Onde eu deveria estar

Faz um mês que cheguei em Paris. É estranho falar “cheguei” porque se trata de uma volta, mas ao mesmo tempo será que posso falar de volta quando deixei essa cidade 11 anos atrás?

Chegada/volta que foi estranha nos primeiros dias, principalmente porque eu estava vindo do Brasil e o choque de realidades é sempre grande. Mas bastou a primeira semana passar que já parecia que eu nunca tinha saído daqui.

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Vinagrete de coco

Cheguei em Paris no início de setembro, mas só agora, quase quatro semanas depois, pude desfazer a mala, me assentar e ter a sensação de ter, enfim, chegado. É uma longa história que contarei outro dia.

Estou vindo do Brasil, onde, pelo segundo ano consecutivo, fiquei três meses inteiros, combinando férias, visita à família e trabalho. E assim como em 2018, viajei bastante pelo Brasil, participei de eventos muito bacanas, encontrei pessoas incríveis e juntei forças com quem está articulando a revolução por lá. Também tenho muito o que contar sobre a passagem pelo Brasil esse ano, mas também vai ficar pra outro post. Hoje eu vim compartilhar mais uma receita que fez sucesso com a minha família durante as férias.

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Engrossar o fino, esfriar o quente e aumentar o pouco

Meus pais, nascidos e criados no Sertão potiguar, devem sua sobrevivência à farinha de mandioca. Um dia minha tia Luísa, irmã caçula do meu pai, me explicou que quando ela era criança a família guardava a farinha num baú. “Quando ele estava cheio, a gente sabia que tinha comida por pelo menos três meses.” Perguntei o que ela comia naquele tempo. “Cuscuz de manhã, com o milho que a gente moía, feijão macaça com farinha no almoço e à noite mais feijão com farinha, ou um pedaço de rapadura com farinha.” Minha mãe também me contou do pirão de óleo que fazia pro almoço das irmãs e irmãos, quando meus avós estavam no roçado e não tinha mais nada pra comer. A receita? Água fervente, um pouco de óleo, sal e a bendita farinha.

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O final de um ciclo

Aquela ideia extravagante que tive em 2014, que era pra ter sido um evento único, deu tão certo que acabou se repetindo por cinco anos. Nem acredito que já faz cinco anos que o projeto de tours político-ativista-vegano-feministas na Palestina nasceu e que pude viver essa aventura com dez grupos de brasileiras (no último até teve duas participantes da Austrália). 

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A libertação animal não será comprada

Precisamos falar sobre a cooptação do veganismo pelo capitalismo, ou, sobre o debate que parece ocupar o movimento vegano nesse momento: boicotar empresas que testam em animais ou boicotar somente produtos com ingredientes/testados em animais e apoiar qualquer produto vegetal, independente de quem os produziu?

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Por que o movimento vegano deve apoiar o MST – parte III

Preciso começar dizendo que recebi várias mensagens de pessoas que leram os posts anteriores e , ao começarem a entender a atuação do MST, passaram a ver o Movimento com outros olhos. Nem sei dizer o quanto isso conta pra mim. São essas mensagens que me fazem acreditar que é possível quebrar preconceitos e que o meu trabalho, apesar de no momento ser uma militância de sofá, é capaz de produzir uma mudança positiva na sociedade. Continuemos lutando de punho erguido.

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Por que o movimento vegano deve apoiar o MST – parte II

Depois de entender a formação do espaço agrário brasileiro e os problemas criados pelo latifúndio, nesse segundo post da série a conversa é sobre reforma agrária e a atuação do MST. Pela quantidade de comentários preconceituosos que escuto e leio por aí, a maioria das pessoas sabe pouco sobre reforma agrária e menos ainda sobre o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o MST. Quem são? Onde vivem? O que comem? Querem invadir sua casa de praia?

Mas pra entender a luta do MST é preciso saber o que significa Reforma Agrária e é por aqui que vamos começar.

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Por que o movimento vegano deve apoiar o MST – parte I

Faz 11 anos que me comprometi com a luta por libertação animal e foi mais ou menos na mesma época que a militância por direitos humanos entrou na minha vida. Esse compromisso se manifesta de várias maneiras, tanto na esfera digital quanto no mundo real.

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O lugar de vocês é aqui conosco

Pessoas da minha família que votam em Bolsonaro,

Em que momento vocês pararam de se ver como a classe trabalhadora, sempre esmagada pelos poderosos, e passaram a identificar seus opressores como salvadores da pátria? Quando vocês começaram a acreditar que quem votou a favor da PEC que congelou os investimentos na educação, saúde e segurança por vinte anos seria a mesma pessoa que traria mais educação, saúde e segurança pro povo? Como vocês foram confiar em alguém que se diz a favor da tortura e que escolheu como seu maior herói um dos piores torturadores durante a ditadura? Como foram acreditar que alguém que admitiu publicamente ter recebido propina e que está sendo acusado de aceitar milhões de reais de empresas pra espalhar notícias falsas pelo WhatsApp seria a resposta pra acabar com a corrupção?

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Tá puxado, mas trago bifinhos de batata doce e um anúncio

Poucos dias antes da eleição, não sei nem como começar esse post. Estamos com medo, muito medo, mas não podemos deixar o medo ditar em quem votaremos. Principalmente no primeiro turno, já que no segundo as chances de ter que votar em uma/um candidata/o que não escolhemos é muito maior. Eu sei que tá puxado, mas vamos parar por algumas horas, colocar Terral, de Ednardo, pra tocar (sempre me acalma) e fazer bifinhos de batata doce. Continuar lendo “Tá puxado, mas trago bifinhos de batata doce e um anúncio”

O bolo de laranja de Lu

Quando eu era adolescente minha irmã caçula, que tem dois anos e meio a menos que eu, começou a fazer bolo. Depois de alguns (poucos) bolos ruins, ela ficou craque na arte da confeitaria caseira e passou a ser a boleira oficial da família. Lu tem a mão boa pra bolo e sempre gostou de doces, então era uma atividade perfeita pra ela. Anos depois ela resolveu levar a paixão a sério, fez um curso de confeitaria em uma escola de gastronomia em Natal e passou a fazer sobremesas mais sofisticadas nas reuniões familiares.

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Sinal de vida e o segredo do quiabo sem baba

Nunca tinha ficado tanto tempo ser aparecer por aqui. Seis meses! Tanta coisa aconteceu desde o post sobre veganwashing em janeiro que nem sei por onde começar. Vou fazer um resumo dos últimos meses.

Saí de Berlim em fevereiro. Voltei pra Palestina. Tive o prazer de guiar mais dois grupos no tour político-vegano na Palestina (vai ter mais em 2018, aguardem!) e conheci pessoas maravilhosas, como acontece todos os anos. Teve o primeiro congresso sobre direitos animais e humanos na Palestina, organizado pela PAL (Palestinian Animal League). Depois fui pra Paris e realizei um projeto novo: tours veganos gastronômicos na cidade luz. Foram dois grupos e a viagem, como era de se esperar, foi deliciosa. Logo depois vim pro Brasil e cá estou há um mês e meio. Continuar lendo “Sinal de vida e o segredo do quiabo sem baba”

Você pode substituir direitos humanos por veganismo, por exemplo

Alguns meses atrás Tel Aviv foi palco do que foi chamada de “a maior marcha de direitos animais da História“. Acredita-se que Israel tenha a maior população vegana do mundo e o país é frequentemente descrito como “a capital vegana do mundo” e “a terra prometida dos veganos” . Minhas amigas israelenses me disseram que o movimento vegano começou, vários anos atrás, como parte integrante da luta por justiça e contra todos os tipos de opressão, incluindo a ocupação e a colonização israelense da Palestina. Muitas veganas israelenses ainda militam contra a ocupação, mas essa conexão não está presente no discurso vegano dominante, onde conciliar veganismo e sionismo não parece ser um problema. Então eu não fiquei surpresa quando um amigo palestino me contou que um amigo dele, um palestino de 48, se juntou à marcha, mas decidiu ir embora pouco depois por causa dos comentários racistas que os ativistas israelenses estavam fazendo. É importante mencionar que um grande número de palestinos de 48 (palestinos que não foram expulsos de suas terras pelas forças sionistas durante a criação de Israel em 1948, contrariamente ao que aconteceu com dois terços da população da Palestina histórica da época, e que vivem no que hoje é Israel) são veganos ou vegetarianos. Na verdade, de acordo com um artigo de 2015 publicado no jornal israelense Haaretz, enquanto 3% da população judia israelense é vegana e 7% é vegetariana, a comunidade palestina de 48 conta com 6% de vegana(o)s e 11% de vegetariana(o)s.

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A revolução será fermentada

Isso explica o silêncio por aqui. Estava fermentando a revolução. Faz uns meses que estou trabalhando em um projeto incrível (Cashewbert), criado por um rapaz muito bacana, Anderson, que acontece de ser brasileiro, ajudando a desenvolver queijos veganos que usam as técnicas e as bactérias da queijaria tradicional. As últimas semanas foram intensas, pois estávamos nos preparando pra abertura da primeira queijaria vegana de Berlim. Kojiterie abriu sexta passada e fica na Hohenstaufenstraße, 39 (Berlim). Por enquanto só funciona às sextas e sábados. Se dez anos atrás me dissessem que um dia existiriam queijarias veganas (já tem algumas mundo afora) e que eu faria queijos veganos em Berlim… eu provavelmente teria tido a mesma reação tive agora, uma mistura de encantamento com empolgação com esperança. O futuro é verde, meu povo (de planta e de mofo), e está ficando cada vez mais delicioso.

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A minha tentativa de descolonização do chutney

As ameixas estavam se estragando no cesto das frutas. Anne comprou dois quilos (promoção de fim de feira) e elas já chegaram em casa maduras demais. Expliquei que nunca daríamos conta de comer tudo a tempo, mesmo assim comemos todas as que pudemos nos dois dias que seguiram. Tem essas regras de economia doméstica, como “comprar uma quantidade grande de uma fruta que já está madura demais e que não pode ser congelada não é economia, mesmo se for uma promoção, porque vai se estragar antes que você possa comer tudo”, que quem não cozinha com frequência geralmente ignora. Eu compro banana madura demais (ou frutas vermelhas) pra congelar e colocar nas vitaminas, mas ainda não me animei pra colocar ameixa fresca na minha vitamina. Isso foi na terça e hoje, sexta, um terço das ameixas que não tinham sido devoradas estavam apodrecendo e eu precisava agir.

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Tour gastronômico vegano em Paris

Eu me tornei vegana dez anos atrás, em Paris. A cidade luz foi meu lar durante 6 anos, onde fiz toda a faculdade e um pedaço do mestrado (sou formada em Linguística). Não era fácil ser vegana por lá naquela época e pouca gente sabia o que a palavra significava. Mas minhas razões eram profundas e morar na terra do queijo e do croissant (com manteiga) não me impediu de alinhar as minhas escolhas alimentares com os meus valores, mesmo se o único lugar onde eu podia comer era na minha própria cozinha. Nunca eu imaginaria que dez anos depois o veganismo faria parte da paisagem gastronômica parisiense. Mas o que eu imaginava ainda menos era que um dia eu iria organizar tours gastronômicos na cidade que tanto torceu o nariz pro meu veganismo.

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Outubro

Não sei como isso aconteceu, mas estamos em outubro. A impressão que tenho é que eu vinha andando na rua em julho, topei, me levantei e era outubro. Estou convencida que o tempo em Berlim passa mais rápido do que no resto do mundo.

Finalmente tenho residência nessa cidade. Só por alguns meses, mas pra quem passou tantos meses pulando de um apartamento pra outro, parece uma pequena eternidade. No final das contas passei 4 meses procurando um apartamento…que vou alugar por 5 meses. Tudo bem, eu tenho outros planos a partir de fevereiro, longe de Berlim. Continuar lendo “Outubro”

Crepes de sarraceno

Umas semanas atrás escrevi esse post sobre sarraceno, uma das melhores descobertas gastronômicas que fiz na vida (obrigada, veganismo, por ter expandido tanto os meus horizontes gastronômicos) e prometi a receita dos meus famosos crepes de sarraceno. Vou começar dizendo que essa receita não foi uma invenção minha, longe disso. Crepe de sarraceno é um prato típico da Bretanha, região no Noroeste da França. Lá eles são chamados de “galettes au blé noir” (“galettes de trigo negro”, como o sarraceno também é conhecido em Francês) ou simplesmente “galettes Bretonnes”.

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Defendendo a Palestina: libertando o povo, a terra e os animais

Eu conheci Ahmad Safi, um dos fundadores da Palestinian Animal League (PAL – Liga Animal Palestina), em 2015. Sou uma grande admiradora do trabalho que a PAL, a primeira Organização de Proteção aos Animais atuando dentro dos Territórios Palestinos Ocupados, está fazendo e tinha vontade de entrevistar Ahmad desde então. No final de abril deste ano, finalmente marcamos uma data e nos encontramos na hora do almoço no Sudfeh, o primeiro restaurante vegano/vegetariano da Palestina, localizada na Universidade Al Quds, em Abu Dis.

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Como preparar pudim de chia

Percebi recentemente que pudim de chia pode ser uma decepção pra algumas pessoas, principalmente pessoas que cresceram no Brasil e que associam a palavra “pudim” com uma sobremesa ultra doce e gordurosa. Então deixa eu começar explicando que o “pudim” aqui faz referência à consistência dessa preparação, um creme levemente gelatinoso, não àquela sobremesa feita com leite condensado e ovos, tão apreciada pelo nosso povo. Uma coisa não podia estar mais longe da outra.

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