Um dia…

Crackers de linhaça e aveia

Alguns dias atrás vi a lista dos 50 melhores restaurantes do mundo desse ano e fiquei muito feliz em descobrir que o paulista D.O.M. ficou em sétimo lugar (eles eram o número 18 ano passado). Se você ficou curioso pra saber quem é o número 1, a resposta é Noma, em Copenhague (lista completa aqui). Eu admiro muito o trabalho do chef Alex Atala, criador do D.O.M. Ele foi buscar inspiração na Amazônia, incorporou produtos tipicamente brasileiros, como palmito pupunha, baru, jambu, tucupi e até priprioca, nos seus pratos e sua culinária 100% tupiniquim não só provou ao mundo, e aos brasileiros, que sim, temos uma identidade gastronômica própria e digna de interesse, mas também criou um movimento de valorização dos produtos da terra que foi seguido por vários outros chefs. Só não gosto mais de Atala porque alguns anos atrás li na revista Trip uma declaração dele que me deixou chocadíssima. Ao falar do impacto da nossa alimentação na crise climática, ele disse algo como “E vegetarianismo não é a solução, já que o cultivo da soja está destruindo a Amazônia”. Eu já ouvi esse disparate da boca de algumas pessoas que nunca colocaram o pé no Brasil, mas não esperava essa ignorância de alguém que conhece a Amazônia tão bem e trabalha diretamente com nativos da região. Mas torço pra que ele tenha descoberto que a soja da Amazônia serve pra alimentar o gado que vai virar bife pro onívoro, não pra fazer tofu pro vegetariano e não pude deixar de ficar feliz pelo D.O.M. fazer parte dos sete melhores restaurantes do mundo e ter recebido o prêmio de “Melhor Restaurante da América do Sul”.

Com isso fiquei matutando… Não seria maravilhoso ter um restaurante vegano entre os 50 melhores? Hoje todos os restaurantes da lista são ultra carnívoros e infelizmente o pessoal da alta gastronomia ainda tem muito preconceito com a culinária vegetal e olha pra nossa comida com um certo desprezo. A verdade é que os onívoros (chefs ou não) não sabem o que os vegetarianos comem, como prova o comentário de Atala (tanta gente acha que só comemos soja…). Porém a cozinha vegana não é “limitada”, “cheia de restrições” e “sem variedade” como eles imaginam. Muito pelo contrário. Acho que nossa força está exatamente no que é classificado à primeira vista como limitação: ao recusar os produtos de origem animal, que representavam uma grande parte da nossa dieta, somos obrigados a expandir nossa gama de alimentos, descobrindo novos ingredientes e novas maneiras de cozinhar. Tem um provérbio que diz “A necessidade é a mãe da criatividade” e isso não poderia ser mais verdade no caso da cozinha vegana. Eu vivo dizendo aqui no blog que ter virado vegana foi como ter descoberto um mundo novo. Quando converso com onívoros sobre o que como no dia a dia percebo que eles não conhecem boa parte dos alimentos que fazem parte da minha dieta hoje. Tenho certeza que a culinária vegana de qualidade preenche todos os requisitos pra entrar no Olimpo da gastronomia, basta usar ingredientes autênticos e de qualidade e deixar a criatividade fluir (e esquecer essa pseudo comida que é a proteína de soja).

antes de ir pro forno

Esses crackers de linhaça e aveia podem não fazer parte do menu gourmet do restaurante vegano (por enquanto imaginário) que entrará na lista dos 50 melhores, mas é mais um exemplo da criatividade da comida vegana. Eu roubei a idéia dos crudívoros, que adoram crackers de linhaça desidratados. Se meu super desidratador estivesse aqui na minha cozinha, e não lá em Natal juntando poeira, eu teria feito uma versão totalmente crua mas, a necessidade sendo a mãe da criatividade, adaptei a receita. A base não poderia ser mais simples: água, semente de linhaça e sal. Quando você mistura linhaça com água ela ganha uma conscistência gelatinosa, que lembra bastante clara de ovo cru. Tentei desidratar os crackers no sol, sem sucesso (as formigas atacaram eles), depois resolvi tentar o forno. Dessa vez deu certo, mas achei que podia incrementar mais a receita. Por mais estranho que isso possa parecer, acho que linhaça assada fica com gosto de peixe, mais precisamente sardinha. Pensei que era coisa da minha cabeça, talvez meu paladar estivesse sendo influenciado pelo fato de linhaça ter bastante omega 3, assim como peixe, mas Anne achou a mesma coisa. Passei a juntar outros ingredientes à mistura de linhaça e água e a coisa ficou bem mais interessante. Há tempos procurava uma maneira de usar a polpa de amêndoas que sobra quando faço leite. Faço leite de amêndoas duas, três vezes por semana e me sentia culpada por jogar o bagaço fora. Sei que poucas pessoas fazem leite de amêndoas em casa, por isso testei uma versão só com linhaça e aveia e o resultado também ficou ótimo. Mas das três versões que fiz (linhaça+polpa de amêndoas, linhaça+aveia, linhaça+polpa de amêndoas+aveia), a receita que segue é a minha preferida. Adoro o sabor da aveia no cracker e ao mesmo tempo não desperdiço a polpa das amêndoas.

Esses crackers podem não ser lá muito sofisticados, mas são riquíssimos em fibras, omega 3 e 6 e, o melhor de tudo, são deliciosos. Tão deliciosos que Anne fica inventando desculpas pra ir na cozinha só pra abrir o pote de crackers e roubar um. Se você gosta de beliscar, de mastigar coisas crocantes e salgadas entre as refeições, ou se quer uma alternativa vegana e saudável aos terríveis salgadinhos, bolachinhas e chips do lanche esses crackers vão mudar a sua vida. Lembrei que nos restaurantes bacanas sempre te dão umas coisinhas secas pra você mordiscar (pãozinho, grissini, torradinha) enquanto espera o prato chegar. Um dia a culinária vegana entrará no firmamento gastronômico e enquanto espero mordisco meus crackres de linhaça (tão mais nutritivos e gostosos que as torridinhas refinadas).

Crackers de linhaça e aveia

Considere minha receita com uma base e acrescente diferentes ingredientes pra criar sabores novos. Eu gosto de colocar sementes nos meus crackers (mais sabor e nutrientes) mas nada te impede de fazer uma versão com alho ou cebola em pó, ervas desidratadas, páprica, tomates secos ou o que mais sua imaginação mandar.Acho esse crackers tão bons que como puro, mas eles ficam ainda mais deliciosos acompanhados de algum patê vegetal ou, meu acompanhamento preferido, queijo de castanha. Se preferir usar só aveia, confira as instruções no final da receita.

3/4x de farinha de aveia (eu trituro aveia em flocos grossos até virar farinha)

1x de polpa de amêndoas (o bagaço úmido que fica no pano depois de coar o leite de amêndoas caseiro)

4cs bem cheias de linhaça moída

1/2cc de sal (ou a gosto)

1x de água

sementes (usei papoula, girassol e gergelim), opcional

azeite pra untar

Misture bem todos os ingredientes, menos as sementes, e deixe repousar 5 minutos. A linhaça vai absorver a água e dar liga à mistura. A massa deve ficar úmida, bem unida e despregar facilmente da vasília. Unte uma placa (dessas de assar biscoitos) com um pouco de azeite, coloque a bola de massa no centro e use as mãos pra achatar a mistura, espalhando sobre a placa. Termime com uma espátula de silicone, alisando a massa com um pouco de pressão pra criar uma camada uniforme. Não espalho a massa até encontrar as bordas, deixo 0,5cm livre ao redor da placa pois notei que os crackes sempre ficam mais queimados nessa parte. Polvilhe com um pouco de sementes, se quiser, e use a espátula pra cortar a massa em quadrados do tamanho que preferir (assim, depois de assados, os crackers vão se separar facilmente). Uso uma placa de aproximadamente 22cmx34cm, que é ideal pra essa quantidade de massa, e corto a massa em 12 quadrados. Asse em forno baixo até os crackers ficarem firmes, crocantes e dourados. No meu forno, que não é muito quente, levou uma hora, mas verifique o cozimente com frequência pois os crackers passam de dourados a queimados em poucos minutos. Deixe esfriar na placa e guarde em um recipiente fechado. Meus crackers continuaram crocantes até o terceiro dia. Talvez eles se conservem mais tempo, mas eles desaparecem rápido aqui em casa e nunca pude verificar. Rende 12 crackers.

*Pra fazer uma versão só com aveia, use 5cs de linhaça moída, 1 3/4x de farinha de aveia e entre 1 1/3x e 1 1/2x de água e a mesma quantidade de sal. Siga as instruções da receita acima.

32 comentários em “Um dia…

  1. Outro dia eu vi um roda viva com Alex Atala. Foi muito bom, lá fiquei sabendo que o D.O.M. tinha bombado mundialmente.
    Aos crackers: Colega, gostei porque parce ser muuuito fácil e gostoso. Dúvida: Pra render uma xíc de polpa de amêndoas, quanto daquela sua receita de leite precisa fazer?
    Curiosidade: Eu não sabia que existia semente de abóbora descascada. O Jr malhou de mim porque eu usei as bichinhas com casca no nosso pão e depois tinha que ficar cuspindo os pedaços. Ai, como eu sofro! 🙂

    1. Tadinha da minha colega! Ficou cuspindo casquinha de semente de abobora, que nem os passarinhos… Mas o pão ficou bom? A xicara de polpa é exatamente o que sobre quando faço uma receita de leite de amêndoas.

  2. Oi Sandra. Oi Mona.
    Eu também assisti ao programa roda viva com o Alex Atala e foi interessante mesmo. Ele parece reocupado em valorizar os produtos da terra brasileira e isso é muito legal.
    O problema foi quando ele quis montar um menu que se chamava “Menu Reino Vegetal”. Tinha caldo a base de vitela, gelatina…
    A Renata foi que desmascarou, veja no comentário n24.
    http://colunistas.ig.com.br/comidinhas/2009/09/02/teste-drive-do-menu-vegetariano-de-alex-atala/comment-page-2/#comments
    Morei no interior de Minas Gerais durante um tempo e o sol era muito forte, sempre que possível eu fazia os biscoitos. Abria a massa em tabuleiros de fazer broa, cobria com voal e deixava em cima de umas pedras. Era delicioso! E lindo de se ver, um forno a céu aberto movido com a melhor energia!

    1. Acabo de ver o tal menu vegetariano (obrigada pelo link) e em teoria achei a iniciativa louvavel, com diz meu pai. Um menu degustação-gastronomico-molecular totalmente veg no melhor restaurante da América do Sul, e um dos sete melhores do mundo? Lindo! Pena que parece que na pratica o chef cometeu algumas gafes imperdoaveis. Alguém descobriu se os pratos eram realmente vegetais? Mas como Renata falou, antes de jogar pedras no rapaz é preciso saber se a intenção dele era realmente oferecer alta gastronomia aos vegetarianos ou simplesmente propor um menu (aos onivoros) onde os vegetais têm o papel principal. Nesse caso a iniciativa é bem menos louvavel…

      1. Não sei lhe responder as perguntas Sandra, mas tem uma passagem em um de seus principais livros que é interessante, http://fernandarengel.blogspot.com/2011/01/vegetarianismo-por-alex-atala.html

        o progrma roda viva pode ser assistido aqui, http://www.tvcultura.com.br/rodaviva/programa/1254

        Quem sabe um dia o Alex não veja o real potencial geográfico de produção e variedade de alimentos no Brasil e junte isso com o apetite insaciável por mudanças no tratamento da nossa ecologia mundial e conceda mais espaço para a comida vegana?

  3. Colega Xambra, eu fiz!!! Muito fácil e mt gostoso… Perdi metade porque queimou mas o que salvou ficou delícia. Fiz sabor alho pq eu amo e o Jr tava viajando portanto não precisava me preocupar com bafo. 😀
    esse findi vou fazer leite de amêndoa de novo – Só assim eu como aveia no café e viro uma pessoa super saudável, e em consequência… os crackers sem ser na versão Pelé.
    Bjs e obrigada sempre!

    1. Que mara, colega Mona! Sempre fico muito feliz quando você gosta de uma das minhas receitas. Mas que pena que seu pão não deu certo. Não desista, pratique mais até dar certo pois ter um pãozinho quentinho e super saboroso compensa os esforços. Esse pão que faço não é leve e aerado, ele é bem denso e umido, mesmo. Mas dai a ficar parecido com pé de moleque… O que sera que deu errado?

  4. Eu fiz, mas ficaram tão feinhos! Tipo, não ficou homogêneo, mesmo depois de assado dá pra enxergar exatamente quais são os ingredientes do bichinho. Mas de gosto ficou bom, viu?
    Acho que pq minha “polpa” de amêndoas tava muito molhada (aí descobri que despediçava leite).
    Mas essa foi só a primeira vez, vamos ver nas próximas, né? 🙂

    1. Cilene, se não ficou homogêneo (se você via pedacinhos dos ingredientes inteiros) deve ser porque você não triturou tudo até virar farinha. Dependendo da potência do liquidificador as amêndoas não viram “po”, so ficam quebradinhas. O mesmo pode ter acontecido com a aveia. So vejo essa explicação. Quanto a polpa estar molhada, isso não faria os ingredientes se separaram. Da proxima vez ajuste o liquido da receita de acordo com a umidade da polpa. Se o problema for realmente as amêndoas, tente uma versão so com linhaça e farinha de aveia (aumente a quantidade da linhaça). Ja fiz algumas vezes e também fica muito bom. Boa sorte.

  5. Eu fiz com medidas um pouco diferentes (1 xíc. de aveia e 5 col. de linhaça) e ficaram bons, mas poderia ter colocado pouco mais de sal. A linhaça e a aveia são bem neutras com relação ao sabor, tu achas que posso fazer uma versão doce dos biscoitos? Por exemplo, trocar o sal por açúcar marcavo e adicionar passas na mistura… E, no caso, fazer com a polpa de amêndoas, que só não usei porque já tinha usado as do meu leite.
    Já aproveito pra dizer que o teu blog é maravilhoso! 🙂

    1. Nunca testei uma versão doce, Luísa… Acho linhaça com um leve gostinho de peixe (será que o responsável é o ômega 3?), por isso nunca me aventurei com uma versão doce dos crackers. Mas se tentar me diga como ficou.

  6. Oi Sandra,

    Hoje fiz meu primeiro leite de amêndoas (amanhã minha papa de aveia será com ele) e como boa aluna que sou não desperdicei o bagaço, fiz crackers. Como eu não tinha linhaça em casa, usei chia no lugar. Ficaram bons, não vou dizer deliciosos, pois tenho paladar caipira, treinado nos sabores e texturas da culinária goiano/mineira, mas achei bem saborosos e, o melhor, sinto sempre uma alegria genuína quando degusto um alimento nutritivo e feito pelas minhas mãos. Ah, o sabor de peixe deve ser do ômega 3 mesmo, pois na versão com chia ele está presente também. Continuo em lua de mel com seu blog e já andei testando algumas receitas, fiz o pão de centeio sem centeio, rsrsrs…esqueci que ontem era feriado e não comprei a farinha na sexta-feira. Como a esponja de fermento já estava pronta, fiz só com farinha integral e aveia. Na falta de forma com tampa, improvisei com papel alumínio grosso. Não é que ficou bom? Uns ajustes aqui e ali e na próxima vez (com centeio) acho que ficará muito bom.

    Obrigada por dividir conosco suas experiências de vida e suas receitas.

    Com carinho,
    Sandra

    1. Nunca tentei fazer os crackers com chia, mas pelo que andei lendo a textura fica menos crocante do que com a linhaça. Que bom que o seu pão sem centeio ficou gostoso (e que seu sistema de cozimento com papel alumínio deu certo). Acho a aveia dormida com leite de amêndoas uma delícia e espero que você goste tanto quanto eu.

  7. Incríveis, Sandra!
    Fiz agora, acabaram de sair do forno e não consigo parar de comê-las!
    Fiz apenas uma pequena alteração: a massa ficou muito úmida (pois não tinha linhaça moída e acrescentei inteiras e bati com o mixer) e coloquei um pouco de farinha de trigo integral, cerca de 1/2 x.
    No fim, ficaram ótima, crocantes, salgadinhas e com bastante sementes!
    Beijo

  8. gente, tenho que dizer que nunca segui tão bem uma receita, aliás, 4 ou 5, já perdi a conta!
    fizemos os crackers como janta hoje (é, comemos tudo de uma vez em 2 pessoas), a única modificação foi colocar a aveia inteira em vez de tritura-la antes. ficou ótimo também!
    comemos com hummus, geleia, frutas… hum….

  9. Hum… Já fizemos várias vezes, variando o bagaço que vem de fazer leites, sempre delicioso!
    E fica ainda melhor se espremermos um pouco de limão por cima antes de assar. Perfeito!

  10. Fiz com o resíduo do leite de castanha do pará ao invés de amêndoas e em cima só coloquei gergelim. O mínimo do meu forno é 200º mas fiquei de olho o tempo todo então só queimou um pouco as bordinhas. Revendo as fotos do seu percebi que fiz o meu muito fino, mesmo assim ficou muito bom (e bem crocante)! A princípio um estranhei um pouco a ideia de um cracker com sabor de peixe, o sabor realmente lembra peixe, mas só lembra e não é um ponto negativo: tá aprovado! Adoro alho, da próxima vez vou tentar fazer a versão da Mona com ele, e quem sabe também testar com limão… xD

    Hasta luego/

  11. Fiz e ficou uma deliiiiicia!! Botei manjericão seco e sementes de girassol, comi alguns puros e com uma pasta de abacate, azeite, sal, limão e salsinha. Muito grata por vc compartilhar essa receitinha tãaaaao gostosa. Simplesmente amei!!!

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