Comidas amazônidas – Maranhão

Tenho até vergonha de dizer que só vim entender que a Amazônia chega até o Nordeste, mais especificamente, ao Maranhão, uns anos atrás. Sim, a Amazônia legal cobre uma parte desse estado e foi lá que terminamos nossa viagem-projeto de quase dois meses na Amazônia.

Foi minha segunda vez no Maranhão e a impressão que tive na primeira viagem se confirmou: é um lugar com muito borogodó. Tem o fato do território estar numa zona de encontro de biomas, entre a floresta amazônica, a mata dos cocais, o Cerrado, mangues e até Caatinga. Parece que tudo se encontra ali e zonas de transição são espaços de diversidade, possibilidades e abundância.

São Luís é uma das minhas cidades preferidas no Brasil e num cantinho do meu coração mora o projeto de fixar raízes por lá por algum tempo. Ainda não sei dizer com palavras o que tem ali que me deixa tão alegre. As pessoas são uma delícia! A comida é exuberante. A energia entra no meu corpo e me faz relaxar, desacelerar. Não serei insensível dizendo que é uma cidade perfeita, tem muitas, muitas injustiças sociais. E só estive lá de passagem, então se eu realmente morasse lá, tenho certeza que a complexidade e dureza da situação socioeconômica local tingiriam minha impressão de São Luís com cores mais sombrias.

Estivemos no Maranhão pra conhecer melhor o movimento das quebradeiras de coco babaçu e encontrar algumas delas. E isso aconteceu na Baixada Maranhense (fotos acima). Aproveito pra deixar aqui o meu agradecimento a Leila Figueiredo, que me aconselhou a ir pra Baixada e me colocou em contato com mulheres incríveis. (Junto com Lívia Humaire, ela tem um podcast ótimo chamado Arquipélago Verde.)

A mata dos cocais, onde ficam os babaçuais, e a luta das quebradeiras de coco babaçu são assuntos importantes demais pra caber num parágrafo. Um dia, se o tempo permitir, volto pra contar. Como essa série de posts é sobre comida, vou focar nisso.

Pra mim não tem como falar da comida no Maranhão sem começar por ele: o babaçu. Essa palmeira nativa da Amazônia é chamada de “mãe palmeira” pelas quebradeiras de coco babaçu. Pra saber mais sobre esse movimento de mulheres que é uma das lutas que mais me inspiram no mundo, dê uma olhada no site do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu, o MIQCB.

Essa palmeira dá um coquinho, o coco babaçu, que é fonte de abundância. Do coco se extrai o azeite (tradicional ou extra virgem) e a farinha. O óleo também é utilizado pra fabricar sabonete e sabão. Ainda se faz artesanato e biojoias com a palha da palmeira e o endocarpo dos cocos. Provei azeite de babaçu pela primeira vez muitos anos atrás e foi amor à primeira colherada. O sabor do azeite levemente torrado é amanteigado e me lembra manteiga de garrafa, mas misturada com coco. O azeite extra virgem tem um sabor mais próximo do óleo de coco (de praia) mais conhecido no Brasil, só que mais suave. Eu acho uma riqueza gastronômica imensa e sonho que o resto do país descubra, e valorize, essa maravilha.

Como expliquei acima, além do azeite, se faz leite com o coco babaçu, exatamente como se faz leite de coco (de praia). Repare que o coco que conhecemos e amamos, aquele que oferta água quando verde e leite, quando maduro, é asiático. Ele é tão onipresente nos nossos territórios que é difícil acreditar que não é uma planta nativa. Sigo amando leite de coco (o asiático), mas depois que descobri leite de coco babaçu fiquei absolutamente maravilhada. Assim como o óleo de babaçu, o leite tem um sabor e aroma próximos do coco asiático, porém mais suave. O leite de coco babaçu é mais rico e encorpado (não tenho a tabela nutricional dos dois cocos aqui pra comparar, mas foi o que minhas papilas me disseram) e é uma belezura na cozinha.

Na foto acima, à esquerda, um mingau de tapioca feito com o leite e a farinha do babaçu, preparado por dona Antônia (de camiseta branca na foto abaixo). Dona Antônia fez esse mingau sem açúcar pra nós (Anne e eu) e com açúcar pras outras visitas. Uma delícia!

A foto da direita (acima) é de um bolo de fubá que dona Rosário (de vestido amarelo na foto abaixo) preparou pra gente. Foi o bolo de fubá mais simples e gostoso que já comi e dona Rosário compartilhou comigo a receita dela. Infelizmente ainda não consegui reproduzir essa gostosura, mesmo seguindo a receita. Tem comidas que são assim: você faz tudo igualzinho, mas o sabor não fica igual. Já me conformei que terei que voltar pra cozinha de dona Rosário pra comer esse bolo novamente. Mais uma desculpa pra voltar pra Baixada Maranhense e viver momentos de aprendizado e alegria com essas mulheres que tanto me inspiram.

O leite de coco babaçu é ótimo em receitas salgadas mas, pra mim, ele é uma perfeição em receitas doces. No centro histórico de São Luís, no beco Catarina Mina (pertinho do Mercado das Tulhas) tem uma sorveteria maravilhosa chamada “Vitória sorvete de frutas”. Os sorvetes são artesanais, feitos em quantidades pequenas (porque não tem conservantes) e as frutas do território brilham ali. Infelizmente tem leite de vaca em praticamente tudo, mas a estrela maior aqui é um sorvete de leite de coco babaçu, 100% vegetal. Vejam essa cremosidade ! Isso foi conseguido somente com leite de babaçu, sem nem um tico de gordura ou leite animal. Esse sorvete merecia ser destaque em todas as sorveterias do Norte e do Nordeste, no mínimo!

Fiquei uma semana em São Luís, hospedada em um local com cozinha (essencial pra mim, quando viajo). Preparei os cafés da manhã e os jantares na pousada, então pude passar muitas horas nos mercados da cidade, principalmente no Mercado Central, escolhendo ingredientes frescos. Que fartura, minha gente!

Tem até suco verde por lá, sabia? Além dos sucos das frutas nativas, que amo, mas como sempre eram adoçados, eu acabava optando pelo suco verde. Também almoçamos com frequência no mercado, dessa vez no Mercado das Tulhas. Era fácil montar um prato vegano, bastava se assegurar que no feijão do dia não tinha animais (não tinha em nenhuma das vezes que pedi) e, se fosse um PF, pedir sem o animal.

Veja que não disse que tem opções “veganas” no mercado de São Luís, porque esses pratos não vem com selo nem epíteto. Mas quem disse que precisa? Basta ir direto na parte de “acompanhamentos” do cardápio e ir montando o seu prato: uma porção de feijão, uma de arroz ou macarrão (sempre no alho e óleo), uma de farofa (quase sempre a farofa é de cebola ou alho, feita no óleo), uma porção de salada, verdura ou vinagrete… Os pratos abaixo ilustram como é perfeitamente possível ter uma alimentação 100% vegetal e popular.

Destaque pra foto abaixo, à esquerda. Esse almoço não foi no mercado, foi num pequeno restaurante oferecendo comida caseira no centro da cidade. Conversei com a cozinheira e perguntei o que poderia sair da cozinha dela que fosse 100% vegetal e ela me propos um prato que eu estava com muita vontade de provar desde a minha primeira visita ao Maranhão: arroz de cuxá. É o carro chefe da culinária maranhense, composto de arroz, vinagreira (uma planta da família do Hibisco) e camarão. Ela se propos a fazer um sem camarão pra gente e fiquei muito feliz em poder provar esse prato típico, feito pelas mãos de uma cozinheira maranhense.

Também fui comer duas vezes no Gafanhoto’s, um restaurante vegetariano (quase todo vegano) self-service. Os preço das refeições era muito mais elevado do que os meus PFs do mercado, mas a comida é deliciosa e vale a pena sair do centro pra ir até lá. Acho importante apoiar lugares vegetarianos/veganos, quando o bolso permite, e, como cozinheira, me inspira ver o que cozinheiras de outros territórios, que trabalham exclusivamente com o vegetal, estão inventando.

Mais dois pontos fortes gastronômicos da passagem por São Luís: sorvete de cupuaçu e maracujá e café gelado (feito com a técnica “Cold brew”). Os sorvetes vieram de outra sorveteria ótima, chamada “Mr Cold”, que fica no mesmo beco (na verdade, um beco-escadaria) da sorveteria Vitória. Sempre tem opções de sorvete sem leite e esses dois estavam uma perfeição. Maracujá e cupuaçu são duas das minhas furtas preferidas e esses sorvetes fizeram honra a elas. O café veio du um lugar charmoso que ficava quase de frente à nossa pousada, o Café Guará. Lá tem uma seleção de cafés de diferentes biomas brasileiros, todos deliciosos. Dá pra comprar o pó (moído na hora) pra fazer em casa, ou degustar um café (quente ou gelado) na cafeteria. Café gelado pode causar estranhamento, mas garanto que no calor de afundar a moleira do meu querido Nordeste, é uma experiência sublime.

Sem dúvida nenhuma o ponto alto dessa passagem por São Luís foi poder ter visitado o Quilombo da Liberdade, primeiro quilombo urbano do Brasil (certificado pela Fundação Cultural Palmares). Tive a imensa sorte de estar na cidade durante um roteiro cultural e gastronômico organizado por Paulo Borges, nascido e criado no quilombo, e pude visitar esse lugar de resistência e cultura.

Agora chega mais pra escutar essa. A vegana aqui, humilde que sou, mandou um mensagem pra Paulo explicando que não precisava nos contar entre as pessoas que comeriam durante a visita. Claro que eu imaginava que a comida oferecida seria de origem animal e não queria incomodar pedindo pra fazer algo diferente pra nós. “Terminando a visita, vamos procurar comida no mercado”, pensei. E quebrei a cara de melhor maneira possível! Paulo respondeu que a degustação incluída no roteiro era vegana porque o quilombo tinha a sorte de contar entre os seus moradores com um chef vegano premiado no Maranhão e no Brasil! Que coisa linda, né?

Na foto abaixo estou posando entre Paulo e o chef Gopa, que recebeu a gente na casa/restaurante dele. Na foto da direita, os pasteis de forno deliciosos que ele serviu pra gente, acompanhados de um suco fresquinho. Na minha lista de coisas importantes pra fazer nos próximos anos está voltar no restaurante dele e provar a “Moqueca da Horta”, o prato que fez ele ganhar o maior prêmio da gastronomia maranhense em 2018, com azeite de buriti, maxixe e quiabo. Um sonho!

E, provando que Maranhão também é Amazônia, adivinha o que o povo de lá ama comer? Açaí, obviamente. Só que no Maranhão, açaí é chamado de “juçara”. Calma, que essa história sempre causa confusão. Quando o pessoal do Maranhão fala “juçara”, estão falando do açaí, mesmo. O fruto do açaizeiro, a palmeira nativa da Amazônia, só que com um nome diferente. Não confundir com a juçara da Mata Atlântica, a outra palmeira famosa pelo palmito.

Seja chamada de açaí ou de juçara, a frutinha é consumida do mesmo modo no Maranhão: sem açúcar e com farinha de mandioca. Embora, assim como no resto do Brasil, está cada vez mais comum comer juçara/açaí entupida de leite de vaca e açúcar (leite condensado). Triste, triste.

Termino com uma descoberta que eu não teria feito sem a ajuda da minha amiga e pessoa maravilhosa Juliana Gomes. Assim que soube que eu estava no Maranhão ela me mandou uma mensagem perguntando se eu já tinha provado o abacaxi de Turiaçu e se ele era realmente o melhor abacaxi do mundo. Foi um momento de tapa na testa! Há dias eu vinha me extasiando com o abacaxi que eu estava comendo em São Luís, mas até então não tinha entendido a origem do fenômeno. Fica a foto do que, realmente, é o melhor abacaxi que já provei. Além de ser muito doce e de acidez bem mais baixa, ele é perfumadíssimo! Fiquei tão encantada que comi abacaxi de Turiaçu até o último momento! Na foto abaixo, à direita, dá pra ver que abacaxi (e um pouco de manga) foi minha última refeição no Maranhão, já dentro do avião que me levou de volta pra Natal.

Comidas amazônidas – Belém

Volto com mais um post da série sobre as comidas que degustei e descobri durante a viagem pela Amazônia. Depois do Acre, de Manaus e de uma viagem de barco pelo rio Amazonas, chegamos em Belém, um dos pontos fortes da gastronomia amazônida.

Vou começar com ele, o amado, o idolatrado açaí. Na foto abaixo: açaí branco e roxo (o mais comum), na feira do açaí. Foi a minha segunda vez em Belém e eu já sabia da maravilha que é o açaí por lá. Fiquei feliz em apresentar o açaí autêntico pra Anne, que, como todo mundo que não nasceu na Amazônia, primeiro achou “diferente”, mas antes do final da primeira cumbuca já tinha se apaixonado perdidamente. Comemos com farinha de tapioca (abaixo, à esquerda) e com farinha d’água (abaixo, à direita). Quem nunca comeu açaí puro (sem xaropes, sem açúcar e sem – que as deusas da floresta nos perdoem – leite condensado) vai se surpreender com a profundidade do sabor. Eu fico encantada com a textura também, que tem um aveludado que me lembra abacate.

Mas o fato de amar açaí em temperatura ambiente, sem açúcar e com farinha não significa que não gosto da versão “sobremesa” dele. Só que se for pra comer ele doce, aí prefiro na forma de sorvete, mesmo. E ninguém em Belém faz um sorvete de açaí melhor do que a sorveteria Cairu. É uma sorveteria tradicional, uma instituição na cidade. E apesar de não estar totalmente livre da influência do colonialismo alimentar, com sabores como “ovomaltine” e “kynder ovo”, as frutas regionais são as verdadeiras estrelas dessa sorveteria. O sorvete de açaí (100% vegetal) é um espetáculo e um dos mais premiados da casa. O outro sabor vegano se chama “paraense” e é açaí com farinha de tapioca. Como explicar que acrescentando um ingrediente de sabor quase neutro, como a farinha de tapioca, o sorvete se transforma em algo assim, tão poético? Quem acompanha esse blog há um certo tempo deve ter percebido que tenho opiniões e preferências gastronômicas fortes, e que sou dada a arroubos de entusiasmos com certas comidas. Então toma mais uma arroubo de entusiasmo: são os melhores sorvetes que já tomei! E olha que levo sorvete muito a sério, pois é uma das poucas sobremesas que gosto.

Depois dessa declaração de amor ao açaí, deixa eu falar sobre meu prato paraense preferido (meu e de toda a população local): maniçoba. Repare que o danado tem tudo pra espantar as desavisadas. Parece (com todo respeito) lama do mangue. E quando explicam pra gente o que é, dá um certo medo de provar.

Se você não sabe, maniçoba é feita com as folhas da maniva (mandioca brava), que precisam ser cozidas por vários dias (geralmente de 4 a 7 dias) para eliminar o ácido cianídrico, que é altamente tóxico. Depois elas são misturadas com pedaços de animais e fica parecendo uma feijoada, mas sem feijão.

Vá contra os seus instintos de preservação (“Nazinha, faça com que essa maniva tenha sido cozida por tempo suficiente e não me mate”) e prove, pois esse prato é um desbunde! Obviamente só provei a versão vegetal, mas me disseram que até quem não é vegana aprecia a versão vegetal, considerada mais leve e digesta. Em Belém eu gostei muito da maniçoba do restaurante (vegetariano) Govinda (foto abaixo, à esquerda) e do Purão (foto abaixo, à direita), que é 100% vegano. Aliás o Purão é meu restaurante preferido em Belém. Tem um buffet repleto de delícias, além da maniçoba, as sobremesas são muito boas.

Terminando o “top 3” das melhores comidas de Belém, eu vos apresento pupunha. Não o palmito, mas o fruto (ambos vem da palmeira Bactris gasipaes). Foi a primeira vez que comi pupunha e fiquei encantada. Os frutos são cozidos na panela de pressão (tem que cozinhar bem, senão dá uma coceira louca na boca. É, comida paraense não é para as fracas!) e tradicionalmente degustados com café. Foram minhas amigas Larissa e Maria, da Casa 316, que nos apresentaram pupunha num café da manhã que ficou na memória.

O sabor? Imagine que a batata doce teve uma filha com o milho e ela nasceu como uma versão junta e melhorada dos dois. Essa é a pupunha pra mim. O Armazém do Campo de Belém serve pupunha cozida com café (com leite vegetal!) e um bolo de macaxeira (também vegetal) divino (foto abaixo, à esquerda)! Também fui levada pela minha amiga e camarada Michelle pra provar uma posta de pupunha em um restaurante tradicional da cidade (que não é vegano, mas que tem algumas opções vegetais no cardápio). Abriu-se um mundo de possibilidades à partir da pupunha na minha cabeça. Mais um item na minha lista de coisas urgentes a fazer: me mudar pra Belém e passar um ano inteiro cozinhando, e comendo, pupunha.

Abaixo uma pequena mostra das delícias que comi em Belém, seja na casa de amigas e camaradas (como essa feijoada), em restaurantes (veganos ou não), no centro de Belém e nas ilhas do Combu e Cotijuba. Destaque pro feijão manteiguinha, que descobri lá e pelo qual me encantei (fui encantada várias vezes pelo que as minhas papilas descobriram nessa viagem). No Pará ele é servido como uma salada (em temperatura ambiente e misturado com tomate, cebola, chicória – que eu chamo de “coentrão”) e foi assim que preparei (foto à esquerda, na linha do meio). Mas quando estive em Cotijuba comi esse feijão numa versão afarofada, com castanha-da-Amazônia, e também ficou ótimo (acompanhando a moqueca de banana da terra, na foto à esquerda, na linha de baixo). Mais um destaque: o sorvete de cupuaçu com castanha-do-Amazônas caramelizada (ultima foto da galeria abaixo).

Falei da pupunha servida no café do Armazém do Campo, então vou aproveitar pra falar que é lá que você vai encontrar a pupunha crua (pra preparar em casa), além de muitos outros produtos locais, vindos da reforma agrária. Melhor lugar pra comprar comida na cidade. Tem uns chocolates maravilhosos, com cacau da Amazônia.

Esqueci de fazer uma foto do brunch delicioso que comi na padaria Verderosa, que é vegana e muito aconchegante. E por que estou falando desse brunch? Porque foi ali que provei uma fruta regional chamada “bacuri”. Comi um creme de bacuri na padaria que fez meus olhos brilharem! Que fruta é essa, minha deusa? Que sabor é esse? Infelizmente não consegui encontrar a fruta fresca, mas será minha missão (mais uma) quando voltar pra Amazônia, no final do ano.

Não posso terminar esse post sem falar que minha passagem por Belém não teria sido, nem de longe, a maravilha que foi sem as minhas amigas e camaradas do VEM. Elas me deram casa, comida, carinho, apoio e experiencias incríveis. E presentes comestíveis!

Agora, vamos pra receita de Belém, que na verdade é meio de Belém, meio de Manaus. Explico. Quando estive no MUSA tomei um suco no café de lá e reparei que o cardápio tinha um prato com sabor local e, olha que coincidência, vegano. Mas não estava disponível naquele dia. Perguntei pra cozinheira do café, que era simpática, como ela fazia aquele prato e ela, muito generosa, me explicou direitinho. Me prometi que prepararia aquela comida em Belém, pois lá eu encontraria os ingredientes necessários.

Quando contei dos meus planos pra amiga nos hospedando (cheiro, Vanessa!), ela disse que ali em Belém chamavam aquilo de “arroz paraense”. As únicas diferenças eram que a versão que a cozinheira do MUSA tinha me dado incluía banana da terra frita (porque o povo de Manaus é completamente obcecado por banana da terra e certo estão eles) e castanha-da-Amazônia.

Fiz o prato e ele era tão gostoso quanto eu tinha imaginado. E Vanessa, que é paraense, também adorou, o que me deixou muito orgulhosa. Apesar dos ingredientes serem difíceis (impossíveis?) de encontrar fora da Amazônia, queria deixar a receita registrada aqui no blog, porque tenho certeza que farei novamente assim que meus pés voltarem a tocar a cidade das mangas.

Arroz com tucupi, jambu e banana da terra (um arroz paraense com influência manauara)

Esse arroz lembra risoto, na textura cremosa, mas o sabor é totalmente amazônido. No lugar do caldo de legumes (ou de animais), o arroz é cozinhado no tucupi, que é o caldo fermentado da mandioca. Que idéia brilhante! Agora quero cozinhar tudo no tucupi! Além disso, ele é recheado com jambu, aquela folha que faz a boca tremer. A banana da terra frita acrescenta um toque doce que realça ainda mais o sabor “umami” do tucupi e a castanha-da-Amazônia traz ainda mais sabor e contraste de textura, algo importante num prato como esse, onde todos os elementos são macios. A castanha usada nessa receita é fresca, que é leitosa como polpa de coco seco (aquele que usamos pra fazer leite).

Arroz branco (evite o parbolizado)

Tucupi

Banana da terra (de fritar)

Cebola

Alho

Chicória (também conhecida como “coentrão” ou “coentro do Maranhão”)

Castanha-da-Amazônia FRESCA

Óleo

Sal e pimenta preta

Refogue a cebola picada em um pouco de óleo. Junte o alho picado/amassado e o arroz e refogue por mais alguns segundos. Cubra o arroz com uma mistura de tucupi e água, em quantidade suficiente pra cozinhar o arroz. Pode usar metade água, metade tucupi ou adaptar ao seu gosto. A cozinheira do MUSA me falou pra usar só tucupi, e foi o que fiz, mas o sabor fica bem forte e se você não tiver costume de consumir esse ingrediente, aconselho diluir o tucupi com água pra deixar mais suave. Deixe cozinhar em fogo baixo, coberto, mexendo de vez em quando. O objetivo é conseguir um arroz bem macio e levemente cremoso, como um risoto, então acrescente mais água/tucupi até atingir a consistência desejada e não tenha medo de mexer com a colher de pau (é pra ficar grudado, mesmo).

Enquanto o arroz cozinha descasque e corte as bananas da terra em fatias (no sentido do comprimento). Aqueça um pouco de óleo em uma frigideira e frite a banana até ficar bem dourada dos dois lados.

Quando o arroz estiver cozido e cremoso, junte chicória picada e pimenta preta a gosto. Prove e decida se precisa de sal (eu achei o tucupi salgado suficiente pra temperar o arroz, mas talvez isso varie de tucupi pra tucupi).

Sirva acompanhado da banana da terra frita e salpicado de castanha-da-Amazônia picada.

Manaus-Belém de barco

A série de posts sobre comidas amazônidas (parte 1, no Acre e parte 2, em Manaus) está seguindo o caminho que realmente fizemos no final do ano passado, por isso agora preciso falar sobre a viagem de barco de 5 dias que fizemos no Amazonas, entre Manaus e Belém.

Desde que começamos a sonhar com esse projeto, apareceu a vontade de fazer uma viagem de barco. Pensamos: “Quando teremos outra oportunidade de navegar pelo rio Amazonas?” Eu estava viajando pra conhecer as histórias das pessoas e dos bichos, mas também das árvores e dos rios.

A viagem é bem menos bucólica do que uma pessoa não-amazônida pode imaginar. E não tive a experiência do redário, que é mais típico. Alugamos uma cabine porque estávamos viajando com material de fotografia e muita bagagem, mas também porque, no meio de quase dois meses de trabalho, precisávamos descansar um pouco antes da etapa seguinte. É muito caro viajar assim e a cabine deixou muito, muito a desejar. Não estava esperando luxo, nem sequer um grande conforto. Mas um mínimo de limpeza, eu esperava. Foi uma daquelas experiências que você fica super feliz de ter feito, mas que não faria novamente por nada.

A outra razão pra reservar uma cabine no barco foi poder ter acesso a um frigobar. Eram 5 dias de viagem e, apesar de ter refeições à bordo, só o almoço podia ser adaptado pra ficar 100% vegetal. O jantar sempre era sopa com animais e o café da manhã era sempre pão com queijo e presunto. Ou seja, tivemos que levar quase toda a nossa comida e improvisar refeições sem ter fogão à disposição.

“Ah, deixei de ser vegana porque viajo muito!” Gente, se fosse verdade que é impossível ser vegana e viajar, eu já teria deixado de ser há tempos. Já me tornei um disco arranhado de tanto repetir isso, mas lá vai: se planejar direito, dá certo. Lembre-se que viagem é, por definição, uma situação fora da sua rotina e de caráter temporário. O que estou querendo dizer com isso? Que não vai ser perfeito, que em casa você comeria melhor, que alguns dias você não vai se alimentar de maneira tão nutritiva, mas que tudo bem porque ninguém vai morrer de carência nutricional se passar uns dias se alimentando mal.

Minha estratégia no barco foi focar em preparar um café da manhã bem nutritivo, com algo que a gente acha gostoso e que nos alimenta por horas, almoçar no barco e levar alguns ingredientes prontos pra serem degustados no lanche e no jantar. O jantar era bem leve, mas comíamos melhor no resto do dia.

O café da manhã de todo dia era aveia dormida com chia e leite de castanha (de caixa), banana, pasta de amendoim em pó (comprei especialmente pra essa viagem), castanha-da-Amazônia, nibs de cacau e granola de cacau (comprada pronta).

Como antes do barco estávamos num apartamento em Manaus, pude preparar um mix pro café da manhã. Num potinho misturei a aveia com a chia, numa quantidade que desse pra viagem inteira. À noite eu misturava com leite de castanha e colocava no frigobar da nossa cabine. Na manhã seguinte eu acrescentava os outros ingredientes. A foto à direita foi de um dia em que tomamos um segundo café da manhã, com pão, queijo de castanha meia-cura (do Salgados Veganos Manaus) e café do barco. Aliás, ser vegana num barco na Amazônia é fichinha! Nosso maior desafio foi o café.

Anne e eu tomamos café sem açúcar e quando a gente viaja pelo interior do Brasil, principalmente em lugares pouco- ou nada- turísticos, encontrar café não-adoçado é um desafio. Eu acho café adoçado algo intragável, então por mais viciada que eu seja, prefiro ficar sem café. E olha que isso me rende uma bela dor de cabeça (o vício é uma coisa horrorosa). Felizmente, no segundo dia conversei com a cozinheira e ela aceitou fazer um pouco de café sem açúcar só pra gente, com a condição de chegar no começo do serviço. Glória!

As fotos acima foram feitas na nossa cabine. Repare que minha “bancada de cozinha” era o frigobar e tive que me virar pra preparar as coisas ali. Me programei pra passar no restaurante vegano maravilho do qual falei no post anterior um dia antes de embarcar. Então comprei um molho à bolonhesa de tofu, congelado (o macarrão, eu cozinhei no apartamento onde estava e coloquei na marmita pra ser o primeiro almoço da viagem, já que no primeiro dia, a cozinha do barco não funciona ), mais o queijo de castanha meia-cura, tofu defumado em fatias (maravilhoso!)e pão de macaxeira. Também comprei umas bolachas salgadas de linhaça (crackers), chocolate e algumas frutas. E levei também um tucumã preparado por mim (sobras do meu X-Caboquinho).

As fotos abaixo foram dos nossos jantares: macarrão com bolonhesa de tofu, abacate com cebolinha e limão, tucumã refogado e triturado e pão de macaxeira e uma mistura dos dois. Sim, era um pouco repetitivo, mas foram só 5 dias. E, sinceramente, não dá pra reclamar dessa comida maravilhosa.

Abaixo, além do abacate, tucumã e pão de macaxeira, tem o tofu defumado e fatiado que falei. E mangas!
Comprei bastante banana e manga e foram as frutas que comemos durante toda a viagem (além do abacate, claro). Queria ter feito alguma foto dos lanches (crackers de linhaça com queijo de castanha, chocolate ou manga), mas esqueci.

Abaixo uma foto do almoço servido no barco. Se pedir sem carne (sem animal), ficava 100% vegetal: feijão, arroz, macarrão e farofa (com óleo e alho). O acréscimo da banana ficava por minha conta, porque adoro feijão com banana. Comi isso 4 dias seguidos (o primeiro almoço, como eu disse, levei pronto) e no final da viagem a gente estava sonhando com uma salada crua colorida, com um suco fresco e com um tempero melhor, mas, vou repetir, é uma situação provisória, logo totalmente suportável. Eu não vou reclamar de ter feijão e arroz no prato, né?

Antes que alguém diga, eu sei que fiquei numa cabine, com acesso a um frigobar, e que isso facilitou a minha vida. Daria pra ter tido uma alimentação 100% vegetal se a gente tivesse comprado uma passagem no redário? Daria. Seria menos saboroso, mas ainda assim daria pra não morrer de fome nem passar mal com alguma carência (ninguém desenvolve uma carência em apenas 5 dias). Eu teria misturado a aveia com água (afinal, foi exatamente pensando nisso que comprei a pasta de amendoim em pó, que se transforma num leite cremoso com o acréscimo de água). Teria almoçado no barco do mesmo jeito, os lanches seriam os mesmos e teria jantado pão com frutas.

Esse post era pra falar sobre o que comemos no barco e sobre como dá pra ser organizar e fazer uma viagem desse tipo sendo vegana, então não vou falar do que vi e vivi pra além da comida hoje. Um dia, talvez, eu fale dessa experiência. Ou talvez mantenha ela guardada no peito.

Comidas amazônidas – Acre

Ano passado, durante os meses de outubro e novembro, estive na Amazônia fazendo um projeto multimídia com Anne, a talentosa fotógrafa que eu tenho a honra de chamar de esposa. São muitas camadas de material coletado (entrevistas, sons, fotos, vídeos, anotações) e de experiências, que vai decantando conforme os meses passam e vamos publicando aos pouquinhos (por enquanto em jornais e revistas aqui na Europa). Aqui no blog gostaria de tratar de uma parte da viagem que tem tudo a ver com a minha pesquisa pessoal sobre cultura alimentar, que ainda é o tema principal do Papacapim. Como o assunto é vasto, vou publicar por partes.

Comecemos pela castanha, a rainha absoluta da floresta. Tanto pela majestosa castanheira, uma árvore que pode atingir 50 metros de altura (um prédio de 16 andares) e viver 5 séculos, quanto pela riqueza da castanha em si. Estou falando aqui da fonte de renda de vários povos da floresta e da sua presença na culinária tradicional do Acre.

Momento polêmico: como chamar o que ficou conhecido fora da Amazônia como “castanha do Pará”? Só quando cheguei no Acre e me vi rodeada de castanheiras me dei conta que essa castanha é encontrada na Amazônia, não apenas no Pará. É mais lógico, e mais justo, chamar de “castanha-da-Amazônia”. Me oponho à “castanha-do-Brasil”, porque Amazônia vai muito além do território conhecido como Brasil. Correndo o risco de ofender minhas amigas paraenses, não só passei a chamar de “castanha-da-Amazônia”, como te incentivo a fazer o mesmo. (A menos que eu esteja no Pará, aí volta a ser “castanha-do-Pará” pra mim.) E se você se pergunta como o pessoal do Acre chama, chamam apenas de “castanha”. Faz sentido, pois aquele é o território dessa castanha. No RN, terra de cajueiros, nós também chamamos o que é conhecido fora do Nordeste como “castanha de caju” simplesmente de “castanha”.

Eu tive a honra de entrevistar o seringueiro Severino Silva, um dos anciãos da Reserva Chico Mendes, e ele me disse: “O leite de castanha era o tempero do seringueiro.” Seu Severino contou que era costume usar o leite de castanha pra preparar tudo, do feijão aos animais de caça, passando por vegetais (o jerimum com leite de castanha é particularmente apreciado). Saiba que a primeira vaca chegou no Acre em 1971, até então não existia pecuária no estado. Consequentemente, não existia leite de vaca naquele território. Além de preparar tudo com leite de castanha (segundo seu Severino, “a única coisa que não presta fazer com leite de castanha é galinha”), também se extraía o óleo da castanha pra cozinhar, embora, por ser mais trabalhoso, o mais comum era usar o leite, deixar apurar bem e isso servia como a fonte de gordura do prato preparado. Tive a sorte de encontrar óleo de castanha em Rio Branco e achei o sabor deliciosamente delicado. Uma maravilha pra temperar saladas (não usaria algo tão precioso pra cozinhar).

E o sabor da castanha fresca? Só depois de ter visitado a Amazônia descobri que castanha-da-Amazônia, quando fresca, tem uma textura leitosa similar ao coco maduro (aquele que usamos pra fazer leite). Confesso que desde então penso nelas quando mordo uma castanha desidratada. Sim, porque as castanhas que compramos e consumimos Brasil e mundo afora foram desidratadas antes de serem embaladas e comercializadas. Mas essa iguaria vai continuar reservada aos povos da floresta, ou quem decidiu morar por lá pois quando fresca, ela se estraga muito rápido.

Sabe o que também é originário da Amazônia? O cacau. (Como ele subiu até o México e se tornou moeda de troca e bebida popular entre os Astecas, eu ainda não pesquisei.) E quando estive no Reserva Extrativista Chico Mendes, descobri o “cacauí” (Theobroma speciosum), um parente do cacau e do cupuaçu. Ele é menor do que o cacau e o sabor, embora um pouco mais ácido e mais floral, é bem próximo do cacau. Pelo menos foi o que minhas papilas me disseram enquanto eu enchia a barriga de cacauí, mas eu teria que fazer uma comparação lado a lado pra confirmar essas impressões. As pessoas não dão muita bola pro pobre cacauí, que cresce de maneira selvagem na floresta, mas eu fiquei absolutamente encantada pensando nas sobremesas incríveis e nos chocolates que poderiam ser feitos com ele. Meu novo sonho é voltar pra Resex e trabalhar as potencializadas gastronômicas da floresta ali, junto com a população local.

Eu viajo com os olhos, ouvidos e papilas abertas e vou provando tudo que é comestível ao meu redor (animais são parentes, não comida). Fernando, que trabalha na Resex e aceitou que a gente o acompanhasse durante quatro dias lá dentro, vendo que eu queria provar tudo, fazia questão de compartilhar comigo os tesouros da floresta. Frutas (foi ele que me deu o primeiro cacauí) e coisas que eu nem imaginava que poderiam ser comestíveis! Desconfio até que ele me fez comer umas coisas só pra tirar onda com a minha cara, como as sementes de sumaúma (foto abaixo à direita). Mas eu adoro essas aventuras, então achei tudo maravilhoso.

Um dia ele me deu um fruto do jatobá (foto abaixo à esquerda) e disse que tinha comido muito aquilo quando era criança. Sim, jatobá, aquela árvore grande! Uma pena eu não ter feito uma foto pra mostrar como é por dentro. Fiquei surpresa com a textura (como um pó compactado e levemente úmido) e o sabor (muito doce e levemente enjoativo) e imediatamente pensei…nas possibilidades gastronômicas daquele fruto. Pra ajudar a entender a peculiaridade do jatobá, deixa eu dizer que se assemelha (sem ser idêntico, longe disso) a um leite em pó doce. Pensei: pudim de jatobá, sorvete de jatobá, doce de leite de jatobá…

Outra coisa que eu descobri no Acre, mas que existe em outras partes do Brasil, é macaxeira amarela (macaxeira manteiga). Que delícia! Cozida e sem nada além de sal ela já era uma delícia, mas grelhada com um pouco de gordura (azeite ou, como na foto abaixo, uma manteiga vegana à base de óleo de coco e palma) fica um desbunde. Um dia servi essa macaxeira cozida com cogumelos salteados e foi um grande sucesso. Se eu tivesse um restaurante colocaria esse prato no cardápio, com certeza.

Cuscuz com banana foi outra coisa que descobri no Acre, graças à minha amiga Cibele (que é de Sergipe, mas se mudou pra Rio Branco alguns anos atrás), mas que é consumido em outras partes do Brasil. Gostei tanto que postei a receita aqui ainda quando estava em Rio Branco. Abaixo uma foto minha em pleno trabalho de fotografia, pra provar de uma vez por todas que quem faz as fotos do blog sou eu, mesmo.

Abaixo algumas refeições que fiz em Rio Branco, com pratos que pretendo reproduzir em casa. 1-Kibe de macaxeira recheado com jambu (que na verdade é um croquete, mas independente de como você chamar, é uma delícia) 2- moqueca de banana da terra com pirão (menos colorida do que as que fazemos no Nordeste, mas adorei a ideia de usar uma parte do caldo pra fazer pirão) 3- ceviche de caju (como nunca pensei nisso antes? e olha que nem tem muito cajueiro no Acre, já que essa árvore é nativa do meu território e se dá melhor por lá) 4- purê de banana da terra e 5- tacacá com lentilhas. Esse último prato é criação da chef Rafaella Brozzo, que comanda a cozinha do restaurante do Tribunal de Justiça e que também fez o ceviche de caju. Eu sei que não é ortodoxo e entendo se houver reações negativas da parte das amazônidas lendo esse blog.

O Acre está bem longe de ser um lugar que ganharia um selo “vegan friendly”. Não tem nenhum restaurante vegano na capital, Rio Branco (muito menos nas cidades menores), e o que o pessoal me indicava como “comida tradicional” era sempre churrasco de vaca. Vaca, uma comida tradicional na Amazônia? A primeira vaca chegou no Acre em 1971, lembra? Então claro que o “tradicional” aqui é bastante novo. Mas o fato é que o estado está colonizado (e escolhi essa palavra intencionalmente) de restaurantes-churrascarias.

Porém eu trouxe essa informação aqui pra dizer que comida vegetal não precisa de selo “vegano” nem é exclusividade de restaurantes “veganos”. Mesmo nos restaurantes onde a especialidade era carne de animais (domesticados, trazidos pelos colonizadores, explorados como ferramenta de expansão/roubo territorial e de destruição da floresta – o tempero do churrasco no Brasil), ainda assim nós encontramos comida vegetal suficiente pra nos alimentar. Sempre tinha um feijão sem animais, verduras cozidas, verduras cruas e cereais (arroz e/ou macarrão). E até alguma fruta fresca (na parte das saladas cruas), que servia de sobremesa pra mim. Claro que estou falando aqui de restaurantes no peso (self-service), que sempre salvam as veganas em viagem.

Anotem aí. Comida “vegana” é feijão, arroz, farinha, verduras, frutas e tudo mais que sai da terra. E isso (ainda) é encontrado na maior parte dos lugares que servem comida no peso. Quem acha que precisa de um(vários) prato(s) com etiqueta “vegana” pra poder “ser vegana”, não entendeu do que se trata o veganismo.

Os três pratos abaixo são exemplos perfeitos disso. Comi o primeiro num restaurante meio chique em Rio Branco (reparei que quanto mais chique o restaurante, menos opções 100% vegetal). O segundo veio de uma churrascaria de bairro, também em Rio Branco. O terceiro prato foi degustado em Brasiléia, quando estávamos indo de Rio Branco pra Reserva, num restaurante bem simples. Como sempre, o foco principal do restaurante era carne de animais domesticados, mas mesmo assim tinha uma parte “buffet” com opções suficientes pra compor uma refeição vegana.

Também tive a honra de ser alimentada por pessoas acreanas, que vivem na Reserva, e entendi muita coisa compartilhando a mesa com elas. Abaixo, um jantar na casa de uma família que pratica agroecologia, além da coleta da borracha, e produz boa parte do que consome. Macaxeira manteiga, feijão, verduras e a farinha de mandioca deliciosa daquelas bandas. E às vezes o almoço era só feijão com arroz (as pessoas não veganas com quem estávamos comeram ovo frito também) e tudo bem.

Percebi que as pessoas que comem verduras são as que ainda as plantam. Me parece lógico pra quem mora na floresta, longe de feiras e sacolões. Já as pessoas que passaram a criar animais pro abate foram deixando as roças de lado e, consequentemente, as verduras sumiram do prato. Triste.

E um dia, quando já não tem mais nada pra comer e estávamos todas azul de fome, a gente parou embaixo de uma mangueira carregada, na beira do caminho. O chão estava coberto de frutas e ainda conseguimos tirar algumas (mais firmes) do pé. Manga, minha fruta preferida. Num dia de muita fome, elas fizeram a alegria do nosso grupo e ficaram gravadas na minha memória como algumas das mangas mais saborosas que já comi na vida.

Agora deixa eu falar um pouco dos horrores alimentares que vi por lá. Veja as fotos abaixo e se perguntem comigo: em que ônibus subimos pra chegar nesse ponto? Que obsessão com proteína (e creatina) é essa que precisam pegar algo tão importante na nossa cultura alimentar, a tapioca, e transformar em ultraprocessado? Faz meses que fiz essas fotos e ainda me revolto quando as vejo.

Algo que me chocou bastante no Acre (e olha que muita coisa me chocou no Acre) foi descobrir que todas as cozinhas são turbinadas no glutamato monossódio (“Ajinomoto”, como é mais conhecido entre nós). Lembra que um dia o leite de castanha-da-Amazônia já foi o “tempero do seringueiro”? Pois hoje é o tal do glutamato. Segundo minhas fontes locais, o glutamato é presença obrigatória até nos mais tradicionais tacacás. E você tinha ficado chocada com as lentilhas no tatacá da chef Rafaella…

Também fiquei decepcionada com a qualidade das frutas que encontrei nos mercados. Cibele me explicou que as frutas não nativas (que não crescem na Amazônia) vem de longe, o que faz sentido. Encontrei até melão de Mossoró, no RN (meu estado). Uma pena as frutas locais não serem mais facilmente encontradas (cacauí nem é comercializado!).

E já que o assunto é fruta, uma nota sobre açaí. Que decepção! O açaí da foto abaixo é puro, que eu recheie com algumas coisas (tapioca, castanha, banana e paçoquinha), o que não é tradicional, eu sei. Foi um lanche rápido que fiz na casa da amiga que estava nos hospedando. Mas a decepção não veio desse lanche. Você achava que toda a Amazônia comia o açaí tradicional, não adoçado e acompanhado com farinha? Descobri que a maior parte do açaí consumido no Acre já é vendida misturada com leite condensado, creme de leite e gordura hidrogenada, chamado de “açaí cremoso”. Olha o que o colonialismo alimentar, e a ditadura dos laticínios (palmas pra Nestlé e seu projeto de dominação), fizeram com a cultura alimentar nessa parte da Amazônia!

Pra não terminar esse post com algo tão negativo, deixa eu falar dos óleos da Amazônia. Eu só conheci alguns (buriti, patauá, tucumã, andiroba, copaíba, além da castanha-da-Amazônia) e fiquei encantada. Muitos (todos?) são medicinais e vários tem um potencial culinário incrível. Fiquei pensado que num país onde tem tantas possibilidades de óleos deliciosos, não faz sentido nenhum seguir priorizando o azeite de oliva, que é importado. Um dia eu volto pro Acre pra aprender mais sobre tudo isso e, quem sabe, ajudar a levar essas possibilidades pra cozinha fora de lá.

Volto em breve pra falar das comidas amazônidas nos outos lugares que visitei e com a receita da minha versão de X-caboquinho. Só de lembrar fico com água na boca.

Um passeio por Natal

Nos últimos dias tirei folga das responsabilidades e decidi descansar passeando por Natal. É muito gostoso ser turista na sua própria cidade e posso preencher páginas e mais páginas sobre essa experiência. Mas isso vai ficar pra outro dia. Hoje eu queria levar vocês nesse passeio comigo, então o post de hoje é visual.

Pra que seja um passeio em imagens, não vou legendar as fotos. Mas adianto que quase todas as fotos foram feitas no centro de Natal (que chamamos de Cidade Alta), mas também tem os bairros das Rocas e Mãe Luíza. Os nomes das praias que aparecem aqui são: praia dos Artistas, praia do Meio, Areia Preta e Miami. A última foto foi do almoço de hoje, no Café Libre, onde encerrei meus dias de folga e vim escrever esse post.

Fui na Pinacoteca Potiguar pra ver uma exposição muito linda, chamada “Nordeste Expandido : Estratégias de (re) Existir”. As obras acima, à esquerda, são da artista Silvana Mendes, do Maranhão (Afetocolagens: Reconstruindo Narrativas Visuais de Pessoas Negras na Fotografia Colonial). O bordado, à direita, foi feito pelas bordadeira do Curtume/Mulheres do Jequitinhonha.

O final de junho

Semana passada tive a sorte de poder descansar longe da cidade por uns dias. O mês de junho foi intenso pra mim, porque a cuidadora da minha mãe saiu de férias e fiquei no lugar dela. Também foi o mês em que fiz minha estreia na sala de aula e me tornei educadora em um cursinho popular aqui em Natal. No final do mês eu estava exausta, com o juízo aperreado e com muita dificuldade pra funcionar durante o dia. Então assim que a cuidadora da minha mãe voltou, me dei folga da casa, do trabalho (todos eles) e da função de cuidadora. Fui pra uma cabana entre o rio e o mar e passei três gloriosos dias sozinha, sem falar com ninguém. Quer dizer, sem falar com ninguém da espécie humana.

Sempre fui introvertida, o que não é sinônimo de ser tímida. Mas sinto que os anos passaram e minha introversão aumentou muito. E como ela se misturou com um amor cada vez maior pela contemplação, hoje só penso em fugir pras montanhas (ou pra floresta). Vou continuar por aqui porque sou uma militante sincera e dedicada, mas juro que se todas as revoluções tivessem sido feitas, eu me embrenharia mato adentro e passaria o resto dos meus dias lavrando a terra, conversando com os bichos e tomando banho de rio.

Dois anos atrás li um livro que falava sobre como resistir à economia da atenção. O livro, escrito pela estadunidense Jenny Odell, se chama “How to do nothing”, mas foi traduzido pro Português como: “Resista – não faça nada”. “Economia da atenção” é um termo que eu descobri com esse livro e que nomeou algo que me incomoda profundamente há anos. A ideia, bastante difundida, de que “se é gratuito, então o produto é você” não é verdadeira. Nas redes sociais o verdadeiro produto, a moeda de troca mais preciosa, é a sua atenção. Como moro em um país onde o uso do celular/internet/redes sociais é bem menor do que no Brasil (nosso paí é o vice-líder mundial em uso de internet: cada brasileira passa nada menos que 9h32 por dia conectada, enquanto na França, a utilização diária é de 5h26), sempre que estou desse lado do Atlântico fico assustada ao ver como a atenção das pessoas é sugada em permanência pelo celular.

Consegui uma parte significativa da minha atenção de volta vivendo sem redes sociais, mas isso foi só metade da mudança. Escolher pra onde vai a atenção reconquistada é, talvez, a parte mais importante nesse processo de resistência à economia da atenção. Prestar atenção no que e em quem está ao meu redor não é nem um pouco difícil. Me perder nos meus pensamentos, passar horas escutando passarinhos ou observando minhocas é puro deleite pra mim. Às vezes eu sentava na frente da minha horta de quintal e passava um longo momento com o nariz quase dentro da terra, assistindo fascinada a tudo que se passava ali (minha horta era agroecológica e fervilhava com os mais diferentes tipos de vida). Então largar o celular é fácil. O verdadeiro desafio, pra mim, é conseguir me afastar dos compromissos e conseguir momentos de introspecção.

Na sociedade capitalista em que vivemos, onde se sobrecarregar de trabalho é a condição de sobrevivência de 99% da população, tempo livre é um luxo pra poucas. Mas estou falando aqui sobre escolher não deixar o celular drenar minha atenção em todos os momentos do cotidiano. E, quando as circunstâncias permitem, escolher dar minha inteira atenção ao mundo material ao meu redor e ao mundo imaterial dentro de mim. Semana passada vivi dias deliciosos de silêncio e encontros com animais outros que humanos. Nada alimenta mais minha alma que esses momentos.

E falando em alimento, praia é um dos lugares mais difíceis de encontrar comida (pro corpo) quando se é vegana e já escrevi sobre isso anos atrás (Praia vegana: guia de sobrevivência). As dicas que compartilhei naquele post ainda são válidas, só queria acrescentar que hoje, oito anos depois, minha alimentação está ainda mais simples, principalmente quando cozinho apenas pra mim mesma.

Gosto de comer tapioca no café da manhã, então levei goma fresca, mais alguns recheios (tofu mexido, queijo cremoso de castanha e muta’bal). Preciso comer feijão todo dia pra ficar feliz e levei feijão macaça, lá da terra do meu pai, que comi no almoço e jantar (temperado só com sal ou com verduras). Também gosto de comer tubérculos diariamente, então levei batata doce e cará, que entravam no prato com o feijão. E acompanhei todas as refeições com frutas. Como não ligo muito pra sobremesas nem doces em geral, levei apenas um pedaço de chocolate 100% (sim, totalmente amargo) e uma soda preta (quitute típico do meu território, feito com rapadura), que gosto de comer com café. Mas nada melhor do que lanchar frutas frescas, principalmente na praia.

O lugar onde me hospedei tinha a particularidade de estar exatamente onde um rio potiguar encontra o mar, então dependendo da maré, a baía era preenchida pelo mar (foto abaixo, à esquerda) ou pelo rio (foto à direita). O momento em que o rio voltava, empurrando a água salgada e verde de volta pro mar e inundando tudo com sua água doce e escura era de uma lindeza que enchia meus olhos de lágrimas. No primeiro dia fui surpreendida pelo espetáculo, mas depois passei a sentar e esperar por ele, e a alegria era tão intensa quanto da primeira vez.

Quando voltei pra casa e contei sobre a pororoquinha que eu via todos os dias, minha irmã perguntou por que eu não tinha filmado. A ideia de deixar de “viver o momento” pra “filmar o momento”, me pareceu revoltante. Me dá um arrepio de prazer saber que aqueles momentos estão guardados dentro de mim, sem cópias na memória do celular. Não me importo se minha memória (humana, logo, falha) vai deformar os acontecidos conforme o tempo for passando. Faz parte da vida. Também gosto de contar o que vi e vivi pras pessoas que amo, olhando nos olhos delas, ao invés de simplesmente mostrar algo numa tela. Sei que isso foi normalizado, mas ainda me incomoda muito quando o celular se faz presente nas conversas com pessoas que estão na minha frente.

Já estou mergulhada novamente na rotina, entre trabalho, militância e cuidados com minha mãe. Aliás, ela está precisando da minha atenção nesse momento preciso.

Termino esse post com mais um espetáculo: o pôr do sol atrás do rio.

Porto Alegre

O avião se aproximou de Porto Alegre e eu fiquei impressionada em avistar tanta água. Era a minha primeira vez na cidade e, admito com vergonha, não sabia que ela era banhada pelo rio Guaíba. Aliás, descobrir o nome daquele rio foi uma surpresa. No bairro onde cresci, no outro Rio Grande, as ruas tem nome de rio e a rua Rio Guaíba é vizinha da nossa. Então ficava ali o rio que eu atravessava todos os dias, na sua versão rua, pra ir pra escola?

O rio Guaíba, em Porto Alegre

Eu estava indo pra Porto Alegre pra realizar atividades militantes, quando a UVA organizou a Jornada do Veganismo Popular contra o Fim do Mundo, em novembro de 2022. Fui muito bem recebida por camaradas do coletivo vegano local associado à UVA, que foram me buscar no aeroporto, me ofereceram pouso e comida, me levaram pra conhecer a cidade e trocaram ideias e conhecimentos comigo. Depois de me impressionar com aquele corpo d’água imenso e com a hospitalidade das pessoas que encontrei, fiquei maravilhada com as árvores: gigantes e lindas. Talvez seja porque minha família é do Sertão, onde quase tudo é arbusto (“árvores acocoradas”, como disse Josué de Castro). O fato é que não importa quantos anos eu vivi e quanta coisa eu vi, árvores altas continuam sendo algumas das coisas que me mais me impressionam no mundo.

Acompanho, como o coração apertado e o peito cheio de revolta, a catástrofe causada pelas enchentes no RS todos os dias desde que voltei pro Brasil. Todos os dias, penso nas pessoas que conheci lá. Penso no assentamento que visitei, que produz tanta coisa além do famoso arroz orgânico, e que ficou completamente embaixo d’água. Penso no sofrimento do povo gaúcho que perdeu muito mais do que é possível contabilizar, nos animais que ficaram pra trás e morreram, nos que foram resgatados e estão em abrigos superlotados, nas voluntárias que estão fazendo um trabalho admirável salvando pessoas humanas e não-humanas… Penso também no meu irmão, que é bombeiro e saiu de um Rio Grande pro outro pra resgatar as vítimas das enchentes, sem data pra voltar pra casa.

E se a revolta com quem contribui pra que esse desastre acontecesse, sejam autoridades locais ou os poluidores do Norte do globo, ocupa uma parte dos meus pensamentos, ver a solidariedade das pessoas, a ajuda mútua (um dos pilares do compromisso anarquista) todos os dias é o que coloca alento dentro de mim. Claro que estou escrevendo essas linhas de um lugar bem longe, no seco e abrigada.

Hoje abri o telefone procurando as fotos da minha única passagem por Porto Alegre e percebi que apesar de ter compartilhado algumas fotos quando falei da Jornada do Veganismo Popular contra o Fim do Mundo, ainda não tinha feito um post contando o que vivi na cidade.

Enquanto sonho em voltar praquela terra, rever as amigas e camaradas e ver o RS reerguido e fortalecido, compartilho aqui alguns momentos da viagem de 2022.

A cozinha solidária do MTST acolheu a atividade em PoA da Jornada do Veganismo contra o Fim do Mundo.

Tive a honra de visitar o Assentamento Integração Gaúcha, em Eldorado do Sul (região metropolitana de Porto Alegre) e conhecer algumas pessoas maravilhosas por lá, além do famoso arroz orgânico do MST. Quem me levou até lá foi o jornalista Marco Weissheimer, do Sul21. Marco já tinha me entrevistado uma vez em 2018 e 4 anos depois nos conhecemos, enfim, pessoalmente e fizemos mais uma colaboração. Sou muito grata ao Sul21 por me dar espaço, mais uma vez, pra falar do antiespecismo como parte da luta decolonial: A mesa é um território de disputa

Assentamento Integração Gaúcha

Também pude visitar a padaria Pão da Terra, no assentamento. A história dessa padaria é linda demais e fico muito feliz que tenha sido registrada nesse video que o Sul21 fez mostrando nossa visita ao local.

Deixa eu contar um momento bem emocionante pra mim durante a visita à padaria Pão da Terra. Dona Maria Inês, assentada que também trabalha na padaria, nos mostrava os bolos lindos e cheirosos que elas preparam e vendem nas feiras. Perguntei que ingredientes ela colocava nos bolos e quando percebi que todos eram de origem vegetal (muito nutritivos, aliás) perguntei: “A senhora não usa ovo nos bolos por que?” Ela respondeu simplesmente: “Porque não precisa.” Algo óbvio que nós, veganas, sabemos, mas que as pessoas que comem animais e seus derivados ignoram (ou decidem ignorar). Se todo mundo entendesse essa informação tão simples…

A região de Eldorado do Sul foi muito afetada pelas enchentes e foi com muita tristeza que descobri que o assentamento Integração Gaúcha, todas aquelas roças lindas, os campos de arroz e aquela padaria tão especial, tinham ficado completamente embaixo d’água. Hoje Marco me enviou um vídeo da filha de uma das assentadas que conhecemos mostrando o estado que ficou a padaria. Ele também escreveu esse artigo contando como está sendo organizada a solidariedade pra reerguer a comunidade: Feiras Ecológicas lançam campanha para ajudar assentamentos atingidos pelas enchentes

Foi durante essa viagem que visitei, pela primeira vez na vida, um santuário animal. Pude conhecer o santuário Voz Animal e encontrei Feu, um dos fundadores do santuário e membro da UVA.

Encontrar cada animal vivendo ali foi lindo demais e descobrir o trabalho por trás do santuário me encheu de admiração por Feu e Fernanda, sua companheira e também fundadora do Voz Animal. E como se não fosse suficiente, essas pessoas estão atualmente na linha de frente resgatando animais vítimas das enchentes em Porto Alegre e organizando a solidariedade material nos abrigos.

Agradeço mais uma vez o carinho e a generosidade de todas as pessoas que conheci em Porto Alegre. Um obrigada especial a Monique, que me levou pra todos os lugares e me deu queijo (vegetal), a Bruno, que me deu pouso, mate e um livro, a Feu, que passou o dia me mostrando o santuário e a Marco, que decidiu levar minha voz e minha mensagem pras leitoras do Sul21:) A vontade de voltar pra rever vocês e estar aí mais uma vez é grande. Nosso reencontro, junto com o pessoal do MTST, as outras compas do coletivo Mova e Bruna Crioula vai ser potente. Um cheiro pra todas e vocês não saem do meu pensamento.

Organizando a solidariedade material

Quem puder contribuir materialmente com as pessoas e animais no Rio Grande do Sul, deixo aqui algumas recomendações de pessoas que conheço pessoalmente, que fazem um trabalho sério e que estão precisando de ajuda no momento.

Bruna Crioula criou o Fundo Crioula “em apoio ao povo negro e aos animais que sofrem os impactos do racismo ambiental no Rio Grande do Sul”. Doações via pix, chave: oi.crioula@gmail.com

As doações pro Santuário Voz animal vão ajudar os animais que moram no santuário (são 300 animais!), mas também os que foram vítimas das enchentes, fortalecendo o @aubrigo_scooby a UTI pra animais @op.resgateanimal , o Hospital de Campanha do Gasômetro @operacaoresgatepetpoa e Abrigo de Animais de Grande Porte de Viamão @naomedeixepratras . Você também pode doar diretamente pra cada uma dessas iniciativas.

Sinal de vida e o segredo do quiabo sem baba

Nunca tinha ficado tanto tempo ser aparecer por aqui. Seis meses! Tanta coisa aconteceu desde o post sobre veganwashing em janeiro que nem sei por onde começar. Vou fazer um resumo dos últimos meses.

Saí de Berlim em fevereiro. Voltei pra Palestina. Tive o prazer de guiar mais dois grupos no tour político-vegano na Palestina (vai ter mais em 2018, aguardem!) e conheci pessoas maravilhosas, como acontece todos os anos. Teve o primeiro congresso sobre direitos animais e humanos na Palestina, organizado pela PAL (Palestinian Animal League). Depois fui pra Paris e realizei um projeto novo: tours veganos gastronômicos na cidade luz. Foram dois grupos e a viagem, como era de se esperar, foi deliciosa. Logo depois vim pro Brasil e cá estou há um mês e meio. Continuar lendo “Sinal de vida e o segredo do quiabo sem baba”

“Estou disposto a fazer a minha parte”

O último tour político-ativista-vegano-feminista na Palestina aconteceu em março desse ano. Assim como durante o tour de fevereiro, vivemos momentos difíceis, chocantes e revoltantes. Também vivemos momentos cheios de emoção, onde a humanidade e força das pessoas que encontramos nos tocou profundamente. Pela quinta vez pude ver as pessoas que participaram da viagem passarem pelas mesmas etapas que eu passei quando cheguei pela primeira vez na Palestina, 10 anos atrás. Surpresa, indignação, lágrimas, revolta, impotência, dor. Sempre que acompanho um grupo nessa montanha russa de emoções chega um momento em que me pergunto por que faço isso com essas pessoas tão bacanas que vieram de tão longe pra estar ali comigo. Mas elas nunca deixam de me lembrar a razão que me fez decidir fazer esse trabalho. Eu tenho uma responsabilidade moral em divulgar a realidade cruel da colonização e ocupação militar israelense na Palestina. Elas estão ali porque decidiram mostrar solidariedade ao povo palestino e se juntar às pessoas que lutam por justiça, a condição primeira pra se obter paz.

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Guia Vegano São Francisco – parte II

A primeira parte foi sobre comida, a segunda será sobre todo o resto: passeios, parques, museus, LGBTs e um pequeno parênteses consumista.

Alugamos uma casa exatamente na interseção dos bairros Noe Valley, Castro e Mission e foi muito feliz, pois eles acabaram sendo os meus preferidos na cidade. Nessa área você praticamente só vê casas, as ruas são tranquilas e as pessoas parecem estarem todas de férias, tamanho o relaxamento delas.

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Guia Vegano São Francisco – parte I

 

No final de abril viajamos em lua de mel pela segunda vez. Dessa vez o destino foi São Francisco/EUA. A primeira lua de mel, anos atrás, foi na Irlanda e ainda sonho em voltar lá.

Anne sempre quis visitar São Francisco e apesar dos EUA nunca terem estado na minha lista de destinações sonhadas, SF era a única cidade de lá que me interessava. Ela sempre existiu na minha imaginação como um lugar alternativo, tolerante e totalmente diferente do resto do país. Minha irmã caçula, que morou dois anos nos EUA e visitou várias cidades lá, me falou que era exatamente isso. E o momento era perfeito. Anne já estava nos EUA, em uma turnê de um mês apresentando o último projeto dela sobre Gaza, Obliterated Families, e o final da turnê coincidia com o final do meu trabalho com os tours políticos/ativistas na Palestina. Decidimos então nos encontrar em SF, eu vindo da Palestina (com uma passagem por Paris) e ela de Seattle.

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Tour político-ativista-vegano-feminista na Palestina, 2017

O quarto e o quinto tour Papacapim na Palestina aconteceram em fevereiro e março. Mais uma experiência transformadora, pras pessoas que participam do tour e pra mim mesma. As participantes terminam o tour meio sequeladas ou, como disse meu amigo Rogério, “acordadas”! Reviver, de novo e de novo, a montanha russa de emoções provocadas pelas atividades do tour e explicar, de novo e de novo, a injustiça e violações dos direitos humanos cometidas pela ocupação israelense na Palestina é doloroso pra mim. Claro que a dor que sentimos não pode nunca, nem de longe, ser comparada à dor vivida pelo povo palestino, mas não deixa de ser uma vivência difícil pra nós. Planejar esses tours exige meses de trabalho, muitas horas respondendo emails e tirando dúvidas de pessoas interessadas em participar, semanas coordenando as atividades com as pessoas palestinas que nos guiam e participam da programação… No final das contas acompanhar os grupos durante 11 dias é a menor parte do trabalho, mas é a parte que provoca um esgotamento físico e emocional que me obriga a ficar de cama por alguns dias depois de cada tour.

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Guia Vegano Beirute

No início do ano passado fui morar em Beirute por três meses. Sempre tive vontade de visitar a cidade, conhecer as belezas do Líbano e provar a maravilhosa culinária libanesa na fonte. Aproveitei pra fazer um curso de Árabe escrito e foi uma experiência muito enriquecedora, em todos os sentidos. Já cheguei em Beirute decidida a fazer um Guia Vegano da cidade, pra compartilhar os tesouros gastronômicos que eu iria descobrir por lá. Levei um ano pra realizar o guia e hoje, pensando sobre o porquê disso, me dei conta que o fato de ainda não ter digerido completamente minha vivência em Beirute estava criando essa resistência. Quando me perguntam: “O que achou de Beirute?” nunca sei o que responder. A cidade é muito interessante, com lugares lindos e outros ainda carregados de cicatrizes da guerra civil, as pessoas são calorosas e simpáticas e a comida é a melhor parte de tudo, mas… Tem um “mas” gigante.

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Ainda dá tempo

Janeiro ainda não acabou e eu já dormi em dez camas diferentes esse mês. Dez! Mas é com muita felicidade que digo que essa décima cama será minha por três meses inteirinhos. Sei que parece pouco, mas quando você anda arrastando sua mala há mais de dois anos, três meses são suficientes pra te deixar feliz e sentindo que tem uma casa.

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Muitos convites

Semana passada fiz uma pausa (merecida) no trabalho e passei alguns dias na praia. Estou preparando um guia de sobrevivência pra veganas na praia, pois esse sempre foi, pra mim, um dos lugares mais difíceis de se alimentar com comida 100% vegetal. Mas antes de tirar esse post do forno passei aqui rapidinho pra compartilhar minha agenda nos próximos dias e convidar vocês pra fazer coisas bacanas comigo.

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19 de setembro

Primeiramente, fora Temer. O fato de não ter sido uma surpresa não quer dizer que o golpe parlamentar me deixou menos revoltada. Compartilho agora o sentimento das pessoas ao meu redor: meu luto é verbo.

Segundamente: ainda estou em Pindorama. Fico por aqui, me revoltando, cozinhando e comendo tapioca, até dezembro. Vim passar uma chuva grande dessa vez e vocês me acharão em Natal, mas também em Recife e João Pessoa. E se bobear apareço pelo Sudeste e pelo Distrito Federal também.

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Berlim

Algumas semanas atrás eu fui visitar Anne em Berlim, onde ela está morando atualmente. Eu estive na cidade alguns anos atrás, também durante o verão, e adorei. Até escrevi um Guia Vegano da cidade. As opções veganas aumentaram ainda mais desde a primeira vez que estive lá e o guia merece uma segunda parte. Berlim é sem dúvida a capital vegana da Europa. É incrível ver como veganismo é algo comum e bem aceito por lá. Comi em vários restaurantes veganos, mas também em restaurantes tradicionais, pois é comum ter opções veganas em praticamente todos os lugares. Você pode sair pra comer com suas amigas onívoras e ter a certeza que vão encontrar facilmente um lugar que vai deixar a barriga de todo mundo satisfeita.

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É assim que vou lembrar

Esse é o meu último mês em Beirute e já comecei a fazer listas do que quero fazer antes de ir embora. Três meses aqui é pouco pra penetrar nas camadas mais profundas da cidade. Tenho a impressão que até agora só consegui arranhar um pouquinho a superfície. Então decidi parar de tentar dar um sentido pra esse emaranhado de fios, culturas, contradições e desigualdades e vou passar as próximas semanas só admirando, absorvendo e gravando na memória cada momento e cada esquina. E aqui vão algumas imagens da cidade pra vocês verem um pouco do que estou vivendo. Não são fotos trabalhadas e fiz todas com o telefone (com excessão de duas fotos feitas por Anne), mas é assim que vou lembrar de Beirute.

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Tour Papacapim na Palestina – 2017

Eu disse que não teria outro, porém seguindo o ditado francês que diz que “só os idiotas não mudam de ideia” vim aqui anunciar oficialmente que vai ter mais um tour político-ativista-gastronômico-vegano na Palestina ano que vem. Na verdade dois. O primeiro acontecerá em fevereiro e o segundo em março. Dessa vez estou avisando com bastante antecedência porque muitas pessoas queriam participar dos tours em 2014 e 2015, mas não viram o anúncio a tempo e não conseguiram se juntar ao grupo. Dessa vez vocês têm um ano pra organizar a viagem (pedir férias, procurar as passagens mais baratas etc.).

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