar, coberto, até o tomate se desintegrar. Eu gosto de usar quantidades iguais de tofu e tomate, mas se só tiver um tomate na cozinha, vai dar certo também.

Desligue o fogo e acrescente uma colher de sopa de tahina, ou várias (a quantidade vai depender do seu gosto – se você gosta do sabor ligeiramente amargo do gergelim ou não), pimenta preta e misture bem. Prove e corrija o sal, se necessário. Se você tiver usado pouco tomate, talvez a mistura fique seca e compacta. Nesse caso junte um pouquinho de água e misture novamente. O tofu tem que ficar bem molhadinho (veja foto acima), mas não nadando em líquido.

Junte o coentro (ou salsinha) picado e sirva imediatamente.

Bolo salgado de lentilha

Contei no post sobre a torta salgada de legumes que procuro uma receita de uma torta de lentilha há tempos. Semana passada, por obra do mais puro acaso, encontrei o que estava procurando no grupo Facebook “Veganismo sem firula“. Eu não uso Facebook, mas ainda tenho um perfil por lá. De vez em quando aparece uma notificação, que eu ignoro, só que deve ter sido uma anjinha que me falou pra clicar na notificação que apareceu enquanto eu trabalhava semana passada. Era sobre um post do grupo que mencionei acima, o que me fez lembrar que o grupo existia. Já que eu estava ali, resolvi dar uma olhada no que tinha sido postado ultimamente e foi assim que me deparei com uma receita chamada “bolinho de verdura com massa de lentilha rosa”, de uma participante do grupo chamada Emy Yokoyama de Almeida. Bingo! Era o que eu vinha procurando esse tempo todo.

Adoraria ter feito os bolinhos individuais da receita original, mas como só tenho formas grande, fiz um bolo grande. A textura da massa é muito mais leve, e ligeiramente seca (não é um defeito aqui!), diferente da minha torta de legumes, que é bem úmida e densa. Nada surpreendente, já que se trata de um “bolo” e não uma “torta”. Acho essa textura perfeita pra comer no lanche, junto com uma pasta/patê/creme.

Sobre as lentilhas. Sei que a lentilha consumida no Brasil é importada (quase tudo do Canadá, o maior produtor de lentilhas do mundo). Além disso, lentilha rosa (que eu chamo “coral”, porque acho que é a cor que melhor descreve essa leguminosa) não é facilmente encontrada por aí. Então vamos combinar que essa receita é algo especial, pra sair da rotina, mas que prometo seguir nos testes pra ver se é possível fazer com leguminosas cultivadas no Brasil. Espero conseguir desenvolver uma versão mais acessível, ecológica e que faça sentido na nossa cultura alimentar.

Enquanto isso, deixa eu dizer que uma receita de bolo salgado de liquidificador à base de lentilha, que você usa crua na massa e que cozinha junto dos outros ingredientes, no forno, é uma jóia! Facílima de preparar, extremamente versátil, muito nutritiva e deliciosa. Recomendo fortemente.

Bolo salgado de lentilha rosa

Segui a receita de Emy, fazendo adaptações minúsculas, e é a que compartilho aqui. Na segunda vez que fiz esse bolo esqueci o fermento e o vinagre e apesar de ter ficado gostoso, a textura ficou bem densa e muito menos agradável. O fermento traz leveza e o vinagre é essencial pra trazer uma certa maciez pra esse bolo. Use os legumes que quiser e não tenha medo de personalizar a receita. Os ingredientes essenciais são as lentilhas, a aveia (ajuda na liga), o azeite (maciez e sabor), o fermento (pra deixar leve) e o vinagre (pra ajudar na textura). Os temperos e verduras ficam ao seu gosto. Na foto acima usei cenoura e abobrinha, porque era o que eu tinha. Na segunda vez fiz com beterraba e também ficou ótimo.

1,5 xícara de lentilha rosa (crua)

1/2 x xícara de aveia (flocos finos)

1 xícara de água

3 colheres de sopa de azeite (ou outro óleo)

1 colher de chá de fermento (bem cheia)

1 colher de sopa de vinagre

2 xícaras de verduras raladas (usei cenoura e abobrinha na primeira vez, beterraba na segunda)

Sal e pimenta preta

Ervas finas desidratadas (usei uma mistura de manjerona, salsinha, orégano e alecrim)

Deixe a lentilha de molho por algumas horas. Descarte a água do molho e bata no liquidificador com 1 xícara de água até ficar completamente homogêneo. Em um recipiente grande, despeja essa “vitamina” de lentilha e misture com os outros ingredientes (junte o fermento e o vinagre por último). Nas fotos abaixo eu estava fazendo a segunda versão desse bolo, com beterraba ralada.

Transfira a massa pra uma forma untada e polvilhada com farinha de aveia (só triturar a aveia em flocos no liquidificador), ou cubra a forma com papel manteiga antes de despejar a massa. Você tem a opção de polvilhar com gergelim ou semente de papoula (o que fiz), mas nem precisa. Leve ao forno (eu não pré-aqueci e deu certo) médio e deixe assar até que passe no teste do palito.

Versão desse bolo com beterraba, polvilhado com za’atar (o fermento e o vinagre foram esquecidos, por isso a textura mais densa).

Pastel de caju

Hoje é o dia internacional do veganismo. E esse ano estamos comemorando esse dia logo depois das eleições mais importantes da História recente do Brasil. Sim, o presidente derrotado deixa pra trás um país profundamente destruído e nosso trabalho não terminou com a vitória de Lula. Ele está só começando. Mas sabemos construir também

Com a possibilidade de sonhar novamente, de sorrir de novo, apesar de toda a luta que temos pela frente, hoje eu escolho ficar mais um pouco com a alegria que encheu meu peito domingo.

E como eu nunca tive tanto orgulho de ser nordestina, nós que compomos a única região onde o ódio, o fascismo e o bolsonarismo não venceram e que garantimos a vitória de domingo, quero comemorar com pastel de caju. Porque o caju é nosso e nada grita “Nordeste” tão alto quanto essa fruta maravilhosa. A massa é feita com jerimum, pois sou potiguar e nós somos conhecidas como “papa-jerimum”. Então esses pasteis são uma homenagem ao meu povo nordestino, com uma piscada de olho pra quem é do nordeste do Nordeste, o RN. 

A receita é minha, mas a inspiração veio daquele nordestino lá de Pernambuco, que quer que o povo brasileiro tenha direito à comida boa e de qualidade, três vezes por dia, e que a gente possa escolher o que colocar no prato. Não é sobre fazer churrasco ou comer picanha, é sobre ter acesso pleno à uma alimentação adequada, saudável, suficiente e que respeite nossa cultura alimentar. E somente quando pudermos garantir esse direito ao povo, teremos as bases materiais pra que a exploração animal seja superada. É a condição básica pra conseguir libertação animal. 

Pastel de caju (de forno e com massa de jerimum)

Fazer essa massa vai exigir um pouco de tempo da sua parte, mas o resultado é delicioso e vale a pena. Porem, ninguém vai te julgar se você usar uma massa de pastel pronta (comprada em supermercado) e depois fritar seus pasteis. E também pode usar o recheio de carne de caju pra rechear o que quiser (torta, coxinha, empada, sanduíche), ou degustar como “mistura”.

MASSA DE JERIMUM

1 xícara de jerimum cozido (no vapor) e amassado 

2 1/2 xícaras de farinha de trigo 

3 col. sopa de fubá (usei flocão)

3 col. sopa de óleo (ou azeite)

Sal

RECHEIO DE CARNE DE CAJU

5 cajus 

1/2 cebola, picada miúdo

1/2 pimentão, picado miúdo

2 tomates maduros, picados

3 dentes de alho, ralado ou pilado

4 col. sopa de molho de soja (shoyu)

1 punhado de coentro

1 col. de sopa de óleo

Pimenta de cheiro (usei 3 pimentas biquinho – opcional)

Sal e pimenta preta

Comece preparando a carne de caju. Retire as castanhas e corte os cajus em tiras, no sentido do comprimento (cortei cada caju em 12 tiras). Coloque uma peneira em cima de uma vasilha (pra recolher o sumo do caju) e esprema as tiras de caju entre as mãos. Não precisa retirar todo o sumo, um pouco de líquido é necessário pra deixar a carne suculenta e pra tempera-la. Basta espremer um pouco entre as mãos, pra que a carne não fique muito doce. O sumo pode ser guardado em uma garrafa com tampa, na geladeira, pra ser consumido depois. Ou você pode beber tudo na hora.

Junte todos os outros ingredientes do recheio, menos o tomate e o coentro, misture bem e deixe marinando na geladeira por algumas horas. Idealmente de um dia pro outro (ou faça de manhã pra consumir à noite). O tempo marinando é muito importante: o gosto típico do caju vai ficar bem mais suave e o tempero vai ficar muito mais apurado e saboroso.

Depois do tempo marinando, cozinhe a carne de caju. Aqueça um pouco de óleo em um frigideira grande, despeje a carne (junto com todos os temperos e líquido que tiver se formado) e cozinhe em fogo médio-alto, mexendo de vez em quando, até o caju ficar ligeiramente dourado. Nesse momento junte o tomate picado, tampe e deixe cozinhar, dessa vez em fogo baixo, até o tomate se desintegrar. Prove e corrija o sal, se necessário. Desligue o fogo, junte o coentro e deixe esfriar enquanto prepara a massa.

Prepare a massa. Misture o jerimum cozido e amassado com os outros ingredientes e amasse bem com as mãos. Junte colheradas de água até formar uma massa elástica e que não cole nas mãos. Cubra com um pano de prato e deixe descansar 15 minutos. Aqueça o forno.

Na hora de fazer os pasteis, faça uma bola com a massa e corte em 4, depois divida cada parte em 4 (formando 16 porções de massa). Use as mãos pra formar bolas com cada porção (como se estivesse enrolando brigadeiro). Use um rolo pra abrir cada bolinha de massa, transformando em um círculo (não precisa ser perfeito). A massa tem que ser fina, mas não tão fina quanto massa de pastel que será frito. 

Coloque um pouco do recheio na parte inferior do círculo de massa e dobre a parte superior por cima. Aperte as bordas entre os dedos pra fechar bem. Repita a operação até acabar a massa. Transfira tudo pra uma placa ou forma grande polvilhada com um pouco de farinha (idealmente de metal, pros pasteis ficarem mais crocantes). 

Asse os pastéis (o forno já deve estar bem quente) até ficarem levemente dourados. Eles são melhores quando ainda estão quentinhos, então chame as amigas, a família ou as vizinhas pra comer com você. 

Em defesa da carimã (macaxeira pubada)

Outro dia eu trouxe macaxeira da feira (compro na feira da economia solidária- CECAFES, aqui em Natal, e ela já vem cortada em pedaços e descascada) e, ao invés de já congelar tudo, como fazemos por aqui, deixei um saquinho na geladeira pra fazer bolo de macaxeira no final do dia. Acabei não tendo tempo de fazer o bolo e dois dias depois resolvi cozinhar o saquinho com a macaxeira descascada, que ainda estava na geladeira. Mas quando peguei os pedaços, vi que já estava pubando. Pra quem não conhece esse termo, deixa eu explicar.

Macaxeira pubada, ou carimã, é simplesmente macaxeira fermentada na água. Uma fermentação natural, não precisa acrescentar nenhuma cultura de bactéria ou fungo. Você deixa a macaxeira descascada e cortada dentro de um pote com água, em temperatura ambiente, coberto com um pano (eu coloco a tampa do pote por cima, mas sem fechar) e em alguns dias, dependendo da temperatura da sua cozinha, ela vai fermentar e se transformar em carimã (ou macaxeira pubada, o nome varia dependendo da região). Como saber quando está pronta? A macaxeira deve ficar com uma textura tão mole que pode ser esmagada facilmente entre os dedos. Depois é só descartar a água onde a fermentação aconteceu, que tem um cheiro bem forte, lavar ligeiramente a macaxeira pubada e deixar escorrendo um pouco dentro de um pano (se for usar a puba pra fazer panqueca, que é a receita que vou compartilhar mais na frente, nem precisa fazer isso).

A massa pubada pode ser usada em um número enorme de receitas. Como o meu bolo de carimã com goiabada, mas também pra fazer mingau de carimã. Se quiser um passo-a-passo de como pubar macaxeira, Neide Rigo, que é uma grande professora pra mim, explicou tintin por tintin nesse artigo.

É um processo extremamente simples e quem mora nessa quentura do Nordeste (e, imagino, do Norte), não vai ter dificuldade nenhuma em pubar macaxeira em poucos dias. A prova: depois de ter passado o dia dentro d’água, na feira, e de ter feito a viagem entre a feira e a minha casa, na hora mais quente do dia, a macaxeira começou a pubar sozinha. Prossegui a pubagem na minha cozinha e em cinco dias ela estava pronta pra ser consumida. (Como toda fermentação, o tempo varia de acordo com a temperatura da sua cozinha.)

Carimã faz parte da cultura alimentar do Nordeste e Norte, mas infelizmente está desaparecendo nessa parte do território nordestino de onde venho (RN). Eu mesma só comecei a cozinhar com carimã no ano passado! Escutava as mais velhas falarem de um tal de mingau de carimã e de uma tia-avó era famosa por seu bolo de carimã, mas cresci sem provar essas delícias. Fazia tempos que eu queria incluir esse alimento no meu repertório culinário, mas achava que era difícil fazer em casa. Mas pubar macaxeira não poderia ser mais simples e eu incentivo todo mundo a usar essa técnica que nos foi transmitida pelos povos indígenas. Originalmente, a macaxeira era amarrada em redes e deixada dentro do rio por vários dias, até pubar. E além de honrar a nossa cultura alimentar, macaxeira pubada/carimã tem um sabor delicioso e pode ser usada em receitas doces ou salgadas.

Eu anda fazendo panquecas de carimã quase todos os dias, pra comer no café da manhã e no lanche. Mas tenho planos de explorar o potencial gustativo da carimã em muitas outras receitas. Como tem aquele azedinho típico de alimentos fermentados, desconfio que ela tem o potencial de temperar e dar liga em receitas onde tradicionalmente se usa queijo animal. Estou pensando em usá-la na minha receita de pão de macaxeira (a versão vegetal do pão de queijo), pois acho que vai enriquecer muito o sabor, e também quero tentar uma versão de dadinho de tapioca com carimã. Aguardem.

Mas vamos começar com uma receita simples, rápida e que você pode incrementar de muitas maneiras.

Panqueca de carimã (macaxeira pubada)

As explicações de como pubar a macaxeira estão no texto acima ou, de maneira mais completa e detalhada, nesse artigo de Neide Rigo. Depois de pubar minha macaxeira, deixo em um pote fechado, coberto com água limpa, dentro da geladeira e vou usando durante a semana. Se conserva vários dias na geladeira (durou uma semana inteira aqui em casa, mas talvez se conserve até mais).

Carimã (não precisa ser escorrida no pano, basta tirar da água e apertar um pouco entre as mão pra retirar o excesso de água)

Sal a gosto

Azeite/óleo pra cozinhar

Peque uma quantidade suficiente de carimã, dependendo de quantas panquecas quiser fazer, e retire o pavio dos pedaços. Se tiver comprado massa de carimã pronta, não precisa fazer isso. Amasse a carimã escorrida com um garfo (ela deve estar bem macia e se desmanchar sem esforço) e tempere com sal a gosto. Nesse ponto você pode acrescentar ervas, temperos, verduras picadas…

Espalhe um pouco de óleo/azeite em um frigideira antiaderente, de preferência com o fundo grosso. Coloque um pouco de carimã na frigideira (fria) e espalhe com as costas de uma espátula até formar um círculo de espessura média (pode ser mais fina, pra ficar mais crocante, ou mais espessa, pra ficar mais macia). Leve ao fogo baixo, coberto com um tampa, e deixe cozinhar até as bordas começarem a ficar douradas e a panqueca puder ser virada facilmente. Cheque levantando a borda da panqueca com a espátula. Isso leva de 5 a 10 minutos, dependendo do tamanho e espessura da sua panqueca. A parte superior vai ficar seca, então regue com mais um fio de óleo/azeite e vire pra dourar do outro lado (mais 2-3 minutos).

Você pode degustar sua panqueca pura ou recheada com o que quiser. Na foto acima servi com queijo de castanha fermentado (tem a receita aqui, mas fiz uma versão mais simples, usando um pouco de água de kefir pra fermentar e temperando só com sal) e um resto de vinagrete do almoço.

Pra expandir seu repertório de cuscuz

Ele é a base do café da manhã e jantar do povo nordestino. E pode virar almoço, quando a precisão é grade. Já expliquei, passo a passo, como fazer cuscuz (simples e com leite de coco) nesse post. Cuscuz bom, fofinho e macio, não a versão esturricada que algumas pessoas (mesmo no Nordeste) insistem em preparar. Saber fazer um cuscuz gostoso e honrar nossa cultura alimentar é importante. E hoje vim expandir seu repertório de cuscuz.

Com a insegurança alimentar no Brasil aumentando a cada dia que passa (enquanto escrevo essas linhas, 60% da população se encontra em algum grau de insegurança alimentar), o cuscuz passou a representar uma parte ainda maior da alimentação das pessoas nordestinas. Por isso pensei em compartilhar três receitas simples e baratas à base de cuscuz. Na verdade, à base de flocão, que é a farinha de milho flocada e pré-cozida, a mais usada pra fazer cuscuz aqui. Além de variar a alimentação de quem está comendo cuscuz todo dia, elas mostram as inúmeras possibilidades desse ingrediente tão barato e acessível.

Torço pra que em breve esse projeto político de morte e fome no Brasil, também conhecido como “necropolítica”, chegue ao fim. Nos últimos quatro anos a destruição foi gigante, mas nós, o povo, sabemos construir também. E pra nos dar força, bora comer cuscuz!

Cuscuz com quiabo

Essa é uma versão com quiabo do “cuscuz com coco e verduras” que faço o tempo todo na casa da minha família. Além do sabor, o quiabo enriquece o prato com uma boa dose de cálcio. Comam mais quiabo, meu povo! (Mais receitas de quiabo aqui e aqui )

Flocão de milho (ou fubá)

Leite de coco fresco (receita aqui)

Quiabo

Cebola

Pimentão verde (ou outra cor)

Tomate

Alho

Coentro

Sal e pimenta preta a gosto

Óleo (ou azeite)

Prepare um cuscuz com leite de coco, como ensinado nesse post.

Enquanto isso corte o chapéu de alguns quiabos e parta no meio, no sentido do comprimento. Escolha quiabos pequenos e verdes, pois esses são os melhores. Os grandes já estão maduros e cheios de fibras duras. Aqueça um pouco de óleo em uma frigideira e grelhe os quiabos dos dois lados, até ficar com vários pontos dourados/marrom. Tempere com sal. Depois de grelhado, corte o quiabo em pedaços pequenos.

Pique a cebola e o pimentão e refogue por alguns minutos no óleo quente. Junte o alho picado (ou amassado), refogue mais alguns segundos e acrescente o tomate picado. Quando o tomate começar a amolecer, desligue o fogo. Tempere com sal e pimenta preta.

Misture o cuscuz pronto (já abafado com o leite de coco) com as verduras refogadas, mais o quiabo grelhado e picado e o coentro picadinho. Prove e corrija o sal, se necessário.

Farofa de cuscuz com feijão macaça e amendoim

Fazer farofa com restos de cuscuz é um grande clássico da culinária de carestia. Falam muito em “desperdício zero” (ou “zero waste”, na versão gourmetizada), mas a verdade é que a população empobrecida sempre cozinhou (e viveu) assim, por necessidade, muito antes de virar um “lifestyle”. Feijão + milho + amendoim = nossa cultura alimentar juntas num prato. Além de ser uma combinação nutricionalmente completa (leguminosas -feijão, amendoim- com cereal – milho).

Restos de cuscuz (pode ser o simples, com coco ou com quiabo)

Restos de feijão macaça (ou algum feijão que dá caldo ralo, como o fradinho)

Amendoim torrado e picado (usei xerém de amendoim, que é bem quebradinho)

Uso duas medidas de cuscuz pra uma medida de feijão, mais um punhado de amendoim. Mas você pode adaptar as quantidades pro seu gosto. Em seguida é só misturar tudo numa frigideira, esquentar um pouco e chamar de farofa. Como é uma “farofa” bem úmida e nutritiva, também como como prato principal, no jantar.

Se quiser uma farofa mais crocante, use menos feijão, deixe o cuscuz secar um pouco na frigideira (acrescente um pouco de óleo/azeite pra dar uma douradinha) e capriche no amendoim picado.

Panqueca de flocão de milho

Postei uma versão mais elaborada dessa panqueca no começo do ano (panquecas de milho e grão de bico). Essa é a versão simples e mais acessível, que pode ser degustada com recheios salgados ou doces.

Flocão de milho (ou farinha de milho fina)

Água

Sal a gosto

Misture o flocão com água suficiente pra molhar bem a massa (mais água do que você usaria par hidratar a massa do cuscuz), mais sal a gosto. Pra fazer uma panqueca pequena usei 3 colheres de sopa bem cheias de flocão e aproximadamente 6 colheres de sopa de água. Deixe repousar por pelo menos 5 minutos. Isso é importante pra hidratar a massa. Depois do tempo de descanso o flocão deve estar inchado, mais macio e não deve ter água sobrando no fundo.

Espalhe essa massa sobre uma frigideira anti-aderente fria, dando uma forma circular (ou a forma que quiser). Coloque a frigideira no fogo e cubra com uma tampa. Deixe cozinhar em fogo bem baixo até sentir um cheiro de cuscuz cozido e a panqueca se soltar facilmente do fundo. Leva menos de 10 minutos, então fique por perto. Use uma espátula pra virar a panqueca e cozinhar do outro lado por mais 2-3 minutos. Se quiser, espalhe um fio de óleo ou azeite sobre a panqueca antes de virar pra ficar dourada e mais saborosa.

OBS Se sua frigideira não for realmente antiaderente, você vai precisar untá-la com óleo antes de formar a panqueca.

Sirva com o recheio que preferir. Aqui usei abacate (temperado com sal e limão), tomate, rúcula e coentro. Na versão doce fica uma delícia com banana em rodelas, pasta de amendoim e um fio de melado (mel de engenho).

Panquecas de milho e grão de bico

É domingo e eu não vou tomar muito o tempo de vocês.

Sabe meu grãomelete fermentado? Quando estou no Brasil e quero variar os prazeres, ou comer algo diferente no lanche, mas que seja prático e rápido, misturo um pouco de fubá na massa já fermentada, deixo hidratando um momento (ou, melhor ainda, de um dia pro outro) e faço panquecas de milho e grão de bico. Dá pra comer pura, acompanhada de um recheio salgado ou doce, e é uma delícia.

Se vocé não sabe o que é grãomelete, é como chamo o “omelete” feito com farinha de grão de bico e água. As instruções de como fazer essa receita coringa da culinária vegetal, e do por que e como fermentar seu grãomelete, estão nesse post.

Continuar lendo “Panquecas de milho e grão de bico”

Uma crepioca pra minha mãe

Quando eu estava em Natal, cuidando da minha mãe, frequentemente me perguntava o que podia fazer pra variar o lanche dela. Minha mãe, que tem Alzheimer, acabou desenvolvendo fortes preferências gastronômicas, um eufemismo pra dizer que ela gosta de comer sempre as mesmas coisas. No café da manhã ela gosta de Aveia dormida com chia, no leite de coco, servida com banana e mamão. Feijão (de preferência não o preto, pois ela tomou implicância com toda comida escura: ela acha que é algo podre e acaba jogando fora do prato) com arroz e algum legume cozido (jerimum é um dos preferidos dela). E um tubérculo cozido (macaxeira, inhame ou batata doce) com ovo no jantar (de vez em quando rola um cuscuz no coco com ovo). Toda noite eu fazia um ovo mexido pra ela e minha sobrinha ameaçava me filmar e me expor nas redes sociais (“Olha aí Sandra Guimarães, que se diz vegana, preparando ovo!”). Felizmente não uso redes sociais.

Continuar lendo “Uma crepioca pra minha mãe”

Ela pode ficar ainda melhor

Estou escrevendo essas linhas diretamente do aeroporto de Guarulhos, onde espero a conexão que me levará de volta pra casa, em Paris. A estada natalense acabou e antes de fazer um post mais detalhado sobre os dois meses que passei em terras potiguares, aqui vai a continuação do último post. Sabe aquela tapioca com coco deliciosa que ensinei? Ela pode ficar ainda melhor. Seguem as explicações.

Continuar lendo “Ela pode ficar ainda melhor”

Tapioca com coco

Quantas tapiocas posso comer antes de voltar pra França? Volto pra casa daqui a alguns dias e quando o momento de ir embora se aproxima minha obsessão com comida tradicional, aquela que cresce por aqui e que faz parte da minha cultura alimentar, só aumenta. Tenho que comer todos os mamões e mangas que passar pela minha frente. Cuscuz com leite de coco toda noite. Pãozinho de macaxeira no lanche. E tapioca, muita tapioca!

Continuar lendo “Tapioca com coco”

Pela canjica e pela nossa cultura alimentar

Canjica é um daqueles pratos que causam confusão. O que eu, e minhas conterrâneas potiguares, chamamos de canjica é conhecido como “curau” em outras regiões. Já o que a galera dessas outras regiões chama de “canjica” eu chamo de “mungunzá”. Vivendo em um país do tamanho de um continente, essas variações lexicais são mais que normais. Eu chamo canjica, você chama curau, ela chama de mingau de milho e tá tudo bem.

Continuar lendo “Pela canjica e pela nossa cultura alimentar”

Como fazer munguzá

Faz pouco mais de um mês que voltei pra França e já estou com saudade das comidas da minha terra. Especialmente essa aqui, que enchia o meu café da manhã de alegria e seria um acalento  nas manhãs geladas do inverno europeu.⠀

Primeiro, definições. Munguzá (ou “mungunzá”, ou “chá de burro” – que nome maravilhoso!) é um prato tradicional feito com milho seco e leite de coco. Também conhecido como “canjica” e “mingau de milho”. Os termos “canjica” e “mungunzá” causam bastante confusão, pois na maior parte do Nordeste “canjica” é um prato completamente diferente, embora também à base de milho e coco. Outro dia volto pra compartilhar o que eu chamo de canjica, mas hoje o assunto é mungunzá.

Continuar lendo “Como fazer munguzá”

Como fazer cuscuz (com coco)

Aproveitando que estou no meu país, o Nordeste, vou compartilhar algumas receitas daqui. Começando com uma das mais simples, o café da manhã de todo dia aqui (pelo menos na parte do Nordeste onde me encontro): cuscuz.

É muito simples e rápido, mas muitas pessoas ignoram 2 coisas essenciais: hidratar o fubá antes de cozinhar e finalizar o cuscuz com um líquido quente e um pouco de gordura. Aqui vai o passo-a-passo.

Continuar lendo “Como fazer cuscuz (com coco)”

Fermente seu grãomelete

O texto poderia ter só essa frase, mas vou desenvolver a ideia, caso você precise ser convencida.

Lembram do meu grãomelete, o omelete à base de grão de bico? Lembram que fiz uma versão atualizada com farinha de grão de bico? Pois vim atualizar essa receita novamente e tenho ótimas razões pra isso.

Continuar lendo “Fermente seu grãomelete”

Grão na chapa

Gosto de pensar que sou uma pessoa modesta. Recebo elogios de bom grado, mas não saio por aí “contando vantagem”, como a gente diz na minha terra (se você precisa de tradução, essa expressão significa “fazendo elogios, não merecidos, a si mesma”). Mas de vez em quando eu desenvolvo uma receita que me faz inchar de orgulho. Mais ainda quando não se trata de uma receita propriamente dita, o que envolve vários ingredientes, muitos testes e muita louça pra lavar antes de chegar na versão final, a que compartilho aqui no blog. Isso é um trabalho que necessita criatividade, obviamente, mas é o resultado de 90% de transpiração e 10% de inspiração, como dizem que disse Einstein. Agora, quando a “receita” em questão é uma ideia que brotou na minha cabeça, puf!, que necessita apenas 2 ingredientes e que deu certo de primeira, aí eu não consigo conter o entusiasmo (se você estivesse do meu lado nesse momento me veria dando um discreto beijinho no ombro).

Continuar lendo “Grão na chapa”

O Sertão e o Litoral no prato

Tem um prato que fez parte da minha infância no RN e que ainda me transporta algumas décadas no passado sempre que o preparo. É algo de uma simplicidade enorme e que eu achava que todo mundo, pelo menos todo mundo no meu mundo, o Nordeste, conhecia. Mas descobri esse ano que até mesmo dentro do meu estado a receita era desconhecida de muitas pessoas. Então me incumbi da missão de compartilhar essa humilde receita com o maior número de comedores possível, pois sinto que ela está ameaçada de cair no esquecimento geral.

Continuar lendo “O Sertão e o Litoral no prato”

Outubro

Não sei como isso aconteceu, mas estamos em outubro. A impressão que tenho é que eu vinha andando na rua em julho, topei, me levantei e era outubro. Estou convencida que o tempo em Berlim passa mais rápido do que no resto do mundo.

Finalmente tenho residência nessa cidade. Só por alguns meses, mas pra quem passou tantos meses pulando de um apartamento pra outro, parece uma pequena eternidade. No final das contas passei 4 meses procurando um apartamento…que vou alugar por 5 meses. Tudo bem, eu tenho outros planos a partir de fevereiro, longe de Berlim. Continuar lendo “Outubro”

Como preparar pudim de chia

Percebi recentemente que pudim de chia pode ser uma decepção pra algumas pessoas, principalmente pessoas que cresceram no Brasil e que associam a palavra “pudim” com uma sobremesa ultra doce e gordurosa. Então deixa eu começar explicando que o “pudim” aqui faz referência à consistência dessa preparação, um creme levemente gelatinoso, não àquela sobremesa feita com leite condensado e ovos, tão apreciada pelo nosso povo. Uma coisa não podia estar mais longe da outra.

Continuar lendo “Como preparar pudim de chia”

Cafés da manhã tropicais

Minha estada no Brasil, mistura de férias e trabalho, está chegando ao final. Ainda viajo mais um pouco por aqui, já que domingo que vem tem uma oficina-brunch-palestra em Fortaleza (mais informações aqui), mas pretendo passar os últimos dias antes de voltar pra Europa em casa, comendo toda a comida típica que passar pela minha frente. Continuar lendo “Cafés da manhã tropicais”