Vegano na estrada

Como respeitar seu veganismo nas viagens sem passar fome

Ouvi (e li) várias pessoas dizerem que é muito difícil, ou praticamente impossível, ter uma alimentação vegana durante as viagens. Embora eu seja a primeira a reconhecer que é muito mais fácil ser vegana aqui em casa do que durante minhas andanças mundo afora, tenho a firme convicção que com um pouco de planejamento, conhecimento sobre a culinária do local a ser visitado e flexibilidade, ninguém precisa sacrificar seus principios durante as férias. Faz quatro anos que me tornei vegana e durante esse tempo viajei bastante, passei por países bem diferentes, usei vários meios de transporte (avião, trem, ônibus, carro) e de hospedagem (hotel, casa alugada, apartamento de amigos e familiares…). Por ter acumulado uma certa experiência no assunto, posso dar alguns conselhos baseados no que aprendi durante minhas aventuras.

Estudar menus é uma das minhas atividades preferidas.

Antes de partir

• Se informe sobre a culinária do lugar a ser visitado. Esse foi um hábito que adquiri muito antes de me tornar vegana. Descobrir os pratos e ingredientes típicos da região, ou do país, é pra mim tão excitante quando descobrir novas paisagens. Mas hoje faço essas pesquisas com um objetivo suplementar: verificar quais pratos são naturalmente veganos, qual ingrediente pode ser retirado de tal ou tal prato pra que ele se torne vegano, de quais pratos devo manter distância… Fica bem mais fácil comer em restaurantes quando você sabe o que esperar da cozinha.

Dica: a internet ou guias de viagem são seus melhores amigos nessa tarefa. Se tiver amigos que já visitaram o lugar, pergunte o que eles recomendam em materia de comida.

• Descubra se existe restaurantes vegetarianos/veganos na região. Entre provar uma especialidade local que talvez eu nunca tenha a oportunidade de comer novamente e almoçar um burguer vegano, eu escolho a primeira opção sem hesitar um segundo. Mas o que fazer quando os pratos típicos estão longe de ser “veg friendly”? É sempre bom saber que podemos contar com pelo menos uma opção veg, mesmo se for algo pouco excitante. E dependendo da cidade, você poderá até descobrir restaurantes veganos “gourmets” que realmente valem a pena ser visitados.

Dica: o site “Happy Cow” tem listas de restaurantes vegetarianos e veganos em várias cidades do mundo. Sempre consulto esse site antes de viajar. O melhor é que as pessoas deixam comentários dizendo se gostaram ou não do lugar, quais pratos recomendam (em Inglês, mas se você não dominar essa língua peça ajuda a “google translate”)…

• Se for viajar de avião, peça uma refeição vegana a bordo. Na hora de comprar a passagem (o que sempre faço pela internet), escolho a opção “refeição vegana” (ou vegetariana, se for a única coisa disponível). Se não comprar as passagens pela internet, peça pro seu agente de viagens contactar a companhia e reservar uma refeição veg, ou então faça isso você mesmo (procure o número na internet). Se o vôo for curto isso não vai fazer muita diferença, mas quando a viagem é longa seu estômago vazio vai te agradecer. Não sei como a coisa funciona no Brasil, mas todas as companhias aéreas com quem voei na Europa ofereciam refeições veganas, com a condição de reservar alguns dias antes da viagem.

Dica: na pior das hipóteses, se não foi possível pedir uma refeição vegana antes de embarcar, você ainda pode reservar comida veg pra volta. É só falar diretamente com a/o atendente na hora do check-in (quando isso não pode ser feito durante o check-in o funcionário pede pra você ir ao balcão de atendimento da companhia no aeroporto).

Almoço no trem: sanduiche com patê vegetal, os restos do jantar da véspera, tomate cereja e biscoito de muesli e chocolate.

No dia da viagem

• Faça uma refeição nutritiva antes da partida. Eu acho importante começar as férias com o pé direito e chegar no aeroporto/rodoviária/ferroviária bem alimentada. A comida nesses lugares é geralmente cara e ruim (e raramente vegana), então sair de casa com a barriga vazia é uma péssima idéia. Além disso, se não foi possível pedir uma refeição vegana a bordo (ou se a comida não agradar), você sofrerá menos com a fome. Coma algo nutritivo, mas fácil de digerir e que te deixe alimentado(a) por várias horas. Um cereal completo (macarrão ou arroz integral, trigo em grãos, quinoa) com legumes é ideal.

Dica: minha refeição pré-viagem preferida é salada de macarrão integral com legumes grelhados (abobrinha italiana, beringela, pimentão vermelho e cebola), tomates e magericão fresco, temperada com azeite e vinagre balsâmico. Ela alimenta sem pesar no estômago, é simples de preparar e fica ainda mais gostosa fria. Pra evitar de comer na correria, coloco tudo em um recipiente plástico e como no aeroporto, antes da fazer o check-in.

• Prepare lanchinhos fáceis de transportar. Quando viajo de avião sempre coloco uma maçã, alguns crackers de linhaça (ou bolacha integral salgada), uma mistura de frutas secas (passas, tâmaras) e oleaginosas (amêndoas, castanhas) e as vezes um pedacinho de chocolate amargo na bolsa. É sempre bom estar preparada pras esperas nos aeroportos (já tentou achar comida vegana em aeroportos? É uma missão impossível!), as longas horas de vôo e a viagem entre o aeroporto e o lugar onde ficarei hospedada.

Dica: escolha lanches nutritivos (esqueça os salgadinhos e bolachas recheadas que além de ruim pra saúde não vão matar sua fome), fáceis de transportar (frutas delicadas viram purê na bolsa) e de comer (que não precisem de talheres nem pratos) e lembre-se que líquidos são proibidos na avião (pelo menos na Europa).

• Prepare um sanduíche pra estrada. Se a viagem for de trem, ônibus ou carro e durar algumas horas, gosto de preparar uma refeição “portátil” e nada mais prático que um sanduíche. Complemento com um suco (já que líquidos são permitidos aqui), um legume cru (tomate cereja, pepino ou cenoura cortado em palitos) e uma fruta de sobremesa. Assim eu não chego faminta na minha destinação final e, ao invés de comer a primeira besteira que encontrar, posso escolher/preparar com calma a próxima refeição.

Sugestão: pão integral com um patê vegetal (como hummus) e/ou legumes grelhados (abobrinha e beringelas são ótimas em sanduíches), tomates (corto em quato e coloco em um recipicente de plástico, assim não preciso de faca pra comer), suco de laranja e uma maçã formam uma super refeição.

Durante a viagem

• Cozinhe no local onde estiver hospedado. Essa dica só é válida se você tiver uma cozinha à sua disposição, claro. Quando me hospedo na casa de parentes ou amigos, ou alugo uma casa pras férias, preparo a maioria das minhas refeições no local onde eu estiver. É a garantia de comer bem e economizar dinheiro. Alguns albergues colocam a cozinha à disposição dos hóspedes, então se informe antes de fazer a reserva. Mas tente não limitar suas refeições a macarrão com molho de tomate, por mais prático que seja. Procure produtos típicos nos supermercados e feiras, descubra novos sabores e divirta-se experimentando coisas novas.

Dica: sempre coloco uma sacola de tecido na mala pra transportar as compras e evitar os terríveis sacos plásticos nos supermercados. Se estiver viajando de carro e for alugar uma casa, eu levo pequenas quantidades de sal, pimenta do reino, azeite e café instantâneo. Esses são ingredientes indispensáveis e assim evito de comprar uma quantidade grande de cada um, quando na realidade só preciso do suficiente pra cozinhar durante alguns dias.

Piquenique em Bergen, Noruega.

• Faça piqueniques. Mesmo se você não tiver uma cozinha à sua disposição, é sempre possível preparar piqueniques com ingredientes comprados nos supermercados. Com um bom pão, uma pastinha vegetal (se você tiver a sorte de encontrar uma), azeitonas, tomates secos ou frescos, sucos, frutas e iogurtes de soja você compõe um delicioso piquenique que pode ser degustado entre uma visita e outra (em uma praça, parque, jardim…). Nada mais econômico e prático e assim você terá a certeza de estar comendo algo vegano. Se você estiver passeando pela Europa, saiba que muitos supermercados por lá vendem saladas prontas e as vezes até sanduíches vegetais.

Dica: se você tiver um canivete suíço, esse é o melhor momento pra utilizá-lo (cortar legumes, descascar frutas, abrir garrafas…). A sacola de tecido, mais uma vez, quebra um galhão na hora de transportar o piquenique. E não esqueça de levar guardanapos, ou lenços de papel, na bolsa.

• Carregue lanchinhos na bolsa. Além de aliviar o estômago no dia da partida, esses lanches são uma necessidade durante toda a viagem. Frutas, bolachas salgadas, barrinhas de cereais, castanhas, etc, preenchem o vazio entre uma refeição e outra, dão energia pra explorar a cidade e ainda podem servir de refeição de emergência caso nenhuma comida vegana esteja disponível. Assim que chego no local onde ficarei hospedada pergunto pelos supermercados e mercearias do bairro pra fazer meu estoque de lanches.

Dica: levar um recipiente de plástico de casa (no meu caso o que serviu pra transportar meu almoço ao aeroporto) é super prático na hora de carregar frutas delicadas, como uvas, morangos, ameixas frescas, que amassariam se fossem colocadas diretamente na bolsa.

Delicioso prato de legumes, macarrão asiático e tofu em um restaurante tailandês (Paris).

• Coma em restaurantes étnicos. Sei que comer yakisoba em Paris está longe de ser uma experiência autêntica, mas o que fazer quando a culinária local é composta exclusivamente de produtos de origem animal e não existe restaurantes vegs na cidade? Nesse caso os restaurantes étnicos são a salvação. Nas grandes cidades sempre tem pelo menos alguns restaurantes chineses, indianos, tailandeses e mexicanos (os mais “veg friendly”), muitas vezes mais baratos do que os restaurantes de cozinha local (isso, infelizmente, só é válido na Europa). Nesses lugares é sempre possível encontrar opções vegs.

Dica: peça arroz ou yakisoba com legumes nos restaurantes chineses (alguns oferecem tofu), curry de legumes e pão naan nos indianos, legumes salteados com tofu (acompanhados de arroz ou macarrão) nos tailandeses e burritos de feijão e legumes (com salsa e guacamole, não esqueça de pedir sem queijo) nos mexicanos.

•  Escolha restaurantes self-services.  No Brasil, onde restaurantes étnicos são mais caros e em alguns lugares inexistentes, os restaurantes do tipo self-service são a melhor opção pros veganos. Eles sempre oferecem legumes cozidos, saladas e arroz e com um pouco de sorte até um feijãozinho vegano. Os pratos oferecidos nem sempre são deliciosos, mas pelo menos você não volta pro hotel de barriga vazia.

Dica: esqueça a batata frita e o refrigerante e tente compor uma refeição equilibrada. Prefira cereais integrais, legumes refogados, feijão e muita salada crua. Durante viagens você precisa de “combustível” de qualidade pra continuar os passeios e seria uma pena se sentir mal (ou adoecer) durante as férias.

Opções veganas desse buffet: três sopas, uma salada de lentilhas e legumes gratinados.

• Em restaurantes convencionais seja específico, flexível e paciente. Na maioria das vezes como em restaurantes tradicionais, porque são as únicas opções disponíveis ou então porque vou jantar com amigos onívoros. Nesse caso nem pense em perguntar ao garçon “Tem algum prato vegano aqui?”, pois você tem 99,99% de chances que ninguém no restaurante saiba o que “vegano” quer dizer. Dê uma olhada no cardápio, veja quais pratos são quase veganos e pergunte ao garçon se você pode pedi-los sem o ingrediente de origem animal. Ex: “Posso pedir o macarrão com legumes sem queijo?”. Se tiver dúvidas sobre os ingredientes, pergunte como eles fazem tal ou tal prato (“Vocês usam caldo de carne ou frango na sopa?”). Ser específico (“Tem ovo?”, “Tem manteiga?”, “Tem creme?”) é melhor do que esperar que a pessoa saiba o que quer dizer veganismo. Tento ser o mais paciente e educada possível pois: 1-ninguém tem obrigação de saber o que um vegano come; 2- assim tenho mais chances de conquistar a simpatia do garçon e ele se esforçará mais pra convencer o chef a preparar algo vegano pra mim.

Dica: flexibilidade é indispensável quando comemos em restaurantes tradicionais. Se o chef se recusar a fazer um risotto sem caldo de carne, sem manteiga e sem parmesão especialmente pra você, se conforme (ele tem todo o diretio de recusar) e peça outra coisa. Seu prato provavelmente será menos saboroso que o do onívoro sentando ao lado, mas lembre-se que isso é só uma refeição e que você poderá comer melhor no dia seguinte.

Agradável surpresa: um prato vegano (e delicioso) em um restaurante convencional (Bruxelas).

 Depois da viagem

Minha última dica: esqueça aqueles souvenirs que só servem pra juntar poeira e volte pra casa com lembraças comestíveis da viagem, tanto pra você quanto pros amigos. Pra mim esse é o melhor presente que alguém pode me oferecer. E se a viagem for pra Europa ou pra América do Norte, onde produtos veganos são muito mais fáceis de encontrar, seja generoso e faça um amigo vegano feliz! Eu recomendo latinhas de patês vegetais, levedo de cerveja maltado (tem um sabor especial que lembra queijo) e chocolates finos (com muito cacao e zero leite!).

Cappuccino com leite de soja em Bruxelas.

10 comentários em “Vegano na estrada

  1. Sarado o post, viu colega… Lindas fotos, pra variar… termino de ler amanhã, devido ao soninho que me acompanha nas últimas semanas (Acho que o corpo se prepara para as noites insones vindouras :P)
    Bjão!

  2. Muito legal o post, ainda mais aqui no Brasil em que não dá para achar nem um feijão com arroz no self-serivce sem caldo. Bastante útil, nos casos de viagem e trabalho, ter alguma coisa a mão ainda é a melhor opção.

  3. Olá Sandra,

    Estou planejando desde já a minha viagem pra França, q farei daqui a 1 ano, ai eu estou usando o seu blog como uma das fontes de dicas e tal. Fiquei particularmente entusiasmado quando li neste texto q algumas companhias aéreas servem refeições veganas (Eu nunca imaginei q isso fosse possível. heheh). Mas me ocorreu, fazedo uma pesquisa na net, q eles classificam algumas refeições como “Vegetarian Non-Dairy”. Ai eu fiquei em dúvida se isso significa q são totalmente veganas ou só lacto-vegetarianas. Vc teria essa informação?

    Obrigado

    1. Rafael, o “non-dairy” significa sem laticinios, o que deixa imaginar que eles estão se referindo a uma refeição ovo-vegetariana. Mas pela minha experiencia nos ares, esse tipo de refeição é vegana. Quando não tem escrito explicitamente “vegan meal” geralmente eles usam o termo “vegetarian non-dairy”(pra diferenciar do “vegetarian” sozinho, que é ovo-lacto). Ja até aconteceu comigo uma vez de pedir uma refeição “vegetarian”, porque era a unica opção disponivel, e a comida ser totalmente vegana. Mas entre “vegetarian” e “vegetarian non-dairy” fique com a segunda que é quase certeza que eles te entregarão uma bandeja totalmente vegana.

  4. Sandra, vou ler linha por linha suspirando pausadamente as dicas de viagens e restaurantes veganos que vc postou,e também vejo por suas postagens que posso aos pouquinhos tentar perder o medo de viagens no quesito alimentação, como já disse possuo mais restrições que um vegano (por problemas de saúde pois se como algo indigerível, fico de cama com dores de cabeça horríveis por mais ou menos umas 12 horas, acaba a viagem, né… Mais uma vez obrigadíssima pelo blog, eu amo viajar…

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