E se, na gramática, o genérico fosse feminino?

Sempre soube que a maioria das pessoas que acompanham o meu trabalho é mulher. Não tenho como saber exatamente quem é quem me lendo aqui no blog, mas no Instagram isso é possível e adivinha?  Menos de 15% das pessoas que acompanham o meu trabalho lá são homens. 

Naomi Mayer, cozinheira, cientista social e mestranda em antropologia, levantou uma questão importante essa semana no perfil dela no Instagram (Fome de Entender): homens têm dificuldade em aprender com mulheres. Quando perguntei às amigas que também produzem conteúdo informativo na internet, a resposta foi a mesma: o público delas é quase exclusivamente feminino.

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Perguntas frequentes sobre veganismo – parte II

No último post trouxe algumas das perguntas/afirmações que ando escutando com frequência de pessoas que comem animais e seus derivados. Agora chegou a hora de conversar com pessoas veganas ou que estão considerando o veganismo, mas ainda têm dúvidas.

“Não me sinto à vontade pra recusar carne em comunidades tradicionais.”

Chegar em territórios tradicionais pra veganizar pessoas cheira a colonialismo. A menos que você faça parte da comunidade em questão, não faça isso.

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Perguntas frequentes sobre veganismo

Interessante como as perguntas que mais escuto, quando alguém, no meio de uma conversa, descobre que sou vegana, foram evoluindo com o tempo. Hoje em dia raramente escuto coisas como: “Mas você não tem pena das plantas?” ou “O ser humano é carnívoro!”, embora ainda apareçam aqui e ali. Acredito que isso mostra como o movimento vegano cresceu e foi ganhando espaço nas discussões políticas. Mas ainda tem muitas ideia erradas relacionadas a ele. Pra ajudar a jogar luz em algumas questões cruciais dentro do movimento antiespecista comecei uma série de posts no meu perfil no Instagram respondendo algumas das perguntas e afirmações que mais escuto no momento. Aos poucos vou trazer esse conteúdo pra cá também, pois sei que muita gente que me lê aqui não usa o Instagram.

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Moqueca de caju

No baile das frutas, o pobre caju provavelmente ficaria sozinho num canto, sem receber convites pra dançar. Junto com a jaca, outra fruta impopular (talvez os dois dançassem juntos, inclusive, sob o olhar de desprezo de dona banana e seu morango, as mais populares do baile). Pouca gente gosta do bichinho. Mas quem gosta, gosta muito.

Eu faço parte das pessoas que gostam muito de caju e acho o perfume dele inebriante. A pouca popularidade do moço vem do fato do caju ter um sabor adstringente, provavelmente o menos apreciado de todos. O sabor adstringente é levemente amargo e, ao mesmo tempo, provoca uma sensação de ressecamento. O famoso “amarra a boca” que a gente sente quando come uma banana verde. Geralmente as pessoas sentem o adstringente do caju primeiro e já o rejeitam. Uma pena, pois depois que as papilas se acostumam com isso vem as outras notas, muito agradáveis.

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Bolo de maracujá

O bolo de laranja de Lu, minha irmã caçula e melhor boleira da família, tem fama internacional. Ele é maravilho, mesmo, mas há anos guardo em segredo a receita de um bolo ainda mais maravilhoso (pra mim!).

Um dia em não tinha laranja, mas tinha maracujá, e resolvemos arriscar. Confesso que não lembro se a ideia foi minha ou de Lu (ou das duas), mas o que importa é que o resultado ficou um espetáculo! Desde então começamos a fazer bolo de maracujá com frequência. Hoje confesso que além de achar esse bolo ainda mais saboroso, o fato do cultivo da laranja ser um dos campões no uso de agrotóxicos (não encontrarmos laranja orgânica por aqui) faz com que eu prefira fazer bolo de maracujá quando estou em Natal. 

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Hummus cubano

Durante essa temporada em Natal minha irmã Lu (a do melhor bolo de laranja do mundo) me apresentou uma receita da pasta de grão de bico com amendoim que passou a aparecer com muita frequência no meu café da manhã. Lu a chama de “hummus cubano”, pois aprendeu a fazer essa pasta em Cuba. Lá as pessoas contaram que como tahina (pasta de gergelim) é rara e cara, elas usam um ingrediente abundante na ilha: amendoim. Daquelas ideias geniais que fazem você pensar: “Por que eu não pensei nisso antes?” Obrigada, compas cubanas!⠀

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Bolo de carimã com goiabada

Conversando com a senhora que vende macaxeira na feira que frequento aqui em Natal, descobri que na padaria do bairro dela tinha bolo de carimã. Pedi a receita, mas ao invés disso ela disse que poderia conseguir a carimã com um senhor que também vendia macaxeira. Como eu tentei fazer carimã em casa e não tive sucesso, fiquei empolgada com a possibilidade de ter acesso a esse ingrediente tradicional. Se você não conhece, carimã, também conhecida como puba, é macaxeira (mandioca) fermentada. Dá pra fazer muitas coisas com ela e como eu trouxe 1kg pra casa pude testar panquecas (só a massa com sal, cozinha na frigideira) e mingau (me levou de volta pra infância, quando minha mãe fazia mingau de goma pra nós). Mas eu queria mesmo era o tal do bolo, que nunca tinha provado, mas imaginava ser uma iguaria. Veja, bolo de macaxeira é o meu preferido e como adoro comida fermentada, a união dessas duas coisas tinha tudo pra me seduzir. E ela não me decepcionou!

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Quando a “comida” de origem animal acabará no lixo, a vegana a come pra evitar desperdício?

Eu recebo muitas perguntas pelo Instagram e algumas semanas alguém me perguntou o que eu acho de pessoas veganas consumirem alimentos de origem animal que seriam desperdiçados. Ela citou o caso (hipotético) de uma vegana que trabalha em um restaurante não-vegano e que, no final de cada expediente, tem a possibilidade de levar as sobras do dia pra casa. Caso funcionárias não queiram levar a comida pra casa, ela irá pro lixo. E aí? Nesse caso eu comeria os restos de origem animal pra evitar desperdício? 

Primeiro vamos combinar que é uma pergunta bem específica. Quantas pessoas veganas estão nessa situação? Não cola dizer: “Eu não posso ser vegana porque vivem me dando animais e seus derivados e se eu não comer vai pro lixo.”

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Sobre leite de amêndoas, a morte de bilhões de abelhas e onde entra o veganismo nessa história

No início do ano uma pessoa que acompanha o meu trabalho no Intagram mandou uma pergunta que era mais ou menos assim: “Um amigo criticou o veganismo porque nos EUA as populações de abelha estão morrendo por causa do cultivo intensivo de amêndoas pra fazer leite vegano. É verdade? O que responder?”

Naquele momento eu fiz uma anotação mental pra tratar desse assunto e como recentemente saiu a terceira parte do vídeo que fiz com Ellen Monielle sobre ativismo de mercado e mencionei a situação das abelhas nesse contexto, achei que o momento era ideal pra aprofundar essa questão. 

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Como fazer cuscuz (com coco)

Aproveitando que estou no meu país, o Nordeste, vou compartilhar algumas receitas daqui. Começando com uma das mais simples, o café da manhã de todo dia aqui (pelo menos na parte do Nordeste onde me encontro): cuscuz.

É muito simples e rápido, mas muitas pessoas ignoram 2 coisas essenciais: hidratar o fubá antes de cozinhar e finalizar o cuscuz com um líquido quente e um pouco de gordura. Aqui vai o passo-a-passo.

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Ainda sobre ultraprocessados vegetais de grandes empresas: o veganismo está ganhando?

A terceira maior empresa produtora de leite animal na França acaba de lançar uma linha de leites vegetais. O veganismo está ganhando?

Fiz essa pergunta às pessoas que me acompanham no Instagram e o resultado foi o seguinte: 91% das pessoas responderam que não, 9%, que sim.

Essa empresa, que se chama Candia, faz parte do grupo Sodiaal, o número 3 na produção de leite de vaca na França e número 16 no mundo. São 4.7 bilhões de litros de leite de vaca comercializados por ano, de acordo com o site da empresa. Isso representa um número gigantesco de vacas exploradas pelo seu leite, cujos corpos serão vendidos como “carne” no final da vida, assim como os corpos de seus bezerros machos, um perverso “sub produto” da indústria que explora mamíferas pelo seu leite. Então pra ser uma “vitória pros animais”, o lançamento do leite vegetal da marca deveria diminuir o número de vacas exploradas e torturadas por Candia, certo? 

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Farofa de beterraba

Saí da quarentena (que na verdade era uma dezena) ontem, estado no qual tive que ser colocada depois de ter feito uma longa viagem de avião cruzando o Atlântico. E além de ter esperado os dez dias, só me senti segura pra ter contato com a minha família depois de ter feito um teste pra ter certeza que não estava com covid. Minha mãe é idosa e tem a saúde frágil, então precisamos levar o protocolo sanitário a sério.

E assim que fui liberada, corri pra cozinha.  Ontem fiz uma moqueca de caju que merece aparecer por aqui, mas antes de compartilhar essa receita vos ofereço uma ainda mais simples: farofa de beterraba. Depois que me reconciliei com a farofa, a argamassa da vitória (e da revolução proletária, pelo menos no Brasil), não perco uma oportunidade de preparar, comer e compartilhar esse prato. E essa aqui eu  aprendi com minha irmã Lu (a do bolo de laranja), que por sua vez conseguiu a receita com uma amiga.

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24 horas na periferia de Paris

Estou há alguns dias no Brasil, isolada do resto da família, enquanto respeito a quarentena necessária pra quem passou por três aeroportos em três países diferentes numa viagem de 24 horas. Mas antes de trazer os posts desse blog pra essa nova realidade, gostaria de descrever um dos meus últimos dias antes de viajar. Talvez você imagine que, por morar em Paris, meu cotidiano seja bem diferente de quando eu morava na Palestina e trabalhava em um campo de refugiados. A verdade é que posso ter mudado de país, mas o compromisso com a luta, principalmente com as pessoas refugiadas, migrantes e exiladas, não mudou. Isso é, pra mim, o internacionalismo nos dias de hoje. Pra entender melhor minha realidade de estrangeira do Sul global, morando na periferia de Paris, aqui está o relato de 24 horas na minha vida, da noite da última segunda à noite da última terça.

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O conceito de mistura

Uma das perguntas que escuto com mais frequência é: “Como substituir a carne?” Geralmente feita por pessoas que estão pensando em diminuir ou parar de comer animais, ela diz respeito ao aspecto nutricional da refeição. O que a pessoa está perguntando, na verdade, é: “O que preciso comer no lugar da carne pra ter acesso aos nutrientes que antes eu conseguia através dela?”

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“Quando penso em veganismo, penso em justiça”

Em julho eu contei que tinha voltado a entrevistar pessoas veganas, algo que comecei muitos anos atrás, aqui no blog. Mas dessa vez faço apenas três perguntas e entrevisto somente pessoas que não são brasileiras, pois o objetivo é mostrar que o veganismo lá fora segue forte como movimento político, apesar do veganismo liberal de ONGs e influenciadoras tentar nos convencer do contrário.

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Sobre racismo no movimento vegano

A história de hoje é sobre:
-racismo
-veganismo
-leis que dizem proteger animais, mas que na verdade buscam marginalizar ainda mais minorias sociais
-como um país idolatrado pela comunidade vegana por ser o lar da maior comunidade veg no mundo está abandonando o vegetarianismo
-como nesse mesmo país, que tem reputação de ser um templo de não-violência, uma parte da população está linchando uma minoria social em nome da “proteção das vacas”
-e o que isso tem a ver com todo o resto.

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23 de outubro

Pensei em fazer um breve apurado da minha vida no momento, como eu costumava fazer quando esse blog era uma mistura de caderno de receitas e diário de bordo. Era gostoso conversar por aqui, mas acabei afastando o conteúdo pessoal desse espaço porque, aos poucos, minhas leitoras e leitores forma migrando pro Instagram, outras chegaram por lá e nunca vieram pro blog. E, apesar de reclamar regularmente sobre isso, acabei seguindo o movimento e aparecendo mais por lá do que por aqui. Grande erro. Então vim anunciar a volta daquela que não foi.

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Por que pessoas deixam de ser veganas?

Há muitos anos me faço essa pergunta e depois de muita pesquisa e reflexão acabei descobrindo que a resposta é complexa.

Em 2014 o Human Research Council fez um estudo com ex vegetarianas/veganas (vou escrever “vegs”, pra encurtar) pra tentar entender por que pessoas abandonam o vegetarianismo/veganismo. O estudo foi encomendado pra tentar entender esse fato alarmante: 84% das pessoas que se tornaram vegs voltam a comer animais. É essencial entender as razões por trás disso se quisermos construir um movimento antiespecista eficaz. Foram 11 mil ex vegs entrevistadas e a lista de razões que as fizeram deixar de ser vegs é longa, mas as principais são de ordem social. A razão principal (apontada por 84% das entrevistadas) foi “não participar ativamente de grupos vegs”, seguido de “não gostar de ser visto como diferente por ter dieta veg” (63%), “não ver vegetarianismo/veganismo como parte da identidade” (58%) e “não ter interações suficientes com outras vegs” (49%).

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Tagine de berinjela

Por causa do covid não pude visitar minha família no Brasil esse ano. Então esse verão (europeu) eu passei umas semanas na casa do meu sogro, no interior da França, junto com o resto da família francesa. Nessas ocasiões cozinho bastante, pois minhas cunhadas adoram minha comida. Os homens também gostam, mas as mulheres são as minhas maiores fãs (eu ouvi “A política sexual da carne”?). As irmãs de Anne (ambas vegetarianas) gostam de tudo que eu faço, mas minha cuncunhada alemã (que come animais, mas prefere, de longe, comer vegetais) tem seus pratos preferidos e espera o ano inteiro pra poder degustá-los. E a minha especialidade que ela mais ama e sempre pede pra eu fazer de novo é tagine.

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Sobre o papel da exploração animal no colonialismo

O historiador estadunidense Howard Zinn, que era próximo do anarquismo, disse “O caçador conta a história. Teríamos uma versão completamente diferente se ela fosse contada pelo coelho.” Zinn, que não era antiespecista, usou essa analogia pra falar que a História com H maiúsculo é contada pelos dominantes e não pelas pessoas dominadas, mas eu quero usar a frase dele no sentido literal, mesmo. E se a História fosse contada pelos animais não-humanos?

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